QUANTA INCOERÊNCIA…

Sou um mero observador e me considero apreciador das características do povo brasileiro, mas, em contraponto, também sou um crítico chato ao registrar suas incompreensíveis incoerências…

Numa lógica invertida de premiar a incompetência, somos o povo que valoriza o derrotado e execra o vencedor.

– Geralmente, torcemos para o mais fraco, para o lutador que está perdendo, não por pena dele, mas por desejarmos que consiga surpreender e inesperadamente vencer a luta, apenas pelo gosto de ver o melhor lutador derrotado.

– Discriminamos acintosamente os bem sucedidos. Rico no Brasil é visto como alguém que “recebeu alguma herança” ou “ganhou na loteria” ou, pior, “deve ter roubado”… Não vemos os bem sucedidos como exemplos a serem seguidos, pois partimos do pressuposto de que sua riqueza “não foi produzida, mas recebida de mão-beijada”.

– A predileção do brasileiro pelo perdedor e pelo demérito do vencedor é quase uma religião, ao ponto de homenagearmos o aniversário de enforcamento de Joaquim José da Silva Xavier, com um feriado, e ignorarmos solenemente o feito de Pedro Álvares Cabral, no dia seguinte, em que realizou a façanha de descobrir nosso país. Para desmerecer ainda mais a sua descoberta, nos divertimos com a ideia de que o fez por mero acaso, ou por estar “perdido no oceano”…

Somos o povo que deseja uma vida digna para todos, mas valorizamos o ócio e desmerecemos o trabalho.

– Diante do que deveria ser um fato corriqueiro e natural, dizemos: “Coitado do João, teve que trabalhar hoje”…, sem nos dar conta que, na realidade, coitados são os desempregados que sonham em ter a oportunidade do João.

– Alguns desocupados passam 3 meses de férias, dentro de uma confortável casa, sem fazer nada útil ou interessante e isso ainda atrai milhões de tele-espectadores, que assistem toda essa inércia, para transformá-los em “celebridades” instantâneas.

– Como eu já disse aqui antes, o Brasil é o único lugar do mundo onde se paga mais caro a um trabalhador para ele tirar férias, do que o valor que se paga para ele trabalhar. Com isso, enviamos ao inconsciente coletivo a informação: “Não trabalhar é 33,3% mais rentável do que trabalhar”.

Somos o povo que apoia ilegalidades, com a mesma naturalidade que cobra, dos outros, o cumprimento às leis.

– Piscamos os faróis para alertar os carros (que vem em sentido contrário), sobre uma fiscalização da polícia rodoviária, reduzindo assim a chance de um louco no volante ser impedido de seguir viagem.

– Utilizamos o twitter para nos avisar de blitz da Lei Seca e, assim, evitarmos a fiscalização que nós mesmos apoiamos, desde que pegue “outras pessoas”.

– Somos os cidadãos que recriminam a corrupção na política, mas que oferecem a “cervejinha” pro guarda de trânsito, para evitar uma multa.

Somos um povo que muitas vezes nega sua própria identidade, sem sequer perceber isso.

– Num país de lindas negras, morenas e mulatas, as mulheres brasileiras decidiram ser loiras com cabelos lisos e os salões de beleza conseguem nos transformar em um país quase nórdico…

– Somos o povo do anglicismo, preferimos falar “site” à sítio na internet, “deletar” soa mais compreensível do que apagar, “know-how”, “expert” e “network” têm mais aceitação e uso do que conhecimento, especialista e relacionamemto…

– Valorizamos a moeda estrangeira, gostamos do Dollar e adoramos o Euro, mesmo quando eles desvalorizam tanto e por tanto tempo, que o governo brasileiro tem que agir para evitar a supervalorização do poderoso Real.

Praticamos pequenos delitos, mas achamos um verdadeiro absurdo quando praticados pelos outros.

– Apesar de adorar uma fila, por considerar que “se tem fila, deve ser bom”, o brasileiro não perde uma oportunidade de furá-la. Quase como se fila fosse uma inteligente invenção da sociedade civilizada, para organizar a plebe (que são todos os outros), pois todo brasileiro se julga individualmente mais importante do que o todo.

– Falamos no celular como poucos no mundo, falamos muito, falamos alto, falamos em qualquer lugar. Não satisfeitos em incomodar e ignorar qualquer pessoa que esteja presente, tagarelamos no celular e no nextel em público, dentro do elevador, dentro do taxi e do ônibus, dirigindo o carro e durante reuniôes. Há até quem atenda o celular “rapidinho” dentro do cinema, do teatro ou do show, embora não admita este procedimento dos outros.

