A batalha das amenidades na hotelaria

Desde muito novinha, percebi que, fosse uma pousadinha em São Tomé das Letras ou um hotelão numa capital europeia, as condições do banheiro influenciavam diretamente o quanto eu gostava ou não de uma propriedade hoteleira. Até hoje, um banheiro espaçoso, bem pensado e bem equipado (e muito limpo, obviamente) me é mais importante que um quarto cheio de rococós.  E sei bem que não sou a única a achar que o banheiro de um hotel e suas amenidades são capazes de dizer muito sobre um hotel. 

Se até quinze ou vinte anos atrás as amenidades hoteleiras eram simplesmente commodities e ninguém dava lá muita bola para elas (muito menos investia grandes somas nisso), hoje, mais do que nunca, elas são parte importante do chamado “efeito wow” que um hotel quer ter sobre seus hóspedes.  E isso não se restringe à hotelaria de luxo. 

Banheiro com vista no Shangri-la Toronto. Foto: Mari Campos

A última década, sobretudo, trouxe mudanças radicais na indústria hoteleira em vários aspectos (amplificadas inclusive pelas redes sociais) e as amenidades de toilette não passaram incólumes neste turbilhão.  Também há que se levar em consideração que, motivados pelas cada vez maiores restrições de segurança dos aeroportos (ou até pelos custos crescentes de bagagens despachadas), hoje em dia boa parte dos hóspedes realmente utiliza as amenidades de higiene do hotel durante sua estadia – e muitos obviamente levam as embalagens sobressalentes para casa ou para viagens futuras (que atire a primeira pedra que nunca o fez). 

O negócio ficou tão sério que existe até um termo curioso para descrever essa constante busca dos hotéis por novas amenidades (não apenas de higiene e beleza) para seus hóspedes: amenity creep.  Hoje, há amplas pesquisas sobre o tema com hóspedes de mercados diferentes (tive a oportunidade de responder recentemente a uma pesquisa do grupo Sofitel, por exemplo) e muitas propriedades e redes levam em consideração não apenas a fragrância mas também fatores como o toque e a consistência do produto, ou a facilidade de abrir a embalagem ou ler o rótulo, antes de se decidir por esta ou aquela marca. Buscar produtos que não tenham perfumes tão marcantes e possam ser considerados “unissex” também é importante.

Banheiro aberto para piscina e o mar no Four Seasons Seychelles, com amenidades produzidas localmente com ingredientes da própria ilha: sim, queremos. Foto: Divulgação

Algumas redes hoteleiras de luxo têm agora um profissional (ou até mesmo um setor) inteiramente dedicado a isso. A rede Four Seasons, por exemplo, possui um setor de “Design e Desenvolvimento de Produtos” que periodicamente pesquisa e testa novas marcas e produtos que possam interessar às suas propriedades. Muitas marcas e redes hoteleiras também fazem uso de diferentes linhas e marcas de amenidades para atender a diferentes demandas geográficas (afinal, as percepções de uma mesma fragância também variam em diferentes partes do mundo e é preciso levar isso em consideração). A ideia do serviço customizado na hotelaria também se aplica a isso. No caso dos hotéis Four Seasons, trabalham hoje com uma “coleção” de 19 marcas de amenidades diferentes, dependendo do mercado – e para chegar a estas 19 pesquisaram mais de 170 marcas ao longo de um ano. 

O processo de seleção de uma determinada marca de amenidades costuma ser definido pelo alinhamento da mesma (imagem, estilo, valores etc) com o hotel ou rede que irá utilizá-la – principalmente no mercado upscale e de luxo.  E, independentemente das preferências pessoais, é fato reconhecido no mercado que o hóspede atribui muito mais valor ao preço que paga por uma diária ao encontrar no banheiro amenidades de marcas reconhecidas (sobretudo as grandes, como Acqua di Parma, Le Prairie, Hermès, Bulgari, Salvatore Ferragamo etc) ao invés de frascos com o nome do próprio hotel (as chamadas unbranded amenities, que infelizmente ainda são usadas até por algumas unidades de hotéis de luxo, como alguns Ritz-Carlton). Sem surpresa, pesquisas do setor também confirmam que nos mercados em desenvolvimento (Brasil incluído, é claro) o uso de uma marca conhecida é ainda muito mais importante que nos mercados desenvolvidos. 

O uso de produtos locais nas amenidades é visto como importante em alguns destinos (principalmente se levarem ingredientes naturais locais, como o óleo Immortelle na Córsega, por exemplo), mas as pesquisas mais recentes confirmam que a afiliação do hotel a uma marca de beleza internacionalmente reconhecida ainda é mais importante para a maioria dos hóspedes, independentemente do perfil do viajante.  O downside é que, por mais que hotéis e redes tentem ser mais sustentáveis e ecologicamente corretos, as chamadas “bulk amenities” (os grandes displays reutilizáveis de shampoo, condicionador, shower gel etc, muitas vezes acoplados à parede) ainda são mal vistos pela maioria dos hóspedes, sobretudo no mercado de luxo – mesmo quando fornecidas por uma marca internacionalmente conhecida. Uma pena. 

 

 

 

 

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Mari Campos

Mari Campos (@maricampos) é jornalista formada e premiada nacional e internacionalmente. Viajante de toda a vida, escreve desde 2004 sobre turismo e hotelaria de luxo para os principais jornais, revistas e sites do Brasil, além de colaborar com algumas revistas e jornais de outros seis países. É também consultora para a indústria da hospitalidade e foi eleita em 2020 pelo ranking Panrotas+Elo uma das 100 pessoas mais influentes do turismo no Brasil. Além da coluna aqui no Panrotas e das colaborações mensais para diversas publicações, é colunista fixa no jornal O Estado de S.Paulo, tem três livros de viagem publicados pela Verus/Record e comanda também desde 2007 o MariCampos.com. Seu instagram @MARICAMPOS foi eleito pelo Kayak um dos dez melhores perfis de viagem do Brasil. Praticante do turismo responsável e regenerativo, põe atenção nos mínimos detalhes de cada hospedagem e acredita que, sim, uma boa cama, uma bela vista e, principalmente, um serviço caprichado podem tornar qualquer viagem ainda melhor.

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