TMC, gestão de mobilidade ou simplesmente gestão corporativa

Ao ler a história dos 45 anos de carreira do Edmar Bull, publicada na 4a. Edição Especial 45 Anos da Editora Panrotas (as anteriores contaram as histórias motivadoras de outros 3 ícones da indústria: Dilson Verçosa, Solange Vabo e Chieko Aoki), deparei-me no final com uma frase do Edmar que me levou a refletir: “As TMCs vão crescer. O que fazemos é gestão de mobilidade, gestão administrativa e consultoria. Não é mais agência de viagens. O cliente está munido de informação”.

A questão me remeteu a um conceito que venho destacando há alguns anos: a agência de viagens especializada no atendimento de empresas passou a ser uma empresa de gestão corporativa, focada no transporte (mobilidade) dos colaboradores das empresas clientes, ou como disse o Edmar: “Não é mais agência de viagens”.

Independentemente do meio de transporte ou de mobilidade (seja aéreo, terrestre ou marítimo), a nova empresa de gestão corporativa conecta todas as partes do processo: o passageiro, a empresa pagante, as cia. aéreas, os meios de hospedagem, os aplicativos de mobilidade urbana, as locadoras de carros, as empresas de ônibus, as corretoras de seguro viagem, os meios de pagamento, entre outros, oferecendo à empresa cliente um conjunto de serviços variados, todos unificados numa única plataforma: o OBT.

O sistema que se convencionou chamar de OBT (online booking tool) nada mais é do que um sistema de gestão de viagens corporativas (ou SGVC), sem o qual, a gestão de mobilidade, transporte ou viagem não seria possível com o nível de eficácia e redução de custos que a economia moderna exige.

Daí vem a grande oportunidade, que algumas TMCs já abraçaram (outras ainda não), relacionada à gestão corporativa mais ampla, aquela que não se limita à gestão de viagens (ou transporte, ou mobilidade) e tampouco à gestão de despesas de viagens (alimentação, deslocamento urbano, combustível, estacionamento, Km rodado, pedágio, serviços acessórios do transporte aéreo etc.) as quais, na verdade, fazem parte do conceito gestão da mobilidade a que se refere o Edmar.

Mas eu pergunto: por que não contribuir também na gestão corporativa relacionada a despesas não vinculadas necessariamente a viagens (ou transporte ou mobilidade)?

A gama de despesas de uma corporação é um verdadeiro manancial de oportunidades para uma agência de gestão corporativa, incluindo, mas não se limitando, a despesas administrativas, de marketing, de treinamento, de eventos, de RH, de suprimentos, de manutenção predial, etc e todos esses gastos podem e devem ser controladas através de tecnologia operada por uma empresa especializada em gestão corporativa.

Assim como atualmente é mandatório para uma TMC dispor da tecnologia oferecida por um SGVC (ou OBT), da mesma forma, um sistema completo de expense management é a porta de entrada para este novo mercado, que as TMCs já vêm desbravando há quase uma década, mas ainda focadas no mote viagens, transporte ou mobilidade, desperdiçando uma gigantesca oportunidade de negócio.

E é aí que reside a diferença entre os OBTs que agregaram gestão de despesas de viagens, em relação aos sistemas de gestão de despesas corporativas (ou expense management) que oferecem gestão de viagens integrada.

Parece pura semântica (as empresas clientes vêm atestando que não é), mas muitas TMCs já perceberam isso e começam a surfar esta nova onda, ampliando seu portfolio de serviços de gestão corporativa.

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PARECE QUE FOI ONTEM…

Em 2009, quando Solange Vabo completou 30 anos de carreira no turismo, escrevi um artigo especial que foi publicado no Jornal Panrotas, e o próprio Artur também publicou uma outra matéria em 12/11/2009 no Portal Panrotas, sobre o feito.

Naquele momento, parecia que Solange poderia desacelerar seu ritmo frenético de trabalho, como presidente de duas empresas, a Solid Corporate Travel e o Reserve Systems.

