MULHERES…

Muito se fala e escreve sobre as conquistas femininas no século passado, em especial na segunda metade, e que continuam evoluindo agora e daqui em diante.

Da mesma forma, pululam estudos sociológicos e antropológicos, sobre as novas atitudes e comportamentos da “mulher moderna”.

As aspas são uma homenagem à minha mãe, que com 75 anos, é o retrato da mulher moderna no conceito mais completo do termo: casou, montou seu negócio, conciliou trabalho, casa, marido e 3 filhos, sem jamais ter perdido a ternura, tudo isso entre os anos 1950 e 1990.

Foi essa geração que ralou o sapato alto para que, atualmente, as meninas nem percebam o fiozinho de preconceito que ainda persiste no ambiente corporativo.

Para essa turma atual, é incompreensível a situação da diferença salarial média das mulheres em relação aos homens, que vem diminuindo, mas ainda existe como prova inconteste da discriminação insidiosa.

E também no turismo, atividade intensiva em profissionais do sexo feminino, mas politicamente dominada pelos homens, despontam com frequência casos emblemáticos de mulheres que são verdadeiros exemplos de vida, de profissionalismo, de maternidade, de companheirismo (tudo junto ao mesmo tempo agora) e que, a cada dia, destacam-se mais e mais em atividades até então dominadas pelos homens.

Com a vantagem da capacidade multitarefa, algo raro no universo masculino, as mulheres vem conquistando mais e mais espaços no mercado de trabalho e, por conseguinte, também no comando econômico das famílias (que sempre lideraram no aspecto emocional).

Afinal, para elas, acostumadas a lidar com os filhos (por si só uma atividade multitarefa), com o marido (outra),  com o trabalho (colegas, clientes e fornecedores), muitas vezes concomitantemente com os estudos, outras vezes ainda com trabalho voluntário (seja em associações, ONGs ou por conta própria), apoiar os pais, manter-se saudável, bonita e em forma, participar de compromissos sociais, entre outras, nada soa mais natural do que a sociedade atual: multimídia, multifacetada e multipresencial.

No fundo, no fundo, os homens estão começando a perceber e a preocupar-se com esta concorrência desigual…

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ESCUTAR SEM OUVIR…

O ex-Governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola era um especialista no tema.

O jornalista podia fazer a pergunta mais inteligente ou capciosa que fosse, que o Brizola permanecia impávido durante toda a explanação prévia do questionamento malicioso, para em seguida, iniciar sua exposição de conceitos e ideias sobre um outro assunto absolutamente diferente da pergunta formulada.

Com o tempo, de tanto observá-lo participando de debates políticos na TV, comecei a perceber que ele escutava, mas não ouvia a pergunta do entrevistador ou mesmo a do adversário de urna e simplesmente aguardava o interlocutor concluir sua questão, para iniciar sua verborragia insana a respeito do que havia planejado dizer ao eleitor.

Observando muitos profissionais atualmente, em reuniões, entrevistas, conference calls, eventos e coquetéis, percebo que Brizola fez escola…

Tem muita gente que escuta o interlocutor longamente, com aquela cara de atenção absoluta, mas no fundo está pensando no que dizer na próxima oportunidade de retomar a palavra.

Lembro-me também de um colega que, entediado, cochilava por longos 10 minutos em reuniões de entidade e, ao acordar subitamente assustado e perceber que havia ficado “out” provavelmente tempo demais, emendava instantaneamente um “peço a palavra” para, em seguida, discorrer de forma genérica sobre “a importância da opinião de todos na decisão do assunto em debate”…

Outra linha interessante é a do sujeito que escuta (mas não ouve) uma crítica contundente ao seu comportamento em determinada situação e reage com fleuma britânica, com ar de comedida superioridade e responde com um largo elogio ao seu crítico, seguido da defesa do direito universal do ser humano à opinião, à divergência, à controvérsia, ao contraditório.

Para finalizar, emenda com um contido sorriso de autossuficiência: “discordo totalmente de cada palavra de sua explanação, mas eu seria capaz de morrer defendendo seu direito de proferi-la”.

É um craque (ou pensa que é)…

Eu fico imaginando esses políticos, executivos, juristas etc. no papel de vendedor, aquele profissional que algumas vezes vende sem conhecer, outras vezes resolve sem saber como, e quase sempre faz o cliente feliz com um sorriso, uma palavra ou um gesto que inspira confiança.

Gostemos ou não, é a vitória definitiva da percepção sobre o fato…

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EU QUERIA SER O PELÉ…

Eu tinha 9 anos na Copa de 70.

Aos 9 anos, naquela época, os meninos não acompanhavam os jogos com a voracidade com que consomem transmissões esportivas atualmente.

Mas eu assisti quase todos os jogos, ao lado de meus pais e irmãos, e lembro nitidamente de algumas jogadas espetaculares que, sempre que repetidas na TV ao longo dos últimos 40 anos, me transmitem a mesma sensação de quem presenciou, ao vivo, aqueles momentos de genialidade.

Mas, domingo passado, ao ler que o goleiro Félix declarou em depoimento, gravado pouco antes de morrer, que Pelé e o zagueiro reserva Fontana brigaram na concentração da Copa de 70, experimentei um certo alívio e um sentimento de libertação, devido a um episódio que ocorreu na minha escola, logo após a Copa.

Para comemorar o feito, o inédito tricampeonato que manteria a Taça Jules Rimet definitivamente no Brasil, após idas e vindas desde 58, as escolas promoviam festividades, unindo ginástica e atividade comunitária, com a presença dos pais e familiares dos alunos.

Tínhamos que ensaiar uma espécie de volta olímpica, cantando:

“90 milhões em ação,
pra frente Brasil,
do meu coração…”

A performance infantil  incluía uma taça na mão de todos os alunos, que estariam vestidos com o uniforme da seleção brasileira, devidamente identificados com o nome de um dos “Heróis do Tri”.

Jamais vou esquecer meu sentimento de frustração infantil quando recebi a camisa identificada com o nome FONTANA…

Ao olhar para meu rosto desolado, a professora perguntou-me:

– O que foi, Fernando?

– Eu queria ser o Pelé – respondi simplesmente, manifestando o desejo compartilhado por todos os alunos presentes.

A professora então apresentou-me uma foto do zagueiro reserva Fontana, como argumento para justificar sua escolha e, não satisfeita, disparou:

– Você é parecido com o Fontana, não com o Pelé.

E continuou, entregando a valiosa camisa do PELÉ para outro colega e olhando para os outros meninos:

–  Pelé só tem um !

O que mais me incomodou foi o fato de que o tal de Fontana era um completo desconhecido da torcida, alguém que foi escalado para a eventual e improvável substituição de um Brito (um touro de disposição) ou de um Piazza (outro difícil de machucar) e, por isso, jamais entrou em campo…

Assim como meus colegas, eu tinha a ambição de ser o melhor, mas me senti como quem foi designado a representar o ninguém, aquele de quem nunca se teve notícia e que, por isso, não parecia existir.

Somente agora em 2012, com esta revelação do Félix, meu constrangimento finalmente acabou: o Fontana podia não ser o melhor jogador da seleção, mas tinha opinião, personalidade e não se intimidou em encarar o Pelé, quando discordou dele.

A professora tinha razão: eu pareço mais com o Fontana.

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