As aparências enganam, até em Paris.

Alguns grandes segredos desta maravilhosa cidade não são constituídos de mistérios políticos e históricos, mas sim, turísticos. Paris é a mais linda cidade do planeta feita pela mão do homem, já ouvi Valter Patriani em discurso comparando-a com o Rio de Janeiro, a cidade mais linda do mundo feita pela mão de Deus. E eu assino embaixo.

Quando os turistas chegam podemos dar as boas vindas com convicção: Em Paris você fica feliz!

Apesar de tudo, Paris não é o Paraiso, ainda que somente duas letras nos impeçam de desfrutar deste imenso privilégio que deve ser morar no “Paraiso”.

Prova disso, que apesar de termos a melhor culinária do mundo, os melhores vinhos, os melhores criadores de moda, a Torre Eiffel, a Notre-Dame de Paris, o Arco do Triunfo, crepes fantásticos, a exclusividade sobre o champanhe, o queijo camembert e outras delicias mais, há, apesar de tudo, uma ou duas coisas ruins em Paris. E hoje eu vou surpreender vocês falando sobre uma delas.

A semana passada eu recebi um amigo que conheci quando trabalhávamos no Cirque du Soleil. A primeira coisa que ele me pediu foi que reservasse o Moulin Rouge. Fiquei muda, mas não podia recusar-lhe este sonho. Aliás, sonhos de muitos turistas. Horas depois ele me ligou dizendo que tinha convites com desconto. Conclui que meu amigo havia se tornado muito importante, pois na ultima feira de turismo quando solicitei um pendrive souvenir do Moulin para dar a um agente de viagens brasileiro em visita fui esnobada, que dirá se houvesse pedido entradas com preços reduzidos. O estabelecimento é famoso por recusar pedidos de cortesia para agentes de viagens, já ouvi da boca de uma funcionária que com a sala sempre cheia não precisam muito da nossa classe de trabalhadores.

Reserva confirmada, lá fomos nós. É a 5° vez que eu vejo este mesmo show porque todo mundo que me visita quer ir vê-lo. Na chegada fomos encaminhados para a recepção onde informamos ao recepcionista nosso numero de reserva e condições de pagamento. N° 208, 50% de desconto. Para nossa surpresa o recepcionista se pôs a balançar a cabeça. Humm! Mal sinal! Meu amigo começou a discar para seu contato na empresa onde trabalha atualmente, enquanto o recepcionista me avisava: -A única reserva que tenho hoje com estas condições é para 3 pessoas e não 2 e o numero é o 280. Ele não podia imaginar, mas na hora eu desvendei o mistério: Se há uma só reserva como esta e os dígitos são os mesmos… – Sim, somos nós!

-Quem lhe convidou? Perguntou o recepcionista.

-Helène respondemos. Mas quem garante que ele a conhece? Pensei eu!

-Foi o Fulano de Tal? Retrucou o recepcionista, ignorando minha resposta.

-Fulano de Tal? Bom, digamos que foi ele. – Sim foi provavelmente por intermédio do Fulano que Helène adquiriu os convites, afirmei com certa hesitação.

E assim passamos a recepção para chegarmos a outro balcão aonde ai sim, nosso numero de reserva foi reconhecido como tal: – Quem foi que lhe convidou? Disse o segundo atendente enquanto eu olhava um pires no balcão como sinal de pedido de gorjeta e me perguntava: o que este pires de madame pipi** fazia ali.

E lá vamos nós de novo: -Je ne sais pas! O Fulano, peut-être?

-Ok, disse o atendente que não recebeu nenhuma gorjeta no pires cedendo o lugar ao « maitre » para nos levar até a entrada da sala e nos entregar, por sua vez, ao garçom que nos levaria até nossa mesa.

