Num post da semana passada, discorri sobre casos de amigos que tiveram a experiência de risco de vida, em algum momento, mas sobreviveram para contar sua história.
Entre os exemplos apresentados por quem estava à mesa, o único que posso divulgar é o “tormenta no mar durante um passeio de barco”, experiência que eu passei em mar aberto, atrás da Ilha do Cabo Frio*, acessada por Arraial de Cabo, RJ.
Numa canoa de pesca (usualmente vão 3 ou 4 pescadores), motorizada mas superlotada (iam 12 !), que seguia com dificuldade para quebrar as vagas do revoltoso mar de Cabo Frio, o timoneiro (aqui comandante do barco) resolveu nos levar para conhecer “o outro lado da ilha”, o que significa navegar em mar oceânico, não protegido.
Durante o trajeto, sempre margeando a ilha, lentamente, num ritmo “po, po, po” típico de motores de centro de pequenos barcos, percebemos diversos outros pescadores retornando apressadamente do local a que nos dirigíamos.
“O mar mudou”, alguém afirmou mais à frente, mas nosso timoneiro, talvez um pouco alto (não havia “lei seca” no mar àquela época), talvez julgando-se imortal, decidiu sozinho seguir adiante, apesar de algumas manifestações contrárias entre os 12 “valentes” à bordo (todos homens, todos jovens).
De repente, a tormenta chegou pra valer.
Navegar numa pequena canoa, por horas, entre um mar violento e as pedras de um paredão rochoso, nos dá um novo conceito para a expressão “na luta entre a pedra e o mar, quem sofre é o marisco”.
“Sem saída”, pensei…
E o trajeto foi longe, com o mar agindo como uma gigantesca montanha russa que engolia o barco, (uma onda sim, outra também), e o penhasco ali, pertinho, nos lembrando o que é estar “entre a cruz e a espada”.
“Sem alternativa”, concluí…
Após 4 horas de suplício, literalmente entre a vida e a morte, muitos dos “valentes” à bordo desistiram de demonstrar bravura, muitos lamuriavam alto, alguns blasfemavam aos gritos e outros poucos manifestavam a apatia típica dos desesperados.
O fato é que, apesar de ainda ter anoitecido uma noite sem lua, conseguimos retornar da Ponta do Focinho** e, após navegar no limite da flutuabilidade e, portanto, ultrapassar qualquer limite de segurança, adentramos a baía do Arraial do Cabo, após manobra arriscadíssima através da Garganta do Diabo***.
Na praia, centenas de pessoas aguardavam, com velas e lampiões, o retorno do último barco, aquele em que alguns já apostavam que não voltaria, tamanha a violência do mar naquela noite.
Mas o fato é que voltamos, e estou aqui para rememorar esta história, jamais esquecida nesses quase 40 anos…
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Descrição dos locais citados no texto:
* Ilha do Cabo Frio: ilha que tem uma das praias mais lindas do Brasil (Praia do Farol) e que abriga a baía do Arraial do Cabo, o que torna protegida a navegação na região.
** Ponta do Focinho: extremo rochoso do lado oceânico da Ilha do Cabo Frio, onde existe um farol da Marinha para orientar embarcações e evitar que cheguem próximo à costa, risco certo de naufrágio.
*** Garganta do Diabo: estreita separação entre a Ilha do Cabo Frio e o Pontal do Atalaia (terra firme), cujo canal navegável não chega aos 6 metros de largura, com rochas semi-submersas em ambos os lados.
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Imaginei que este teu post seria um do mais comentados. Não foi
Então venho aqui dizer que fiquei muito feliz pelo desfecho positivo da peripécia.
Um grande abraço e um excelente 2014
João,
O comportamento dos leitores, seja em termos de acesso, leitura ou comentários, é sempre imprevisível e essa é uma das características que me estimulam a manter este Blog: nunca sabemos se o texto agradará, incomodará, suscitará debates, emocionará, irritará ou encantará o leitor, ou seja, se será lido e comentado.
Agradeço por seu comentário e também desejo a você um Feliz Natal…
[]’s
Luís Vabo