Desculpe o transtorno, precisamos falar de PARIDADE

Em 2013 escrevi um artigo chamado ‘Paridade de Tarifas, Divergência de Opiniões‘, e convido você a ler, pois esse post será uma atualização daquele.

captura-de-tela-2016-10-11-as-23-56-17A melhor representação da Paridade no mundo atual é a Piñata, brincadeira popular no México, onde as crianças batem em uma estrutura com papel crepon, com uma venda nos olhos, até quebrar e liberar os doces, balas, brinquedos, pirulitos, etc.

A Paridade está assim, todo mundo batendo, muitos de olhos vendados, mas ninguém sabe realmente o vai sair lá de dentro.

É o assunto do momento. Alguns contra, outros a favor, a maioria ‘em cima do muro’. Se fosse uma votação, os votos em branco ganhariam.

Quem sabe mais informação pode ajudar no seu posicionamento, e futuras negociações com seus parceiros. Entenda como surgiu, porque voltou a ser debatido, e o que especialistas falam sobre o assunto.

Como tudo começou?

  • Hotel oferecia R$ 100 + 15% à OTA.
  • OTA colocava a tarifa de R$ 90 para o mercado.
  • Demanda era direcionada para OTA, em detrimento dos canais diretos do hotel (site e depto. de reservas)
  • OTAs faziam um bom lucro.
  • Hotéis pediram a Paridade tarifária para evitar o ‘undersell‘ (venda abaixo do valor pré estabelecido), e competir nos seus canais diretos.

A hotelaria americana ‘bateu o martelo’ em prol da paridade após 11/09, quando a demanda diminuiu e eles precisavam desesperadamente pagar as contas.

Se foram os próprios hoteleiros que criaram a regra, porque mudaram de ideia?

A tecnologia ajudou a hotelaria a gerenciar melhor seus dados, entender o comportamento do consumidor, e hoje em dia, são aptos a personalizar e entregar ofertas mais relevantes ao cliente. Segundo alguns hoteleiros, a paridade tira essa autonomia comercial, restringindo as estratégias comerciais. Sem ela, o hotel conseguiria se diferenciar com planos tarifários e ofertas especiais, como experiências exclusivas, repletas de valor agregado.

Porque deve acabar? Hotéis poderiam ter maior controle da sua distribuição e precificação, tratando clientes diferentes com precificação diferente.

Como o assunto tomou força novamente?captura-de-tela-2016-10-06-as-17-40-06

Em 2014 e 2015, várias organizações antitruste na Europa começaram a estudar a possível característica anticompetitiva da paridade tarifária.

Houveram sérias discussões em mais de 10 países, até se alastrarem pelo mundo. A HOTREC (Assoc.Européia de Hospitalidade) conseguiu, após 2 anos, quebrar a regra da paridade da Booking.com (que detêm 50% do mercado lá) em 2015, e fez um comunicado à imprensa:

“O hoteleiro é livre para concordar ou discordar com qualquer desconto ou vantagem tarifária. Esse foi um passo crucial para hotéis na Europa recuperarem o controle sobre sua oferta. As OTAs ganharam uma vantagem injusta, devido ao endurecimento de cláusulas contratuais que, devido à estrutura do mercado, os hotéis não estão em posição de recusar.”

Ou seja, ao trazer o assunto para debate, o Brasil está na mesma página da hotelaria mundial, com quase um ano de atraso, mas está. A situação econômica do país nos últimos 2 anos foi o ‘gatilho’, nosso 11/09.

Agora vamos ao ‘outro lado da moeda:

Porque deve ser mantida? As OTAs são parceiros valiosos, e os hotéis precisam delas com parte do equilíbrio da sua estratégia comercial. Além disso, foi colocado peso demais na paridade. Os hotéis tem um trabalho muito maior a ser feito para aumentar sua rentabilidade.

Resposta da Booking.com à Assoc. Européia de Hotéis: ‘Não será bom para os hotéis independentes!’

Sendo realista…

  • Quantos hotéis realmente oferecem experiências únicas e tangíveis para o cliente? Quantos realmente se diferenciam da concorrência, e agregam valor a ponto de impactar na recompra do consumidor?
  • Se a paridade deixar de existir, o que impede as OTAs de sacrificar um pouco sua margem e voltar a vender mais baixo que os hotéis, como faziam antes? Os hotéis terão estratégia comercial consistente e forte o suficiente para evitar que isso aconteça?
  • Quantos hotéis dispõem um CRM competente, budget para investimento pesado no online, e já negociam ‘grupos fechados’ (exemplo: membros do programa de fidelidade estão fora da paridade, e o hotel pode oferecer tarifas especiais para eles) nos contratos com OTAs?
  • Eliminar paridade aumentaria o poder de comercialização de um hotel, ou criaria uma guerra de preços, com ambos os lados reduzindo tarifas constantemente para ganhar mercado?
  • A hotelaria tem ‘bala na agulha’ para entrar em uma possível guerra de preços com as OTAs?