– Entramos no metrô e no elevador antes das pessoas saírem, bloqueamos as escadas e esteiras rolantes impedindo a passagem de quem está com mais pressa e sempre temos um forte argumento pra isso: “as pessoas demoram muito a sair do metrô” ou “a escada rolante é que tem que andar”.

Somos mal-educados no trânsito e apesar de reconhecermos essa incivilidade, nada fazemos para mudar.

– Exigimos respeito à faixa de pedestre, mas somente quando nós é que vamos atravessá-la.

– Furamos o sinal (farol ou semáforo) de trânsito, quando “estamos com pressa”, mas não o fazemos, mesmo com pressa, se houver um guarda de trânsito nas prpximidades.

– Fechamos o cruzamento, para ganhar apenas 2 minutos, apesar de atrasar 20 minutos o trajeto de tantos outros, mesmo que essa atitude nos aborreça tanto, quando estamos entre os motoristas prejudicados.

Para que não digam que acordei muito pessimista hoje (adianto que é verdade), postarei em breve sobre as virtudes deste mesmo povo, apesar dessas e de muitas outras incoerências em seu comportamento.

O fato é que a origem histórica deste tipo de procedimento, já bastante estudado por sociológos de todas as correntes ideológicas, acabou por gerar, em nosso país, esta cultura da absoluta priorização do indivíduo, que prevalece sempre acima do bem comum.

Mas isto é conversa para outro texto…

.

Published by

Luís Vabo

Entusiasta da inovação, do empreendedorismo e da alta performance, adepto da vida saudável, dos amigos e da família, obstinado, voluntário, esportista e apaixonado. Sócio-CEO Reserve Systems 📊 Sócio-fundador Solid Gestão 📈 Sócio-CFO MyView Drones 🚁 Sócio Link School of Business 🎓 Conselheiro Abracorp ✈️

34 thoughts on “QUANTA INCOERÊNCIA…

  1. Luis,

    A cada dia fico mais dependente de seus posts. Este, então, superou todas as expectativas. Há muito não via uma lista tão completa de exemplos do maldito “jeitinho brasileiro” que tanto orgulha alguns, mas que, num país verdadeiramente civilizado, seria considerado puro desrespeito às leis e punido com rigor. A questão do descobrimento do Brasil, então, é emblemática. Acusa-se Portugal de estorquir os cofres brasileiros, desprezando-se, matreiramente, a perspectiva histórica que nos diz que sequer havia um Brasil para estorquir! Na verdade, como colônia, este território inóspito e selvagem pertencia à coroa portuguesa, e é até óbvio que ela pudesse transferir recursos para a “matriz” conforme sua vontade e como era comum fazer-se em outros lugares colonizados por outras potências. Esquecem os brasileiros que Cabral só encontrou mato, pois o território era habitado por indígenas (esses, sim, os únicos com moral para reclamar alguma coisa de Portugal). Quem construiu as cidades, as estradas, a economia, as universidades? E com que dinheiro? Não defendo aqui o sistema colonial nem nego os defeitos e mazelas da ineficiente e por vezes corrupta administração portuguesa, pois esse nem é o tema do seu post, mas fico muito incomodado quando os brasileiros negam a sua origem, e debitam toda a culpa por seus infortúnios aos irmãos portugueses, sem nunca reconhecer as muitas coisas boas que deles herdamos. Até parece que depois dos portugueses não houve ninguém prejudicando o Brasil, não houve militares tacanhos, políticos demagogos, empresários corruptos, e, como você bem mostrou, uma preferência irresponsável deste cordato povinho pela vantagem individual em detrimento do bem coletivo! Será que até isso se deve ao país que nos “descobriu” e colonizou e construiu? E se assim é, por qual razão então esse país, embora atualmente em crise financeira, abandonou há décadas a grande maioria dos maus hábitos e conseguiu consolidar-se como uma democracia européia de primeiro mundo, enquanto nós patinamos no lodaçal do subdesenvolvimento? Não estaria na hora de tirarmos os olhos do umbigo e olharmos em frente, contruindo uma sociedade com base no respeito aos outros e à coisa pública? Não estaria na hora de pararmos de buscar desculpas no passado para nossos males do presente? Que tal se começássemos por eleger candidatos melhores para nos representar nos diversos níveis de governo? Mas será que isso é possível enquanto acharmos que subornar o guarda é menos nocivo que desviar dinheiro público? Tolerância zero já.

    Aguardo com ansiedade seu próximo post, pois sei que os brasileiros têm muitas qualidades e você saberá enumerá-las com discernimento. Enquanto isso, vamos continuar lutando para que a permissividade e a lassidão de caráter não se tornem obstáculos intransponíveis para nosso desenvolvimento civilizado e sustentável, ora pois!

