Farra das passagens faz 1 ano e poderia ter sido evitada

O escândalo das passagens aéreas no Congresso Nacional está completando 1 ano e, portanto, penso que cabe uma releitura técnica do que levou a este descontrole pelos deputados e senadores.

Lembro que o escândalo gerou muita matéria, vendeu muitos jornais e revistas, mas desconheço as iniciativas para se evitar sua repetição e, por isso, peço licença aos leitores para reproduzir artigo que assinei, publicado no Jornal do Brasil em julho de 2009.

Quem paga, controla

O descontrole na compra de passagens aéreas pelos deputados e senadores é incompreensível para especialistas em gestão de viagens corporativas. Explica-se: a indústria de viagens e turismo é, senão a maior, uma das três maiores no mundo, com contribuição prevista de U$ 5,5 trilhões ou 9,4% do PIB mundial. E no Brasil, em 2008, as viagens a trabalho – exatamente como as que deveriam ser as dos deputados e senadores – movimentaram R$ 33 bilhões, gerando 254 mil empregos (IEVC-USP). Uma soma tão vultosa poderia abdicar de controle? A resposta é óbvia.

Estamos concluindo a primeira década do século XXI e a Tecnologia da Informação tomou definitivamente a frente na administração de negócios das grandes empresas. É o que deveria estar fazendo o Estado, em todos os seus níveis. Não é preciso ser um especialista para entender que um processo de aquisição de passagens que envolva milhares de compradores, centenas de fornecedores e um único pagante – sendo, nesse caso, a população brasileira o “único pagante” – só pode ser controlado de forma eficaz por intermédio de processos informatizados.

Em todo o mundo, empresas de grande e médio porte utilizam sistemas de controle de gastos dos funcionários, e não agem diferente quando o assunto é a viagem a negócios. Cabe ao sistema o papel de fiscalizar e, ao mesmo tempo, doutrinar os compradores. Os instrumentos tecnológicos são capazes de auxiliar os funcionários nas funções de compra e busca pelo menor preço, num contexto geral que traz bons resultados a toda organização.

Fiscalização em tempo real, com foco na prevenção e na orientação. O controle, antes realizado apenas pelo olho de um gerente, hoje é disseminado para todo corpo funcional, também usuário da tecnologia. Como os procedimentos ficam registrados num banco de dados, que, por sua vez, geram relatórios constantes, as corporações têm a certeza de que todos seguirão as normas. Empresas nacionais já desenvolvem e exportam tecnologia para gestão de viagens corporativas. Multinacionais em operação no Brasil confiam e se utilizam da tecnologia brasileira há alguns anos, desfrutando aqui de sistemas parametrizados para a realidade do nosso mercado.

Os governos de Minas Gerais e do Ceará deram o exemplo. Dispensaram a figura do gerente único, controlador – ou em alguns casos, emperrador de sistemas. Com ajuda da internet, estimularam a gestão participativa e co-responsável, onde cada servidor tem a obrigação de zelar pelo dinheiro público. O próprio servidor público desses estados pode fazer a sua reserva aérea. Porém, o sistema de gestão de viagens o obriga a utilizar a tarifa promocional mais vantajosa. O administrador público também fica seguro, posto que somente servidores do órgão podem ser solicitantes de serviços de viagens, e  somente pessoas previamente cadastradas podem ser passageiros ou hóspedes. Nesse ambiente, os autorizadores de viagens, pré-definidos, são requisitados de forma automática a analisar e autorizar os casos que fugirem à política de viagens do órgão público.

Em cenário de negócios instável, como o atual, o corte de viagens parece ser uma atitude razoável das pessoas. No entanto, posicionamento oposto é exigido de empresas e  governos, pois precisam investir na busca de novas soluções. Os efeitos colaterais gerados pelo atual momento do sistema financeiro mundial poderão permanecer por um longo período e, durante o processo de recuperação da economia, a tecnologia será a principal ferramenta daqueles que souberem transformar ameaças em oportunidade para redução de custos.

Se considerarmos possível um controle de viagens não só do Senado e do Congresso, como também das idas e vindas de prefeitos e vereadores de todo país, somados aos servidores estaduais e municipais que transitam pelo país e exterior, chegaremos a um total de economia significativo, estimado em 30%. É dinheiro que pode ser revertido para investimentos em infra-estrutura básica, beneficiando a população que sequer tem a oportunidade de entrar em um avião.

A inteligente decisão da automação do processo eleitoral brasileiro, que nos elevou à singular posição de liderança mundial em tecnologia eleitoral e praticamente acabou com as fraudes, é o melhor exemplo de como deveria agir o setor público também na questão dos gastos, que tanto tem indignado o país. A garantia da aplicação do menor preço e com o cumprimento das regras estabelecidas pela administração pública só pode se dar com sistemas tecnológicos eficientes, hoje muito bem testados.