Segundo pesquisa da Morgan Stanley, comentada em recente matéria do Panrotas, a resposta é NÃO. Todos perdem, mas os hotéis são os mais prejudicados:

captura-de-tela-2016-09-30-as-17-38-12Segundo a Travelclick, as OTAs aumentaram 9,7% suas reservas, e os sites dos hotéis, 5,8%, ano passado. Ou seja, elas continuam crescendo.

Algumas conclusões de especialistas internacionais:

  • O debate é importante,  e está longe de terminar.
  • Os hoteleiros focam tanto na relação com intermediários, que esquecem do cliente final. As OTAs pensam nele dia e noite.
  • Com o fim da paridade, aumentaria a complexidade de ofertas. As OTAs poderiam rapidamente criar, por exemplo, novos produtos, onde o preço do hotel não ficaria exposto. Unindo passagens aéreas e passeios, a tarifa do hotel se diluiria na fixação de preço. Elas continuariam a ganhar dinheiro com ofertas exclusivas, e alta margem de lucro.
  • Canais alternativos, como o TripConnect do Tripadvisor, poderiam ganhar força. Muitos consumidores preferem fazer compras de modo agregador.
  • Todos os movimentos contra paridade são provenientes de grandes redes, mas é preciso pensar nos independentes. Eles estão preparados para todo esse esforço adicional em vendas diretas?
  • OTAs criariam programas de fidelização criativos e ainda mais agressivos, como 5% do dinheiro de volta, por exemplo.
  • As OTAs não construiram seu negócio somente em cima da cláusula da paridade, mas no seu incansável compromisso em investir online. Isso pode fazê-las mudar algumas estratégias, mas está longe de acabar com elas.
  • Cláusula de paridade não se sobrepõe a muitas outras decisões que impulsionam o lucro de um hotel. A paridade não é o que te impede de controlar sua distribuição e precificação. Se ela desaparecesse hoje…

…milhares de ferramentas de CRM continuariam juntando poeira.

…muitas estratégias comerciais ainda seriam terceirizadas para empresas que também trabalham com os concorrentes.

…a maioria dos sites dos hotéis ainda estaria bem abaixo do padrão de velocidade, design e usabilidade.

…inúmeros recepcionistas ainda não fariam reservas, upselling, e não reconheceriam um hóspede leal.

…centenas de gestores continuariam não conseguindo fazer o cliente gastar mais, pois não oferecem experiências que agreguem valor à hospedagem.

 

I have a dream….

Um mundo ideal, onde o mercado é maduro o suficiente para, com ou sem cláusula de paridade, respeitar a integridade tarifária. Os hotéis compartilham informações, entendem que atuam em um mercado elástico, tem a cultura de RM implantada, não deixam ‘dinheiro sobre a mesa’, e se unem contra a guerra de preços.

No mundo ideal, impera o conceito de precificação individual, onde cada cliente / segmento é tratado de forma customizada durante todo o processo de compra até o pós venda, e os hotéis independentes estão preparados para incrementar vendas diretas, com tecnologia e estratégias assertivas. No mundo ideal, a experiência de hospedagem é fator decisivo para a recompra, e não o preço.

A quantos passos estamos do paraíso?

captura-de-tela-2016-10-11-as-23-58-03Em resumo, se você está se sentindo lesado, lute pelo fim da paridade, mas não morra por ela.

Antes de começar uma guerra, entenda se você tem as armas e o know-how necessários.

Não esqueça que a parte mais importante nesse processo é o cliente final sempre. Foco!

Se engaje no debate, mas não negligencie todo o trabalho que precisa ser feito para rentabilizar seu negócio.

 

Diferente de algumas ABIHs pelo Brasil, o FOHB descartou o boicote à Decolar enquanto entidade (cada rede tomava sua decisão), mas aguarda a decisão de um representação contra a Booking, Decolar, e Expedia apresentada em agosto no CADE. A tese central do FOHB é permitir que os hotéis fortaleçam a venda direta, e que possam repassar essa margem no preço oferecido ao consumidor. Portanto, esse é o momento, precisamos falar abertamente sobre o assunto.

Deixe sua opinião nos comentários dizendo se é contra ou a favor da Paridade, e explique porquê.

