Ao testemunhar a evolução dos furacões Irma, José e Katia, com suas trajetórias no Caribe, Golfo Mexicano e Flórida, acompanhadas em tempo real, tal e qual um reality show, pelos portais de notícias, redes sociais e até pela TV, impossível não comparar o comportamento da sociedade norte-americana com a brasileira…
Ok, ok, é uma comparação absurda e inútil, na medida em que suas diferenças são tão evidentes e gigantescas, que parece masoquismo imaginar (ou sonhar) que um dia atingiremos nível similar ao do povo americano.
Não me refiro ao nível econômico ou cultural, mas ao conjunto da obra, o nível social, aquele pelo qual se mede a educação, o padrão de relacionamento entre as pessoas, o respeito à lei e à autoridade constituída, o patriotismo (na sua essência mais pura, sem patrulhamento), a qualidade da convivência social, a priorização do conjunto da sociedade sobre o indivíduo, o respeito ao cidadão como contribuinte e protagonista de uma nação.
Neste cenário desigual entre Brasil e EUA, destaco aqui o texto publicado pelo Carlos André Montenegro, empreendedor brasileiro há 2 anos residente em Miami, sobre a experiência de ser tratado como um cidadão de verdade:
Obrigado, Irma !
Faz dois anos que decidi me mudar do Rio de Janeiro para Miami com minha mulher e meus dois filhos, em busca de algo melhor para nossas vidas.
Por ironia, depois de dois anos vivendo na America, recebi o meu Green Card exatamente no dia em que também recebi a notícia de que o furacão Irma, o pai de todos os furacões, também está a caminho.
O governador da Florida, Rick Scott, assim que soube da gravidade do problema, foi para a TV e ordenou que todos no sul da Florida evacuassem suas casas imediatamente, pois as consequências podem ser catastróficas.
Da noite para o dia, como em um piscar de olhos, milhões, literalmente milhões de pessoas, abandonaram suas casas e já estavam nas estradas, subindo ao Norte.
Eu era mais um na multidão, no meio de um enorme congestionamento, e isso me fez lembrar das minhas voltas dos feriados de Búzios, na Região dos Lagos. A única diferença é que, pasmém, aqui na Florida, mesmo em uma situação absolutamente adversa, as pessoas não trafegam pelo acostamento para tirar vantagem e chegar mais rápido ao destino. Todos respeitam as leis de trânsito, mesmo em situações caóticas, emergenciais. Motociclistas loucos também não existem por aqui. É proibido trafegar entre as faixas. Acho que eles nem sabem o que significa isso, podem acreditar.
Quando encontrei um lugar seguro, a primeira coisa que eu fiz foi ligar a TV. Lá estava o Governador novamente falando ao vivo, e eu comecei a ter uma aula de patriotismo, solidariedade, respeito pelo próximo e, acima de tudo, respeito pela vida. A mensagem que mais me tocou foi: “Se você não tem como sair de casa, seja por qual motivo for, ligue para o número que você vê no rodapé da imagem, que iremos agora na sua casa te salvar. Ainda temos tempo!”. Isso me arrepiou! Pensei: esse cara é o meu herói!
Lembrei automaticamente das enchentes de Teresópolis, tenho uma conexão com a cidade pois, desde que me entendo por gente, tenho casa lá. Anos após aquela triste tragédia de 2011, descobriu-se que a quadrilha de Cabral desviou parte do dinheiro que deveria ser utilizado nos resgates das vítimas e reconstrução da cidade. Até o prefeito foi preso. Confesso que tive vontade de vomitar ao comparar!
Voltando ao furacão, as companhias aéreas americanas, das quais todos sempre reclamam, colocaram voos extras, durante toda a madrugada, com preço fixo de $98 dólares, para ajudar a escoar o pessoal pelos céus. A Expedia, site de reservas de hotéis, ofereceu tarifas com descontos especiais em lugares seguros. O mesmo fez o Airbnb, site de reservas de casas e apartamentos. Os hotéis, por sua vez, passaram a aceitar mais hóspedes por quarto e também animais de estimação.
As operadoras de telefonia, que normalmente restringem suas redes de wi-fi aos seus clientes, liberaram internet grátis para todos. Onde existir cobertura, existirá wi-fi grátis. Comunicação, ou a falta de, pode salvar uma vida ou causar uma morte nesse tipo de situação. Até o hotel em que estou, acaba de informar que todo o conteúdo de filmes e desenhos, que normalmente é cobrado, será grátis nas próximas 72 horas.
O Google se uniu ao governo, em um esforço sem precedentes, para conseguir localizar e colocar em tempo real nos seus mapas (Google Maps e Waze) as ruas fechadas, bloqueadas e danificadas, após a passagem do Irma.
São muitos os exemplos, que realmente emocionam. Na maioria das vezes coisas simples, mas que trazem o mínimo de conforto nesse momento e esperança de um futuro melhor. Como diz o famoso ditado: depois da tempestade, sempre vem a calmaria.
Carlos Andre Montenegro
08/09/2017