10 anos depois, neste final de 2019, Artur decidiu contar os 40 anos de carreira da Solange em uma nova matéria, mais detalhada, associando sua trajetória pessoal e profissional com a evolução da tecnologia no turismo no Brasil, tema que conseguiu retratar, com maestria e poesia, em 6 páginas (34 a 39) da Edição 1398 – Especial PANROTAS 45 Anos e na matéria de 12/11/2019 no Portal Panrotas.

Em homenagem a este momento único, vou tentar testemunhar o que significa viver ao lado de uma pessoa que, enquanto profissional, não é ligada a modismos e faz tudo diferente do que reza a atual escola de empreendedorismo, uma executiva que acredita que o esforço está acima do talento, que trabalhar duro é o caminho do sucesso, que dedicação total a um desafio é o principal meio de conquistá-lo, que os deveres vêm antes dos direitos, que integridade está acima de tudo, que vale a pena sacrificar momentos de lazer por um propósito maior, que resultado é igual a receita menos despesa, que acredita nas pessoas e em relações duradouras, que dinheiro não leva desaforo pra casa, que meta existe para ser batida, que errar é humano e insistir no erro é desumano, que dedicar-se à carreira é uma prova de amor à família…

Sim, Solange Vabo sempre foi uma workaholic (embora ela negue) típica, um comportamento que chega a ser questionado nos dias de hoje, pois agora o mais importante é viver a trajetória (live the ride), pois acredita-se que “deve-se curtir a vida enquanto constrói-se o futuro, o nosso e o de quem está conosco”, mesmo que, na realidade, nem sempre seja possível fazê-los simultaneamente.

Eu com Solange Vabo e Artur Andrade, na visita do Artur ao Reserve para a entrevista

A verdade é que não foi isso o que vivemos desde 1979, tempo em que estamos juntos, num relacionamento iniciado 10 anos antes, quando nos conhecermos, ainda crianças, numa escola pública no subúrbio do Rio de Janeiro.

Solange sempre foi uma obstinada por desafios, quanto mais difícil, aparentemente insolúvel ou de resolução improvável, mais se anima a encarar, característica de uma empreendedora de raiz, aquele tipo de empresário que não teve a oportunidade de estudar gestão corporativa, empreendedorismo sustentável ou tecnologias disruptivas, mas, apesar disso, construiu uma carreira incrível baseada justamente nesses 3 temas.

Fernando Slomp, Jane Terra, Solange Vabo e Dilson Verçosa, provavelmente em 1988

Casada aos 20 anos (Luís Vabo), mãe aos 24 anos (Vabo Junior), diretora de uma TMC aos 26 anos (Avipam), empreendedora aos 34 anos (Solid), inovadora aos 43 anos (Reserve), aceleradora aos 57 anos (MyView), mãe mentora e filha acolhedora, onde Solange superou-se mesmo foi na missão de ser a melhor companheira de vida que eu jamais sonhei merecer.

Hoje aos 58 anos, muito bem vividos, sinto que só lhe falta um troféu para coroar uma vida dedicada ao trabalho, às realizações e às conquistas…

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P.S.: temos um encontro marcado aqui em 12/11/2029…

QUANDO CAFÉ E COUVE COMPETEM…

WHEN COFFEE AND KALE COMPETE

Por Pedro Concy, fundador da Estante Mágica

O Estante Mágica é um case fantástico que merece ser conhecido e aplaudido. Seu fundador, o Pedro Concy, é um entusiasta do desenvolvimento de produtos e escreveu alguns highlights sobre o e-book When Coffee and Kale Compete, de Alan Klement, que aborda a relação do desenvolvimento de produtos com o consumidor:

– Temos que ajudar clientes a “progredir”.

– “Upgrade your users, not your product. Don´t build better cameras, build better photographers.” 

– Produtor de cosméticos: “In the factory, we make cosmetics. In the drugstore, we sell hope.” – eles vendem uma transformação, um desejo de um “novo eu” que ainda não existe.

– O JOB TO BE DONE (JBTD) é um processo que ocorre com um consumidor quando ele quer transformar sua atual situação de vida em uma melhor, mas não consegue porque tem algo que o restringe.

– Analogia do Marios Bros: Mario pequenininho é o cliente atual. Seu produto é a florzinha do jogo, que transforma o Mario naquele grandão bolado.