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Gabriela Otto

Com mais 20 anos de hotelaria, Gabriela Otto já atuou nas redes Plaza, Caesar Park, Intercontinental, Sofitel Luxury Hotels e Worldhotels, sendo responsável, respectivamente, pela área de Vendas e Desenvolvimento na América Latina nas últimas duas. Atualmente, é proprietária da GO Consultoria, Presidente da HSMai Brasil, Professora da Educação Executiva da ESPM, Head de Fóruns da GoNext Governança e Sucessão, Embaixadora de Conteúdo da Equipotel, Board Member WTM Latin America, Leader Coach pela Soc.Bras. de Coaching, além de palestrante, blogueira e articulista. Instagram: https://www.instagram.com/gabrielaotto/ Linkedin: https://www.linkedin.com/in/gabrielaotto/ GO Consultoria: https://www.gabrielaotto.com.br/ HSMai Brasil: https://www.hsmaibrasil.org/

9 thoughts on “Desculpe o transtorno, precisamos falar de PARIDADE

  1. Acho um ponto importante e que se fala muito pouco é quantoaos algoritmos de posicionamento das OTAs, eles são a garantia da cláusula de paridade em sí. Esta mais do que provado que um melhor posicionamento vende mais, mas o posicionamento tem muito que ver com a conversão e esta representa o ganho da OTA. Se o posicionamento tem muito que ver com conversão, conversão está muito ligada a competitividade, ou seja, se aquele valor que encontrou na OTA é o melhor você tende a fechar por lá.

    Na pratica significa dizer que se você como hotel opta por quebrar a paridade com uma OTA, a tendência em médio prazo é que o próprio algoritmo te penalize, posicionando seu produto abaixo das primeiras posições, consequentemente diminuindo sua exposição e percentual de vendas.

    Sendo assim acho que a questão hoje é menos se a cláusula contratual de paridade é certo ou errado, pois é simplesmente papel, e muito mais se dentro da estratégia do hotel existe um plano e capacidade de investimento para substituir ou redirecionar este cliente originalmente captado pela OTA para um canal de distribuição que lhe convenha mais. É dizer, mesmo se não existir a cláusula, ainda teremos que conviver com o algoritmo que é mais cruel que o papel.

  2. Querida Gabriela,
    Concordo com você que a análise deve ser feita sempre em duas frentes: redes e hotelaria independente. Recentemente estive no litoral de SP e quase todos os hotéis daquela praia estavam sem disponibilidade, numa OTA é claro, pois alguns nem reservas online possuem. Fiz reserva no que tinha lugar, paguei uma nota pelas duas noites. Acabei indo almoçar na pousada que seria a melhor avaliada e vi que estava bem vazia. Perguntei porque não estavam no site da OTA, “porque se colocamos lá, lota com preço muito baixo”. Paridade não é o assunto, mas a falta de gestão e estratégia, como você bem ressaltou. Bjs and keep walking

    1. Esse é exatamente o ponto, Helô! Rentabilidade e estratégia são palavras que andam juntas.
      Não basta distribuir, é preciso ‘saber’ distribuir.
      Mesmo as pequenas pousadas precisam acreditar, estudar, e saber que é possível.

      Obrigada por passar aqui pelo blog. Beijocas,

  3. Cara Gabriela,
    muito esclarecedores ambos os textos. Parabéns pelas reflexões e proposições. Me lembrou um filme sobre TICs, que dizia que a internet tornaria o mundo menor, interligando as pessoas…No final, um programa (AI) toma conta do sistema mundial e precisam derrubar toda a internet…(Se n disser o nome do filme, n é spoiler, né ; )
    Uma metáfora para dizer que é uma pena ver esses conflitos se tornarem maior que a capacidade de negociação e acordo entre os gestores, da hotelaria e das OTAs. Penso que deve ser como todo relacionamento: ambos devem ganhar, ambos devem ceder. Como bem apontado por vc: o cliente final é o mais importante. Alguém já perguntou a eles o que mais lhes agrada?
    As OTAs nasceram como parceiras da hotelaria. Agora estão se tornando vilãs? O que levou a isso? Tem como corrigir o curso?
    Pelo menos ambos devem concordar que o cenário de guerra de tarifas é pior para todos. Inclusive para os hóspedes, que perderiam em qualidade. E me parece que já estamos nessa guerra fria…
    Parabéns pelo papel de mediadora!
    *Corrigi alguns erros no comentário anterior. Considere este, pfv.

  4. Gabriela,

    Infelizmente muitos hoteleiros não acompanharam o crescimento das vendas online pelas OTAs, deixando de aprimorar suas vendas diretas e agora, parece que estão tentando reverter esse atraso com esses movimentos. Creio que temos toda a capacidade necessária para crescermos em nossas vendas diretas com boas estratégias, usando o que de melhor o RM pode nos dar, distribuindo bem e não deixando de manter o bom relacionamento com as OTAs.

    Ótimo artigo!

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