Quando me formei na faculdade de engenharia, a especialização em algum tema era meio caminho andado para ser bem sucedido na carreira, porque o mercado de trabalho, àquela época, buscava especialistas, profissionais que se dedicavam a fazer bem um determinado ofício, fosse qual fosse.
Com o tempo, ser especialista deixou de ser uma vantagem competitiva, o generalista passou a ser o perfil profissional mais valorizado, buscava-se quem entendesse de tudo um pouco, mesmo que, em muitos casos, sem a profundidade que os especialistas atuavam (e ainda atuam).
Hoje em dia o que vemos são generalistas especializados em absolutamente tudo e, diferentemente de épocas anteriores, essas pessoas não buscam ser valorizadas pelas empresas, mas pelos seus seguidores.
Sim, porque o importante não é mais ter uma experiência aderente a empregadores, mas ter um perfil e postagens e atitude aderentes aos seguidores que, aos milhares ou aos milhões, tornaram-se o novo empregador desses novos profissionais, influenciadores digitais, celebridades virtuais, que surgem também aos milhares e milhões nas redes sociais.
“Para manter meu público interessado e crescente, preciso abordar outros assuntos além do meu tema principal”, defendem quase todos os influenciadores digitais, explicando o motivo pelo qual têm que conhecer de tudo um pouco, ou “de tudo um muito”, como acreditam os profissionais, aqueles que transformaram a internet em seu ofício, estudiosos e pesquisadores que são, de todos os assuntos que compartilham.
Chamamos este fenômeno de ultracrepidanismo, ou “o hábito de expressar opiniões ou dar conselhos em assuntos para além do conhecimento do próprio”, conforme descreve a Wikipedia.
Típico de jornalistas e políticos, que sempre tiveram dificuldade em admitir que não conhecem determinado assunto, o ultracrepidanismo tomou uma outra dimensão com as redes sociais, onde todos se julgam um pouco jornalistas, gerando conteúdo, seja através de imagens, notícias, frases ou pensamentos (quase nunca inéditos ou originais) e atuam com um pouco ou muita preocupação política (meu conteúdo deve ter aprovação da maior quantidade possível de seguidores).
Agravado pelo poder do conhecimento que o Google emprestou a todos os seres humanos que se interessem em fazer uma pesquisa mais detalhada sobre qualquer assunto, o ultracrepidanismo vem crescendo numa velocidade avassaladora, gerando uma horda de leigos especialistas em física quântica, doenças psicossomáticas, geometria analítica, nutrologia, pesquisa do cancer, viagens espaciais, psicologia comportamental, veículos autônomos, política e economia mundial, fé e preferência religiosa, inteligência artificial, gestão financeira e de investimentos e, mais recentemente, epidemiologia, entre muitos outros assuntos.
O ultracrepidário (neologismo advindo do conceito original) ou ultracrepidante (como alguns acham mais bonito) conhece tudo isso e muito mais, pois julga (e parece esta certo) que todo o conhecimento da humanidade está ao alcance dos dedos, dele e de seus seguidores, sendo fundamental portanto, sua análise oportuna (timing), sua curadoria segmentada (público) e sua capacidade de encantar e fidelizar seus seguidores (talento).
O fenômeno não se limita às redes sociais, o ultracrepidanismo está e sempre esteve presente nas rodas de amigos, nas reuniões familiares, nos bares e botequins, nos clubes, associações e condomínios, em qualquer ambiente com várias pessoas será possível identificar um legítimo representante deste comportamento.
Não há aqui propriamente uma crítica, mas um alerta para que se selecione bem onde obter conhecimento (ou consumir conteúdo), filtrar opiniões e exercitar a pesquisa, a análise e a formulação de visões próprias sobre qualquer assunto, afinal, todos podemos conhecer um pouco de tudo, e a internet, de uma forma geral, e as redes sociais, em especial, nos proporcionam essa possibilidade infinita a um custo virtualmente zero.
O segredo continua, como se diz há milhares de anos, na capacidade do indivíduo de separar o joio do trigo…
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