– Um cliente nunca poderia completar um JBTD sozinho. Ele precisa de um produto/serviço pra ajudar a chegar lá. O JBTD ajuda a fazer um “better me”.

– “Como você é melhor desde que começou a usar produto X?”, “Agora que você tem tal produto, o que você pode fazer que antes não podia?”

– “Customers are always beautifully, wonderfully dissatisfied, even when they report being happy and business is great. Even when they don’t yet know it, customers want something better, and your desire to delight customers will drive you to invent on their behalf. No customer ever asked Amazon to create the Prime membership program, but it sure turns out they wanted it” (Jeff Bezos).

Alan Klement nos leva a refletir e questionar conceitos de desenvolvimento de produtos

– Dizia-se que o consumidor não queria uma furadeira, e sim um furo na parede. Isso é falso. Consumidor quer “help improving his life”. Prova de que consumidor não quer furo na parede é que a 3M criou um adesivo pra pendurar quadros que não precisa furar a parede e substituiu a furadeira. 

– Telefones, furadeiras etc são exemplos de solução para um Job. Eles não têm Jobs. Os produtos não têm vidas pra fazer melhor. Pessoas têm. Por isso pessoas têm JBTD. Produtos, não.

– Sempre que consumidores começam a usar uma solução para um JBTD, eles deixam de usar outra. Por isso a competição por um JBTD é um jogo de soma zero. Só uma peça cabe em um empty slot.

– Progresso define o valor. Contraste revela o valor. Ex: O que você prefere, carne ou pizza? Seria mais fácil responder se perguntado: Quando você prefere carne e quando você prefere pizza? Num aniversário de criança, provavelmente iria preferir pizza, porque faz progresso naquela situação, enquanto num jantar refinado preferiria carne. O produto então não tem valor nele próprio, mas quando aplicamos ele pro cliente fazer progresso. Por isso que o progresso define o valor e o contraste revela. Você entendeu valor quando comparou e constrastou o progresso entregue.

– Melhor forma de identificar os Jobs em entrevista com clientes: “Pode me contar sobre outras soluções que você usa ou usou no lugar da Estante Mágica?”, “O que você gostou/não gostou em cada uma delas?”, “Se você não tivesse mais Estante Mágica, o que usaria no lugar?”

– É essencial descobrir: “O que os clientes enxergam como concorrentes da Estante Mágica?”, “No que eles investiriam/investiram tempo ou dinheiro no lugar da Estante Mágica?”, 

– Um site que conectava mentores com mentorados descobriu que seus principais concorrentes eram grandes eventos de negócios, Linkedin e consultorias.

– Um obstáculo pro cliente não comprar um produto/serviço é a ansiedade. Como podemos reduzir a ansiedade quando ele está comprando o produto? Temos que descobrir os pontos de ansiedade no processo de compra. Ex: será que os pais vão gostar? será que eles realmente vão entregar os livros? E por aí vai…

– Pra definir a mensagem que será usada com o cliente, antes peça pros seus atuais clientes descreverem o que gostam no seu produto. Se quiser aprofundar mais, “Antes de contratar a Estante Mágica, como você sabia que era o certo pra vocês?”, “O que te chamou atenção pra contratar a Estante Mágica?”

– Exemplo de uma companhia de teatro pra crianças. Entrevistaram pais e descobriram que os concorrentes variavam de ir assistir a um filme no cinema, levar filhos no clube ou comprar um jogo de video game. Aplicaram então a ideia do “contrast reveals value”, perguntando o que gostavam e não gostavam em outras soluções. “O que o teatro poderia fazer que o jogo de video game não podia? E o que o teatro não podia fazer que o jogo de video game podia?”. Perguntaram também o que os pais faziam após o teatro. Descobriram então que os pais queriam ter uma experiência compartilhada com seus filhos. Isso acontecia depois do show, quando iam jantar ou então conversavam sobre como tinha sido a peça. Respostas às perguntas fizeram com que os scripts das peças seguintes fossem criados pensando que os pais queriam se engajar em discussões educacionais e engajadoras com seus filhos.

