Como todos sabemos, o país literalmente parou pra assistir ao último capítulo de Avenida Brasil.
Sou daquelas pessoas que assistem eventualmente a um capítulo de novela, mas não receio confessar que o folhetim de Emanuel Carneiro prendeu minha atenção nas (infelizmente) poucas vezes que pude assistir.
Não vou aqui aprofundar o que 9 em 10 revistas e jornais estão fazendo, com muitíssimo mais propriedade do que eu, que é analisar os motivos de tanto sucesso numa novela, um formato até então desgastado, pra lá de batido e tediosamente repetitivo.
O fato é que Avenida Brasil subverteu justamente este formato, com “takes” longos, “closes” nas cenas, mais velocidade e ritmo, mais cenas externas, menos filtro na cara dos artistas, mostrando rugas, poros e suor verdadeiros, trazendo um inédito realismo a uma novela e permitindo que os atores realmente bons mostrassem seu talento.
Muitos destaques, mas nenhum chegou sequer perto do desempenho de Adriana Esteves, que merecia um Oscar pela capacidade de transmutar-se e, em especial, de transmitir emoção em todas, sem exceção, em todas as cenas nas quais participou, isso tudo com um personagem pra lá de complexo.
A prova final da heterodoxia de Avenida Brasil veio também no capítulo final, quando a esperada surpresa na revelação do assassino de Max não aconteceu, já que Carminha confirmou a suspeita mais óbvia de todas.
O surpreendente mesmo foi a revelação do trauma de Adauto, um personagem inicialmente pequeno, um sujeito rude, semianalfabeto, um tanto machão e, ao mesmo tempo, carinhoso com as mulheres, mas que ainda não se livrara do hábito infantil da chupeta.
Entre tantos comportamentos pouco usuais e não aceitos pela sociedade em um mesmo texto, como um casamento entre uma mulher e dois homens e um outro entre um homem e três mulheres, traições conjugais e morais de todos os tipos, crueldade com crianças, vingança até as últimas consequências, além de sequestro, tortura e assassinato, chupar chupeta poderia ter sido a nota cômica do epílogo, não fosse o fato do autor, ou quem sabe a diretora, ter emprestado à cena da Olenka tentando, carinhosamente, ajudar o Adauto a livrar-se do trauma, uma veracidade que não permitiu sequer um sorriso escondido no olhar dos atores, um deboche incontido, um descontrole sequer, numa cena que tinha tudo para descambar para o ridículo.
Ainda assim, diverti-me com o inusitado da situação, imaginando quantos Adautos devem existir por aí, com traumas infantis tão curiosos quanto difíceis de resolver.
Como disse a Olenka, existe muita coisa pior do que isso e cada um deve buscar uma forma, com ou sem ajuda, de resolver seus problemas e superar seus traumas…
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LV,
Muito boa sua análise. Eu, noveleiro confesso e sem culpa, há muito descobri a genialidade dos atores brasileiros nos folhetins da Globo (em que pesem as acríticas, quase sempre motivadas por inveja ou falta do que fazer). Esta novela, entretanto, superou todas as expectativas e eu concordo contigo no que respeita à cena da Olenka e do Adauto. O que poderia facilmente descambar para o deboche, foi apresentado com uma carga dramática difícil de imaginar. Estão todos de parabéns e é muito bom que derrubemos mais esse preconceito e entendamos que pode, sim, haver arte dramática de qualidade mesmo num folhetim televisivo.
Um abraço.