    Abraço

    1. Rui,

      Acho que ser coerente é caminho para ser verdadeiro.

      Por isso, incomodo-me com pessoas ou atitudes incoerentes, em especial quando são traço de comportamento de todo um povo.

      Penso que devemos exercitar a capacidade de criticar e resistir à tendência de achar tudo natural.

      Naturalmente isso não é suficiente, mas não deixa de ser um começo…

      []’s

      Luís Vabo

  2. Caro Luis
    Parabéns novamente. Sempre posts inteligentes e interessantes. Sempre questiono as atitudes de nós brasileiros em todos os sentidos. Um coisa que também vejo com muita incidencia, são brasileiros valorizando os estrangeiros e o que vem de fora, esquecendo o valor do nosso povo e o que é produzido pelo nosso país também. “tudo que é importado é melhor”… Precisamos mudar muito!!

    Abraços

    ps: na expectativa da continuação do seu post!!!

  3. Quanta incoerência, mas também quanta verdade, caros Luís Vabo e Rui Carvalho. Permitam-me fazerem minhas as suas palavras. Assino em baixo!! Abraços, também.

  4. Prezado Luis,

    concordo em linhas gerais com os itens do seu post, e em especial no que se refere ao uso do celular em público. Nessas horas, quase dá vontade (quase!) de torcer pela reversão da privatização das telecomunicações…Mereceria uma menção, também, o comportamenteo de certos conterrâneos no exterior. Muitas vezes pensam que ninguém entende Português, e dá-lhe palavrão e impropérios em público…Mas o que eu gostaria de observar, é com referência ao postulado “somos o povo que valoriza o derrotado e execra o vencedor.” Sim, é verdade em grande parte das situações. Mas quando se trata de votar, não são poucos os que votam no candidato que lhes parece ter mais chances de vencer, como se estivessem apostando em cavalos de corrida. Mesmo achando que o candidato “X” é melhor, votam no “Y” porque “não vou desperdiçar meu voto com o X, ele não vai vencer mesmo…”.
    Abraço,
    Giovanni

    1. Bruno e Giovanni,

      Acredito que as mazelas do comportamento do brasileiro no exterior nos incomodam mais ainda do que no Brasil, devido a:
      – Efeito comparativo do contraste com a educação de outros povos
      – Nossa menor tolerância quando estamos fora de nosso “habitat”
      – Incompreensível necessidade do brasileiro de “destacar” seu comportamento, como extrato cultural de nosso povo (o que curiosamente acaba mostrando nossa deseducação como autêntica característica do país).

      A tendência de se votar no político que está vencendo não é exclusividade brasileira, embora aqui se manifeste de forma mais veemente.

      E penso tratar-se de uma estranha leitura às avessas do “torcer para o pior”, justamente pela política significar uma instituição totalmente desacreditada no Brasil…

      []’s

      Luís Vabo

  5. Giovanni,

    Excelente complemento. Assino em baixo. Brasileiros no exterior são realmente muito inconvenientes e “espaçosos”. E o maldito hábito de não respeitar horários? Aff…

    abraço

  6. Parabéns pela leitura perspicaz dos comportamentos humanos.

    Espero que o próximo post venha com uma visão otimista 🙂

    Bjs
    Vabo Jr

  7. Querido Luis,
    Tudo começa pela educação, e para todos…. Tudo volta ao mesmo ponto: cidadania.
    E isto, se não faz parte do DNA de uma sociedade, precisa ser ensinado.

    Faixa de pedestre no Brasil é piada ! Quem já teve oportunidade de viajar para outros países observou que os pedestres nem olham, vão atravessando….E os carros, ônibus, param ! Em Londres a gente até assusta e fica em dúvida se vai ou fica.

    Nas pequenas cidades da Alemanha por onde estivemos, mesmo sem a faixa de pedestre demarcada, os carros param ! Bicicleta é “gente”.

    Nasceram assim ? Não, um dia a sociedade se mobilizou para mudar. Portanto, é possível.

    Como Vabo Jr. falou, a visão otimista será certamente o resultado da reflexão. Adorei o post. beijo grande

    1. Helô e Vabo Jr,

      Sim, pretendo postar sobre as virtudes de nosso povo, mas acho que não será o próximo post.

      Este tipo de assunto carece o estado de espírito apropriado para o texto ficar legal.

      Não é o que sinto esses dias…

      Mas em breve.