– Importante descobrir a diferença entre clientes que deixaram de usar o produto porque estão insatisfeitos ou porque as circunstâncias da vida mudaram. Ex: você usa um site de aluguel de imóveis. Vai parar de usar assim que encontrar o apê pra morar. Não deixou de ser usuário do site porque estava insatisfeito.  

– Geração de demanda: Push: pessoas só mudam quando estão insatisfeitas com o status quo. Depois vêm o Pull: é a ideia, depois do push, de ter uma vida melhor e sua preferência por um produto/serviço. 

– Redução de demanda: Ansiedade: sentimento do que vai acontecer no futuro (ansiedade no uso) e também o sentimento na hora do momento da decisão (ansiedade na escolha). Inércia: é a tendência de não fazer nada ou de manter sem alterações. 

– Depois de entender as forças geradoras de demanda, devemos ir atrás das redutoras de demanda. 

– Ajudemos os clientes a visualizar o progresso que terão. Criemos material de mkt que falem a respeito.

– Ex de concorrências quando se estuda o JTBD. Pessoas na Índia deixando de comprar geladeiras ao comprarem diariamente os legumes e vegetais frescos pro consumo no dia, uso de potes de barro pra resfriar a água, além de ferver o leite pra não estragar rapidamente.

– Nunca ache que um produto faz a mesma coisa que o outro por sua similaridade física. Um mainframe se parece com um computador pessoal, mas não compete com o computador pessoal. 

– Não existe algo como “criar um novo mercado”. É possível que o cliente esteja solucionando o problema de uma forma que não precise comprar um produto físico. Ex: pessoas não têm carros, mas usam Uber pra se deslocar. Existe também a possibilidade de o cliente dar uma vooolta pra solucionar algum problema, como ferver o leite e comprar legumes no mesmo dia, em vez de comprar uma geladeira.

– Quando entrevista os clientes, têm que procurar onde ele tá “sofrendo”. É aí que existe uma grande oportunidade. Ex: professor que tá sofrendo pra dar uma melhor aula pros seus alunos e não tem tempo. Um JBTD seria “me abasteça com o que preciso pra dar melhores aulas pra que então eu possa focar em educar meus alunos”.

– Se o usuário de alguma maneira já estiver fazendo uma solução, principalmente uma “gambiarra”, então aí tem uma boa oportunidade.

– Faça muita pesquisa com clientes que deixaram de usar seu produto. Se for o caso, até oferece gift card de alguma loja pra estimular eles a falarem com a gente. Daí saem as mais relevantes impressões pra evolução da empresa.

– Ao melhorar a vida de um cliente, é possível que ele deixe de contratar o serviço, afinal, a vida dele já foi melhorara e ele passa a ter outras necessidades pra tornar sua vida melhor. Pergunta a se fazer: “What comes after?”. Como ajudar o cliente a fazer o próximo progresso? Se ele comprou uma câmera, como ajudar ele a editar e a compartilhar as fotos com os amigos? E como armazenas as fotos. É um pouco parecido com a teoria do Whole Produt que o Geoffrey Moore coloca em Crossing the Chasm. 

– “As forças do progresso perpetuamente geram uma demanda.”

– Nem sempre o cliente entende o “sistema”. Ryanair e Spirit Airline foram consideradas as companhias aéreas mais “odiadas” (ambas são low cost), mas são das empresas da área que mais crescem no mundo. O que então fazer, ouvir para o que os clientes fazem ou falam? Aqui vale ter cuidado com o que é falado no NPS. É obrigação do inovador estudar e entender as interdependências do sistema de progresso. 

– Lembrar que tentar resolver muitos jobs pode fazer com que não resolva nenhum direito.

– How Things are today (actual self) —– (lacuna “I need someting to make this change”) —>>>> How I want things to be (desired self)

– “Favor progress over outcome and goals”

– “Customer don´t want your product or what it does, they want help making their lives better (they want progress).

Leia o e-book completo gratuito clicando aqui: www.whencoffeeandkalecompete.com/

Nota do blogueiro: Este resumo do livro When Coffee and Kale Compete (por Alan Klement), foi escrito e compartilhado por Pedro Concy, um entusiasta do desenvolvimento de produtos, fundador do projeto Estante Mágica, um case fantástico que merece ser conhecido e aplaudido.