É fascinante constatar como segue atual o desencanto com o Brasil na obra gráfica de Millôr Fernandes. Muitos de seus desenhos poderiam ser publicados hoje. A primeira retrospectiva de Millôr (1923-2012), aberta ao público domingo passado, reúne 500 originais na linda casa do Instituto Moreira Salles no Rio. Já é um dos melhores programas deste outono carioca que teima em não chegar.
“Millôr: obra gráfica”, com curadoria de Cássio Loredano, Julia Kovensky e Paulo Roberto Pires, não faz somente críticas ao país, um dos seus temas mais recorrentes. A mostra apresenta também autorretratos, as relações humanas, o prazer de desenhar e a produção para a seção “Pif-Paf” da revista “O Cruzeiro” entre 1945 e 1963. Bem diferentes entre eles, os trabalhos expostos, publicados na imprensa, foram selecionados entre os quase sete mil do acervo formado por Millôr ao longo de 70 anos (sua coleção pessoal está sob a guarda do IMS).
Na sala inicial, “Millôr por Millôr”, além dos autorretratos, destaca-se uma parede inteira com seu nome desenhado das mais variadas maneiras. Em seguida vem “Pif-Paf, o laboratório”. Aqui se vê que no início Millôr apenas escrevia o texto, que era ilustrado por Péricles. Algum tempo depois começou a cuidar de toda a coluna. “Brasil” e “Condição humana” são os dois conjuntos que mais chamam a atenção pela atualidade. A exposição termina com “A mão livre”, com desenhos que não eram para publicação.
Visitar a fantástica obra gráfica de Millôr é também uma oportunidade imperdível de passear pela sede carioca do Instituto Moreira Salles, instalada na casa que pertenceu ao embaixador Walther Moreira Salles, no alto da Gávea. Quem assistiu ao filme “Santiago” (2007), dirigido por João Moreira Salles, um dos filhos do embaixador, tem uma ideia de como era o dia a dia daquela residência.
Projetada por Olavo Redig de Campos e cercada pela Mata Atlântica, a casa de meados do século XX está em um terreno de dez mil metros quadrados. Enquanto aprecia a obra de Millôr, aproveite também para olhar para baixo e se encantar com o piso geométrico em mármore italiano. Entre uma sala e outra, há um cômodo revestido de azulejos portugueses em azul e branco. Não deixe de ir até o pátio central e admirar os jardins, a piscina emoldurada por um painel sinuoso de azulejos e o espelho d’água: o projeto paisagístico é de Roberto Burle Marx, que assina também o mural da piscina.
Quer for ao IMS-RJ até o fim deste mês pode aproveitar para ver ainda a linda exposição de desenhos sobre o Rio de Cássio Loredano, um dos curadores da exposição de Millôr. “Rio, papel e lápis” mostra prédios históricos e de importância afetiva para o cartunista em 61 desenhos encomendados pelo IMS e feitos entre 2014 e 2015.
Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro: De terça-feira a domingo, das 11h às 20h. Rua Marquês de São Vicente 476, Gávea. Telefones + 21 3284-7400 e 3206-2500. “Millôr: obra gráfica” fica em cartaz até o dia 21 de agosto. “Rio, papel e lápis” pode ser vista até 1º de maio. Entrada franca. www.ims.com.br
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