Na época em que prestei o exame do vestibular, nos idos de 1978, já era comum que muitos estudantes se atrasassem para o exame e, com isso, frustrassem ou postergassem seu sonho de entrar na faculdade, exatamente como ocorre atualmente com o ENEM.
Um tanto “nerd” (ainda não existia esta expressão), eu considerava inimaginável atrasar para o exame do vestibular, pois se existe algo nesse país que não tem qualquer flexibilidade no horário é a prova para acesso às universidades, seja vestibular, ENEM ou o nome que quiserem dar e, por isso, lembro que me programei para chegar 1 hora antes do horário marcado, simples assim.
O fato é que são muito poucas as outras situações do cotidiano brasileiro em que o horário é efetivamente cumprido por todas as partes envolvidas e, como cumprir qualquer horário depende de uma sequência de fatos, quando todos esses fatos atrasam dá para ter uma ideia das desculpas esfarrapadas utilizadas para justificar o injustificável.
No Brasil, atrasar é esporte popular, descumprir horário é esporte olímpico e desrespeitar agendamento é campeonato mundial, torneios de incivilidade em que somos líderes absolutos.
Chegamos a achar graça da pontualidade britânica, não valorizamos a precisão dos relógios suíços e nos divertimos com a famosa reverência japonesa ao cumprimento de horários, e ainda existem sociólogos pregando que esta é a nossa cultura (desrespeito ao outro) e, portanto, não adianta lutar contra isso…
No Brasil, nem médico respeita seu cliente, que marca uma consulta às 11:00h mas, às 12:30h, ainda aguarda ser atendido:
– “Eu estou aqui trabalhando, o paciente é que tem que aguardar”, explicou-me uma vez um médico quando questionei o motivo dele descumprir sistematicamente os horários agendados.
– “E eu estou fazendo o quê aqui, doutor? Passeando?”, respondi, inutilmente.
O brasileiro, de uma forma geral, acha natural (e julga-se pontual) chegar às 15:25h para uma reunião marcada às 15:00h, ou chegar diariamente ao trabalho às 9:20h, quando o expediente começa às 9:00h, ou ainda, entrar no cinema ou teatro com a sessão iniciada, deixar o táxi aguardando (que também chegou atrasado), chegar no restaurante meia hora depois do combinado com os amigos, entre outros desrespeitos às outras pessoas.
Por isso, confesso que não me penalizo com os atrasados do ENEM e alinho com a galera que tem postado milhares de piadas a respeito dessa turma, no mínimo, irresponsável.
São tantas gozações, que podem ser encontradas com a “hashtag” #ShowdosAtrasados2015, e as principais redes de TV montam coberturas ao vivo nos portões das grandes universidades, para flagrar em “real time”, o show de bizarrices, que são as tentativas de explicar o inexplicável, pelos estudantes que batem o nariz no portão recém-fechado:
– O ônibus atrasou
– O trânsito estava congestionado
– Minha mãe perdeu a hora de me acordar
– Esqueci a caneta e tive que voltar para buscar
– Meu relógio não estava no horário de verão
– Fecharam o portão antes do horário
– O portão estava mal sinalizado e me perdi
– Fui pra balada ontem à noite pra relaxar…
Eu realmente não consigo entender, os caras vem se preparando há anos, estudando, se esforçando, fazendo uma série de atividades para tentar ser bem sucedido num único exame anual… e jogam tudo fora porque acreditam que 2 minutos não é atraso, e ainda acham que cobrar pontualidade é exigir demais.
No fundo, estes episódios de atrasos para o exame do ENEM formalizam um mal comportamento social crônico de toda a nação, mas acabam tendo uma função disciplinar, no sentido de mostrar que, no jogo de tentar ser bem sucedido na vida, a regra é clara, comece sendo pontual em seus compromissos ou, mais cedo ou mais tarde, você estará fora do jogo.
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