      []’s

      Luís Vabo

  8. Luis,

    Um texto de muita lucidez!! Um desabafo!
    Uma analise inteligente que serve para uma reflexão de nossos valores. A questão principal é cidadania, que vem somente com investimentos na educação. Para mudar esta situação temos que investir já!!

    Forte abraço,
    Marcelo Matera

  9. Caro Luis, faço minhas as suas reflexões! Até hoje somos perseguidos pelo que apregoou o ex jogador Gérson, na célebre campanha de cigarros, acho que década de 70 ainda….” Temos que levar vantagem em tudo , certo…” …e dai para frente conhecemos bem a história….o que faz muita falta atualmente, são aulas de educação moral e civica e OSPB nas escolas fundamentais. Enquanto não houver a priorização na educação não vejo muita chance deste quadro mudar! E falando em cigarros, aqui em São Paulo, as bitucas estão tomando conta da paisagem, as pessoas que foram proibidas de fumar nos prédios, fumam nas calçadas e sem a menor cerimonia, lançam os restos em qualquer lugar….é um absurdo….enfim…abração

    1. Emerson,

      O objetivo não foi entristecê-lo, mas compreendo o que você sentiu…

      Matera,

      Educação, como se sabe, requer investimentos por gerações e, por isso, é imperioso começar já.

      João Bueno,

      A “Lei de Gerson” só tornou-se possível pela existência da “malandragem”, do “jogo de cintura” e do “jeitinho brasileiro”.

      Enquanto confundirmos ecletismo e flexibilidade (típicos do brasileiro) com “esperteza” (típico das raposas), vamos continuar penando como cidadãos.

      []’s

      Luís Vabo

    1. Alci,

      Eu já tenho na cabeça que sozinho não farei muito, mas fico feliz em fazer a minha parte.

      E nem me considero um idealista, pois infelizmente sou pragmático demais para isso…

      []’s

      Luís Vabo

  10. Caro Vabo,
    Já li e comentei diversos de seus posts, normalmente muito interessantes, mas este último foi simplesmente excelente (a rima foi proposital…).

    Parabéns!!!

    Rubens

  11. Olá Luís,

    Ótimo post para refletirmos, como “podemos” mudar a cultura desse país, eu disse “podemos”, pois todos nós temos esse dever não somente você como disse ALCI, nossa sociedade é difícil de ser reeducada, mas não é algo impossível se cada um fizer a sua parte.

    Me comprometo em levar adiante via redes sociais que participo.

    Um Abraço.

  12. Alci:

    Durante um grande incêncio na floresta, enquento todos os animais corriam assustados num imenso e desorganizado salve-se quem puder, foi visto um passarinho que carregando água no bico tentava, sem grande sucesso, claro, apagar o fogo. Ele ia e vinha, repetidas vezes, despejando as gotas de água contidas em seu bico sobre o fogaréu. De repente o Rei da Floresta, senhor Leão, olhou para cima e disse? “vc acha que vai conseguir apagar esse fogo enorme com essa quantidade micha de água, oh seu estúpido?” , no que o incansável passarinho respondeu sem hesitar: “se vou conseguir não sei, mas que estou fazendo minha parte, disso tenho certeza”. Acho que mesmo não passando de uma simples fábula, ela diz muito do comportamento e até do comprometimento de cada um. A historinha é, por si só, eloquente demais. Ou talvez eu seja apenas um estúpido idealista, não sei!

    Um abraço

  13. Parabéns pelo texto que realmente nos faz refletir sobre os vários aspectos de educação, ética, respeito mas principalmente aos exemplos fantásticos que temos de conquistas de brasileiros que construíram seu império com pilares simples: trabalho, dedicação e bom senso.
    Abs

  14. Excelente texto! Triste nossa realidade, mas totalmente verdadeiro, cada palavra. Até me conforta ver tantos comentários, manifestações apoiando sua linha de pensamento, porque por muitas vezes chego a me sentir uma “ET” quando me vejo indignada com certos comportamentos / atitudes na vida cotidiana como citados no seu texto: comportamente no trânsito, elevador, teatro, cinema e qq outro lugar público que as pessoas tem por hábito não respeitar a presença e os direitos dos outros….falta educação básica e a noção de cidadania é zero!
    Nem sempre comento, mas sempre leio. Excelente trabalho!
    Parabéns!
    Luciana Silveira

  15. Bom texto Luis

    Temos ainda muito do complexo de vira-latas que explica algumas das situações, por você, descritas

  16. Com esse VABO, devemos ser parentes. Discutir essas questões no blog não ficaria bem! Mande-me um e-mail pra gente começar a desvendar nossas origens.

    um abraço,

    Paulo Ricardo P. do Vabo

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *