FRASES DA CIDADE QUE NÃO DORME

Apesar de muita gente afirmar que pareço gringo (e talvez pareça mesmo), sou um carioca típico.

Não o estereótipo do carioca, mas o nascido no subúrbio do Rio de Janeiro e que rala a vida inteira em busca de algum avanço pessoal, econômico, cultural (a tal da mobilidade social).

Mas sou obrigado a admitir (e faço-o sem qualquer constrangimento): cada vez que vou à São Paulo, aprendo mais sobre meu ofício.

Embora todos saibam o quanto esta cidade respira trabalho, produção, negócios, e por conseguinte, progresso, talvez nem mesmo os paulistas tenham a real dimensão do que representa este permanente benchmarking de São Paulo, influenciando todo o país.

Ok, ok, o Rio de Janeiro continua (e certamente continuará) gerando a grande influência na cultura, na moda, no comportamento, no simbolismo de ser brasileiro, talvez pela mistureba (neologismo tipicamente carioca) de origens, de tendências, de pessoas, ou mesmo pela história, pela geografia ou pela política da eterna capital cultural brasileira.

Mas é em São Paulo que a economia brasileira pulsa.

“Em São Paulo as coisas acontecem”, não cansa de repetir o Tadeu Cunha.

E foi em São Paulo que escutei as seguintes frases, na semana passada:

“A aviação brasileira atingiu um índice maduro de ocupação e não há sinais de mudanças neste cenário até o final de 2015”.
Sobre o (des)equilíbrio da oferta de voos em relação à demanda.

“Não há explicação razoável para isso”.
Sobre a incrível variação das tarifas aéreas nos últimos meses, apesar da maturidade da aviação.

“A Copa está cada vez mais parecida com o bug do milênio, muito planejamento, muito investimento, muito barulho por nada”.
Sobre os investimentos da hotelaria motivados pela Copa e Jogos Olímpicos.

“No Brasil, todo avião sobe com 65% de passageiros viajando à trabalho, portanto o corporativo é muito mais do que isto, é o principal segmento atendido pela aviação comercial no país”.
Sobre o corporativo ser, de novo, a tábua de salvação do mercado de viagens e turismo.

“O Brasil cresceu nos últimos dez anos baseado na expansão do crédito, não há mais uma “nova classe média brasileira”, a população está endividada e a inflação está comendo o poder de compra do brasileiro”.
Sobre o atual estágio da economia brasileira.

“O resultado disso está sendo represado até as eleições e a conta será cobrada nos próximos 4 anos”.
Sobre as consequências do item anterior.

Frases que poderiam ser ouvidas em qualquer lugar do país, mas que adquirem sua real dimensão quando ditas e debatidas em São Paulo.

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VALET PARKING NO SDU…

Muito se fala do espírito empreendedor do brasileiro, de nossa fama de aproveitar oportunidades e até de criar situações e gerar demandas.

Tive mais uma comprovação desta característica, ao estacionar o carro hoje de manhã, no aerporto Santos Dumont, quando uma equipe de auxiliares uniformizados, buscava valorizar o serviço de encontrar uma vaga, em meio ao local quase lotado.

Bem sintonizados, os funcionários da concessionária do estacionamento faziam questão de comunicar-se com o motorista e, de forma simpática e proativa, direcionavam para o colega mais próximo, que prontamente informava:

– “Bom dia, sua vaga especial está aguardando o senhor. Acompanhe-me por gentileza”.

Animado com o fato, simplório mas efetivo, de encontrar uma boa vaga para o carro pernoitar, em tempo recorde, fui ainda surpreendido com o guarda-chuva prontamente aberto na porta do carona, seguido da frase “As senhoras primeiro”.

Quando tentamos devolver o guarda-chuvas na saída do estacionamento, outra surpresa:

– “Podem devolver-me dentro do saguão do aerporto, para os senhores não se molharem”.

Era a dica: praticamente um “passe no caixa” que, por acaso, fica fora do local de trabalho.

Embora não houvesse uma cobrança formal pelo serviço ou pela gentileza, estava evidente o esquema montado pelos empresários do jeitinho, da informalidade, do levar vantagem.

Confesso que dei a gorjeta, o rapaz simulou surpresa e agradeceu, ou seja, seguimos ambos um script não acordado de “trate-me bem que você será remunerado”.

Fiquei entre contente (como usuário), surpreso (como empresário) e crítico (como cidadão), afinal o estacionamento é um empreendimento privado, cujo serviço é caro, os funcionários são assalariados e estão explorando uma atividade econômica (simulada como gorjeta) durante o horário de trabalho, e naturalmente sem qualquer compromisso fiscal.

Se houvesse um Valet Parking formal, não estou certo se eu usaria, tampouco se os funcionários seriam atenciosos, nem mesmo se este é o ponto a ser analisado aqui neste post.

No fundo, o fato apenas comprovou o que estamos cansados de saber: onde existe demanda, haverá sempre quem ofereça o produto ou serviço.

A forma de fazê-lo é um mero detalhe.

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DOIS COMETAS HALLEY

Tentei não voltar a escrever sobre os grandes eventos esportivos no Brasil, pelo menos não tão próximo do texto anterior – LEGADO DA COPA: SOLUÇÃO CARIOCA PARA O TRÂNSITO – mas está difícil ficar longe das discussões sobre esta incrível oportunidade desperdiçada por nosso país.

Neste fim de semana, estive num encontro entre amigos, para comemorar o aniversário de um deles, em sua casa na Tijuca, um evento intimista, familiar e bem carioca.

2 Cometas Halley
Copa do Mundo e Jogos Olímpicos: é agora ou daqui a 76 anos…

Por uma coincidência, num terraço populado por 30 pessoas, estavam uma médica de um hospital “referência” da Copa, um engenheiro funcionário da Infraero, um agente de viagens desiludido com a Copa, uma diretora da construtora de uma das arenas da Vila Olímpica e um ex-empresário que fechou sua empresa de engenharia para fazer um concurso público.

A certa altura do campeonato, o assunto inevitável surgiu e, entre defesas inflamadas sobre a união da nação em prol de um objetivo de Estado (embora não esteja claro se este objetivo é vencer a Copa ou iludir o mundo sobre como de fato é o Brasil), ouvimos também:

1 – Esclarecimentos sobre os motivos pelos quais as reformas nos aeroportos não serão concluídas no prazo e teremos de conviver com aeroportos maquiados, “guaribados” e “acochambrados” durante a Copa, de preferência sorrindo para demonstrar que somos um povo simpático e receptivo.

2 – Explicações sobre o significado de ser o segundo “hospital de referência” da Copa, em especial por referir-se ao Hospital do Andaraí, o qual, para quem não sabe, encontra-se praticamente em ruínas, faltando menos de um mês para o evento.

3 – Comentários preocupados sobre as dificuldades em encontrar hospedagem no Rio de Janeiro, para turistas e clientes corporativos que não têm qualquer interesse em futebol, mas desejam ou precisam vir à Cidade Maravilhosa, durante o período da Copa.

4 – Relato surpreendente sobre a contra-ordem do prefeito carioca, para refazer o desenho do Velódromo Olímpico (circuito oval para bicicletas de corrida), apesar do projeto descartado ter custado alguns milhões aos cofres públicos, decisão que, segundo especialistas, atrasará a construção em alguns meses.

5 – Desabafo de um ex-empresário que, desiludido com as dificuldades de manter sua empresa “devido ao pouco comprometimento e a baixa produtividade dos funcionários”, resolveu inscrever-se num concurso público e hoje, como funcionário da prefeitura, gaba-se de agir da mesma forma que agiam seus ex-funcionários.

Para um país, a Copa do Mundo é um evento que ocorre com periodicidade próxima a da passagem do Cometa Halley pela Terra, ou você se prepara para o momento em que estiver passando, ou joga fora esta oportunidade e aguarda a próxima, que poderá ser daqui a 76 anos.

Da mesmíssima forma são os Jogos Olímpicos, também não costumam acontecer mais de uma vez, no mesmo país, num mesmo século.

Ou seja, apesar de um raio não cair no mesmo lugar duas vezes, teremos duas oportunidades, em uma mesma geração, e praticamente na mesma época, de promover dois eventos tão raros, que costumam ocorrer somente uma vez, durante uma vida, em determinado país.

Receio que já perdemos nosso Cometa Halley de 2014, e que se não corrermos contra o tempo já desperdiçado, também perderemos o de 2016…

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