São Paulo, década de 1920. A cidade, ainda provinciana, vivenciava um crescimento sem precedentes que, em pouco tempo, a tornaria o carro-chefe da nação e uma das mais importantes metrópoles das Américas. Neste ambiente moldado por uma minoria enriquecida e por levas de imigrantes, provenientes de diversas partes do Brasil e também do exterior, floresceu um dos movimentos mais férteis da arte brasileira: o modernismo.
Um dos marcos iniciais deste movimento foi a polêmica Semana de Arte Moderna de 1922 que, nos primeiro dias do mês de fevereiro, agitou os salões do Teatro Municipal. Poucos meses após a exposição, chegava a São Paulo uma jovem pintora, proveniente de Paris. Seu nome era Tarsila do Amaral.
A paulista nascida em Capivarí, havia passado uma temporada na Europa, onde estudara em renomadas academias de pintura. Logo após sua chegada se envolveu com os mais proeminentes membros da Semana de 22: Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia, compondo o que ficaria conhecido como o Grupo dos Cinco.
Neste começo de século XX, não raramente, a alta sociedade e a intelectualidade paulistana gravitava em torno das novidades que chegavam de Paris. Desta forma, pintura, escultura, arquitetura, literatura, moda, modos de viver e hábitos cotidianos, muitas vezes apresentavam forte sotaque francês. Assim sendo, após se unir a Oswald de Andrade, Tarsila passa uma temporada na Europa, onde manteve contato com grandes mestres do modernismo, principalmente Fernand Léger, de quem herdou alguns gestos na pintura.
Pau-Brasil
Entretanto, este quadro iria se transformar radicalmente com o incipiente movimento modernista brasileiro. Em 1924, Tarsila participa de uma viagem de redescoberta do Brasil, acompanhada pelos amigos modernistas e pelo poeta suiço Blaise Cendrars. Esta viagem, que passou pelo interior do estado de São Paulo e pelas antigas Vilas do Ouro em Minas Gerais, traria significativas mudanças em seu modo de pensar e de agir, reverberando em significativas transformações em sua pintura. O ambiente tropical, a fauna e flora brasileira, as cores do interior “caipira”, como dizia a própria Tarsila, passaram a povoar suas telas e se tornaram um momento especial de sua carreira artística: a fase Pau-Brasil.
Antropofagia – Tupi or not Tupi, that is the question
Esta aproximação com as raízes brasileiras viria ao encontro de uma busca, iniciada ainda nos primeiros anos do século XX, por uma identidade nacional. Esta busca culminou com a tela Abaporu (1928), que se tornaria posteriormente uma de suas obras mais célebres. O nome Abaporu teria sido criado pelo escritor Raul Bopp e significa, na língua Tupi, “homem que se alimenta de carne humana”. A obra foi um presente de aniversário de Tarsila para seu marido, o escritor Oswald de Andrade. A tela chegou em um momento em que o escritor estava começando a delinear os contornos de um novo movimento que iria envolver a literatura e as artes plásticas: o Movimento Antropofágico, cujo manifesto foi publicado no mesmo ano.
A essência do movimento seria uma reação frente à esmagadora presença da cultura europeia no Brasil. Seria um momento de reflexão sobre os valores da nossa terra. Assim como os índios antropófagos, que se alimentavam do corpo de seus inimigos como forma de absorver sua força e suas qualidades, o Movimento Antropofágico propunha se alimentar da cultura europeia, absorver seus valores e convertê-los em um produto nacional.
Oswald de Andrade, em nítida crítica à sociedade brasileira, insere na abertura de seu manifesto a frase Tupi or not Tupi, that is the question, parafraseando a lendária frase do livro Hamlet de William Shakespeare. A frase aparece ao lado de um desenho do Abaporu.
As temáticas sociais
Em 1931, já separada de Oswald de Andrade, Tarsila faz uma longa viagem à então União Soviética, acompanhada de seu novo marido, o psiquiatra Osório César. Em 1933, já de volta ao Brasil, Tarsila se envolve com a temática social e pinta a tela Operários.
A exposição Tarsila do Amaral: Inventing Modern Art in Brazil, realizada pelo MoMa reúne suas principais obras, produzidas nas décadas de 1920 e 1930. Em cartaz até 03 de Junho.