Para ilustrar o tema, reproduzo aqui um diálogo real entre marido e mulher numa linda manhã de sábado:
– Estou assustada comigo – diz a mulher
– Por que, querida?
– Eu estava no banheiro assistindo à novela das 11, numa linda manhã ensolarada como essa… Isso não parece estranho?
– Não lembro de termos instalado TV no banheiro… – responde o marido, insensível à preocupação feminina.
– Claro que eu não estava assistindo à TV ! Eu assistia ao capítulo de ontem d’O Astro no meu iPhone, claro…
– Ué, porque não assistiu ao vivo ontem, se estávamos em casa? – insistiu o pragmático marido.
– Porque ontem, na hora d’O Astro, eu assisti à novela das 9, também no iPhone, porque chegamos em casa tarde, lembra?
O diálogo segue até que o marido questiona a mulher o motivo de ela assistir numa tela tão pequena, se poderia assistir, com a mesma mobilidade, na tela do iPad, por exemplo.
– Mesma mobilidade nada – argumenta a mulher. – O iPad eu teria que tirar da bolsa, ligar, buscar o que quero assistir… muito trabalhoso. Já o iPhone está ligado 24 horas por dia, sempre ao meu lado, com um link direto para o que eu gosto.
Por ser tão simples, rápido, direto e disponível, o smartphone tornou-se, praticamente, um apêndice de nosso corpo, quase uma prótese para conectividade instantânea, entre diversas outras funções.
Dizem que Steve Jobs não descansará enquanto o iPhone 8 ou 9 não estiver reduzido a um chip, a ser implantado na base da orelha do usuário, de forma a permitir seus principais comandos sem o uso das mãos.
Receber uma ligação, a partir da informação automática no seu ouvido com o nome de quem está chamando, ou fazer uma ligação ao simples pronunciar de uma frase (ex.: iPhone 9 ligue para celular de Artur Andrade), sem tocar em absolutamente nada, nem mesmo fazer qualquer gesto, será, talvez, a última fronteira da interface homem/máquina, antes do comando neural.
Sim, o celular será uma prótese, mas hoje ainda não é, embora as pessoas o carreguem até para tomar banho, às reuniões de trabalho e aos encontros familiares, numa estranha forma de priorizar o relacionamento com uma pessoa ausente, sobre todas as demais pessoas à sua frente.
Apesar das centenas de milhões de usuários dos Facebook’s da vida, a verdadeira rede social é outra, é a surrada forma com que 7 bilhões de pessoas no mundo inteiro se comunicam por escrito, se relacionam indiscriminadamente com qualquer outro usuário, num nível de direcionamento e foco somente possível graças à incrível capilaridade do celular como interface: o SMS.
O inacreditável poder deste aparelho reside no fato de reunir, numa mesma interface (um equipamento quase do tamanho de um cartão de crédito), as funcionalidades antes disponíveis em 20 ou mais diferentes aparelhos de nosso cotidiano:
– telefone
– recado
– email
– web
– câmera fotográfica
– arquivo de fotos
– filmadora
– arquivo de vídeos
– aparelho de som
– arquivo de músicas
– mapas
– GPS
– despertador
– cronômetro
– calculadora
– gravador
– bússola
– lanterna
– tradutor
– agenda
– calendário
– jogos
Carregar no bolso um negócio desses (ou num implante na pele futuramente) é algo que mexeu com a cabeça das pessoas, independentemente do fato dela ter nascido antes, durante ou após o advento desta tecnologia.
O fato é que por centralizar as atenções, de forma individual (cada um no seu), exclusivista e egocêntrica, não há festa, jantar, encontro romântico ou qualquer outro tipo de relacionamento social em que não se perceba, claramente, o poder inquestionável que ele exerce sobre todas as pessoas.
Percebo nisso autênticos sintomas de vício, de dependência química (neste caso física) à uma droga, com o agravante de sua epidêmica distribuição mundial, que acabaram por transformar o seu uso na verdadeira e invencível doença social deste século, que mal inicia.
P.S.: Não, esse post não é patrocinado pela Apple…
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