Onde esta o senhor Henry pensei com meus botões?* O desconhecido não falou para ter cuidado com o degrau, como o fazem em outros cabarés, mas no breve encontro com seu colega não se esqueceu de mencionar: -São convidados do Fulano. Seguimos o garçom até nossa mesa e antes de deixar-nos o garçom perguntou outra vez quem havia nos convidado, antes de nos posicionar em uma mesa longa entre dois casais. Um bom lugar, para os padrões locais.

Já não se fazia necessário tecer comentários sobre o serviço ao meu amigo. Quis falar-lhe quais eram minhas reticências sobre o espetáculo, mas combinamos que falaríamos depois do show, para evitar qualquer influência.

Vou poupar-lhe caro leitor toda minha critica artística, visto que não é minha especialidade. Não tive também que falar nada ao meu amigo. Ele próprio foi direto na principal razão de minha já mencionada reticência. O playback é no mínimo duvidoso e por acaso naquela noite foi muito mal feito por certos artistas. Será que os falsos microfones iludem alguém ou somente reiteram a impressão que estamos sendo enganados? Há bons cabarés na cidade, na realidade todos subsistem graças à fama do Moulin Rouge, porém parece que o Moulin parou de fazer esforços para agradar enquanto os outros seguem se aprimorando.

Felizmente, preocupada em que meu amigo conhecesse um bom cabaré mais cedo liguei para a comercial de um cabaré concorrente. Como trabalho no trade, fui convidada. Fizemos uma maratona, um espetáculo as 9h00 e outro as 11h00.

Querido leitor, confesso que como aprendi que se não há nada de bom há dizer sobre alguém fique calado, há dois dias não durmo pensando neste post. Mas não me agrada a sensação de que outras pessoas paguem para ver este espetáculo e que possam se decepcionar como meu amigo se decepcionou. Juntando o fato de que nunca me trataram bem e que escrevo para clientes em potencial deste estabelecimento, comecei a achar que como diria o autor tão amado pelos franceses: Paulo Coelho, “o universo conspirou” para que esse  segredo fosse desvendado.

Moulin Rouge
Fachada Moulin Rouge
French Can Can
French Can Can
*O senhor Henry, chefe de recepção do Moulin durante muitos anos, partiu devido a um derrame cerebral. Senhor Henry, este é uma homenagem ao senhor, pois mesmo que não possa ler fica aqui meu testemunho, o senhor está fazendo falta por lá.  Inclusive tenho certeza que os “meninos” estão um pouco perdidos com sua recente partida, mas logo reencontrarão o característico rigor da sua “brigada”.
**Mme Pipi é a senhora que fica nas portas de toaletes públicos ou privados e recebe 0,50 centavos de euro a cada vez que alguém vai usar o recinto.

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Silvia Helena

Após breves passagens pela Faculdade Metodista de São Bernardo e Belas Artes de São Paulo, aos 18 anos fui estudar no Canadá, onde vivi durante 23 anos. Lá me formei em História da Arte pela Universidade de Montréal, estudei turismo no Collège Lasalle de Montréal e no Institut de Tourisme et Hôtellerie du Québec. Comecei minha carreira na área trabalhando em Cuba. Durante os anos vividos no Canadá, entre outras coisas, fui guia de circuitos pela costa leste e abri minha primeira agência de receptivo para brasileiros. Há 18 anos um vento forte bateu nas velas da minha vida me conduzindo até França. Atualmente escrevo de Paris, onde vivo e trabalho dirigindo a empresa de receptivo, LA BELLE VIE.

2 thoughts on “As aparências enganam, até em Paris.

  1. E amiga Silvia..lembro bem deste episódio…o pen drive era para mim…Sinceramente eu não indico aos meus clientes este cabaré, que além do relato acima é apertado e os garçons esbarram nos clientes o tempo todo…tenho também esta má impressão.

  2. Silvia, não conheço o Moulin Rouge, mas me lembro bem do Paradis Latin, foi uma noite ótima que passamos.
    Bom serviço, boa comida e bom espetáculo.
    Sempre que falo de Paris aos meus amigos, menciono essa noite.
    Obrigada por nos receber tão bem na nossa breve estada em Paris.

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