Quem paga, deve controlar o que está pagando. Esta regra simples deve também nortear a gestão das viagens dos órgãos e empresas públicas, como já o fazem há mais tempo as empresas privadas.

Aderência à tecnologia

Nas reuniões mensais do Comitê de Tecnologia da ABGEV, sempre nos deparamos com as dificuldades de implantação deste ou daquele sistema em uma empresa ou agência de viagens, em função da natural resistência de alguns usuários em utilizar a nova tecnologia adquirida pela organização.

Não importa o tamanho da empresa ou o quanto amigável é a tecnologia sendo implantada, sempre existe alguma resistência, fruto da famosa reação a mudanças:

– Sempre fiz meu trabalho desta maneira, por que agora devo mudar?

– Se temos agência de viagens, por que tenho que fazer self-booking?

– Por que este sistema não é mais fácil de usar?

São inúmeros questionamentos, muitos bem razoáveis, outros nem tanto, mas nenhum deles considera os reais motivos que levam uma corporação a implantar a automatização de um determinado processo, antes realizado manualmente. 

Em um ambiente de negócios com complexidade crescente, as empresas promovem permanentemente análises de custos operacionais, visando manter saudável seu equilíbrio financeiro, gerando revisões acuradas nos processos e medidas de realinhamento que culminam com o uso mais intensivo de novas tecnologias.

No Brasil, as tecnologias para gestão de viagens corporativas se tornaram mais acessíveis a partir de 2000. De lá para cá, muita coisa mudou, pois as empresas:

– Em 2004, se interessaram por tecnologia para gestão de viagens.

– Em 2006, buscaram tecnologia para controle de custos de viagens.

– Em 2008, queriam tecnologia para redução de custos de viagens.

– Já em 2010, após a crise econômica mundial (tsunami ou marolinha ??), as empresas desejam tecnologia para redução das viagens !!

Ou seja, a adesão das corporações às soluções tecnológicas específicas para gestão de viagens corporativas também sofre alterações ao longo do tempo e ao sabor das tendências econômicas.

Pressionadas pela necessidade de reduzir custos de viagens sem perder negócios, as empresas precisam fazer mais com menos e, com isso, as soluções tecnológicas integradas se apresentam como solução num ambiente em que os negócios terão margens cada vez menores.

Por isso, penso que a implantação de um novo sistema de gestão deve ser precedida de planejamento focado especificamente nos usuários, visando ampliar o resultado da aderência à nova tecnologia, que é impactada por fatores econômicos e culturais, conforme a empresa.

Tendências do Turismo

Imaginar quais serão os próximos passos dos players de um mercado tão dinâmico quanto nervoso, como o nosso mercado de turismo, é uma tarefa bastante motivadora.

Exercitar esta análise, do ponto de vista do consumidor de viagens corporativas, torna-se um enorme desafio, se considerarmos as variáveis que influenciam e as que verdadeiramente impactam esta atividade em nosso país atualmente: crescimento econômico acima da média mundial, excesso ou falta de regulamentação, problemas de infraestrutura aérea e aeroportuária, legítimos interesses comerciais, evolução das tecnologias facilitadoras, surgimento de tecnologias substitutas, pressão pela desintermediação, etc. etc.

Entre essas variáveis, pode-se afirmar que a economia brasileira permanecerá em crescimento, independentemente de quem será o próximo mandatário da nação, mas o resultado da próxima eleição poderá influenciar significativamente uma maior ou menor regulamentação do setor, bem como induzirá a mais ou menos atenção à infraestrutura aeroportuária ou mesmo a um ambiente mais ou menos propício a investimentos na aviação.

Já os interesses comerciais, a evolução das tecnologias que facilitam o negócio viagens e turismo, bem como o surgimento de tecnologias que substituem as viagens (mas não o turismo), poderão influenciar mais diretamente no que será este negócio no futuro. Da mesma forma, há a tendência inexorável da desintermediação, que visa uma maior rentabilidade do negócio do prestador do serviço.

Por estas e outras, e para que eu seja cobrado por este exercício de futurologia, vejo as tendências do turismo no Brasil apontando na seguinte direção:

– A quantidade de passageiros continuará crescendo acima da capacidade de atendimento de nossos aviões e aeroportos.

– A hotelaria responderá à altura do proporcional crescimento da demanda por hospedagem.

– A desintermediação continuará, pressionada pelos interesses comerciais dos prestadores de serviços turísticos e também pelo desejo do consumidor.

– As agências de viagens se reinventarão e agregarão valor ao seu serviço, mantendo sua importância no negócio.

– A distribuição das cias. aéreas incluirá todos os meios, de todos os tipos, diretos e indiretos, portais próprios, webservices, GDS, sistemas integradores, consolidadores, operadores e agentes de viagens, entre outros.

– A internet continuará sendo um catalisador de mudanças e um agente revolucionário para os negócios.

Algumas dessas previsões podem ser conferidas em 2011, enquanto outras farão mais sentido se forem verificadas a partir de 2015.