Millôr, sempre atual, no IMS

É fascinante constatar como segue atual o desencanto com o Brasil na obra gráfica de Millôr Fernandes. Muitos de seus desenhos poderiam ser publicados hoje. A primeira retrospectiva de Millôr (1923-2012), aberta ao público domingo passado, reúne 500 originais na linda casa do Instituto Moreira Salles no Rio. Já é um dos melhores programas deste outono carioca que teima em não chegar.

Desenho de 1967 / Acervo Millor Fernandes / IMS
Desenho de 1974 / Acervo Millôr Fernandes / IMS

“Millôr: obra gráfica”, com curadoria de Cássio Loredano, Julia Kovensky e Paulo Roberto Pires, não faz somente críticas ao país, um dos seus temas mais recorrentes. A mostra apresenta também autorretratos, as relações humanas, o prazer de desenhar e a produção para a seção “Pif-Paf” da revista “O Cruzeiro” entre 1945 e 1963. Bem diferentes entre eles, os trabalhos expostos, publicados na imprensa, foram selecionados entre os quase sete mil do acervo formado por Millôr ao longo de  70 anos (sua coleção pessoal está sob a guarda do IMS).

Millor

"Parada", desenho de 1967 publicado em "O Cruzeiro" / Acervo Millôr Fernandes / IMS
“Parada”, desenho de 1962 publicado em “O Cruzeiro” / Acervo Millôr Fernandes / IMS

Na sala inicial, “Millôr por Millôr”, além dos autorretratos, destaca-se uma parede inteira com seu nome desenhado das mais variadas maneiras. Em seguida vem “Pif-Paf, o laboratório”. Aqui se vê que no início Millôr apenas escrevia o texto, que era ilustrado por Péricles. Algum tempo depois começou a cuidar de toda a coluna. “Brasil” e “Condição humana” são os dois conjuntos que mais chamam a atenção pela atualidade. A exposição termina com “A mão livre”, com desenhos que não eram para publicação.

Referência a uma esquina de Ipanema
Referência a uma esquina de Ipanema

Visitar a fantástica obra gráfica de Millôr é também uma oportunidade imperdível de passear pela sede carioca do Instituto Moreira Salles, instalada na casa que pertenceu ao embaixador Walther Moreira Salles, no alto da Gávea. Quem assistiu ao filme “Santiago” (2007), dirigido por João Moreira Salles, um dos filhos do embaixador, tem uma ideia de como era o dia a dia daquela residência.

Desenho de 1967 / Acervo Millor Fernandes / IMS
Desenho de 1967 / Acervo Millor Fernandes / IMS

Projetada por Olavo Redig de Campos e cercada pela Mata Atlântica, a casa de meados do século XX está em um terreno de dez mil metros quadrados. Enquanto aprecia a obra de Millôr, aproveite também para olhar para baixo e se encantar com o piso geométrico em mármore italiano. Entre uma sala e outra, há um cômodo revestido de azulejos portugueses em azul e branco. Não deixe de ir até o pátio central e admirar os jardins, a piscina emoldurada por um painel sinuoso de azulejos e o espelho d’água: o projeto paisagístico é de Roberto Burle Marx, que assina também o mural da piscina.

Detalhe do painel de Burle Marx à beira da piscina / Foto de Carla Lencastre
Detalhe do painel de Burle Marx à beira da piscina / Foto de Carla Lencastre

Quer for ao IMS-RJ até o fim deste mês pode aproveitar para ver ainda a linda exposição de desenhos sobre o Rio de Cássio Loredano, um dos curadores da exposição de Millôr. “Rio, papel e lápis” mostra prédios históricos e de importância afetiva para o cartunista em 61 desenhos encomendados pelo IMS e feitos entre 2014 e 2015.

Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro: De terça-feira a domingo, das 11h às 20h. Rua Marquês de São Vicente 476, Gávea. Telefones + 21 3284-7400 e 3206-2500. “Millôr: obra gráfica” fica em cartaz até o dia 21 de agosto. “Rio, papel e lápis” pode ser vista até 1º de maio. Entrada franca. www.ims.com.br

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Carla Lencastre

Jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Carla Lencastre trabalhou por mais de 25 anos na redação do jornal O Globo nas áreas de Comportamento, Cultura, Educação e Turismo. Editou a revista e o site Boa Viagem O Globo por mais de uma década e conquistou vários prêmios do setor. Em 2020 foi eleita uma das 100 pessoas mais influentes do turismo no Brasil pelo ranking Panrotas+Elo. Desde 2015 escreve para diversas publicações, entre elas O Globo, Panrotas e #Colabora, site de jornalismo independente voltado para o desenvolvimento sustentável, onde assina uma coluna sobre viagens do ponto de vista de diversidade, inclusão, regeneração e sustentabilidade. Ama viajar e anda mundo afora em busca de boas histórias desde sempre. É carioca de mar e bar. Gosta de dias nublados. Está no Instagram e no Twitter em @CarlaLencastre 

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