Atout france apresenta a nova Notre-Dame

Símbolo maior da resiliência cultural e espiritual da França, a Catedral de Notre-Dame de Paris renasce como um dos grandes destaques do France Excellence 2025, organizado magistralmente por Caroline Putnoki, diretora da Atout France, e realizado hoje no Rosewood São Paulo. Sob o tema “Aux Sources de l’Inspiration” ( “Nas fontes da inspiração” em tradução livre),o encontro celebra o diálogo entre herança e vanguarda, colocando a icônica catedral no centro das reflexões sobre turismo de luxo e espiritualidade.

Após o incêndio de 2019, o monumento viveu um dos mais impressionantes processos de reconstrução do mundo contemporâneo. Hoje, já reaberta ao público, acolhe cerca de 30 mil visitantes por dia e integra em seu percurso obras de mais de quinze artistas contemporâneos. Entre eles, Guillaume Bardet, autor do novo mobiliário litúrgico e de peças eucarísticas; Yona Vautrin, que criou as cadeiras; Vincent Dupont-Rougier, responsável pelos braseiros; Sylvain Dubuisson, pelo relicário onde se encontra a coroa de espinhos que teria sido carregada por Cristo; e Jean-Charles de Castelbajac, que assina elementos da paramentaria, além de nomes envolvidos em vitrais e tapeçarias em parceria com a histórica Manufatura dos Gobelins. Essa fusão de arte sacra e criação contemporânea transforma a visita em uma verdadeira experiência estética e contemplativa.

Nesta entrevista exclusiva para a coluna Passaporte de Fé do portal Panrotas, Sybille Bellamy-Brown, historiadora de arte e responsável pelas visitas do monumento, compartilha com o público brasileiro as lições de um canteiro de obras exemplar, onde saberes medievais e tecnologias de ponta se unem para preservar o patrimônio e renovar a mensagem espiritual. Mais do que um monumento, Notre-Dame reafirma-se como “catedral do mundo e da paz”, lugar de oração e de encontro universal, convidando peregrinos e viajantes a uma experiência única de silêncio, beleza e reconexão interior.


Desde o incêndio de 2019, o mundo inteiro acompanhou, com emoção, as obras de reconstrução de Notre-Dame. Quais foram, na sua visão, as etapas mais marcantes desse canteiro de obras excepcional, tanto no plano técnico quanto no patrimonial?
Esse canteiro foi uma aventura fora do comum, estruturada em três grandes fases: a de segurança, a de reconstrução e a de restauração. Cada etapa exigiu excelência constante. Avançamos rapidamente graças, entre outros fatores, a um modelo 3D da estrutura do telhado já realizado antes do incêndio, o que foi um trunfo essencial. Mais do que momentos isolados, guardo a energia coletiva dos artesãos, seus saberes ancestrais e a solidariedade entre eles. Cada passo foi decisivo até a reabertura e o trabalho continua.

Como as equipes conciliaram o respeito pelos saberes medievais, carpintaria, pedra, vitrais, com o uso das tecnologias contemporâneas?
A tradição do compagnonnage (irmandade de ofício) foi fundamental. Os artesãos colocaram suas mãos, sua inteligência e sua fé a serviço dessa obra. Um saber transmitido por gerações se uniu às ferramentas digitais, em especial à modelagem 3D, garantindo precisão e rapidez. Do lado da diocese, a tecnologia também foi incorporada, por exemplo, na iluminação e no mobiliário litúrgico criado por Guillaume Bardet. É uma aliança sutil entre a mão, a matéria e os recursos do nosso tempo.

A senhora mencionou a mobilização de 150 empresas. Quantas pessoas participaram dessa obra de reconstrução?
Foram cerca de 2.000 pessoas, das quais 1.000 atuaram diretamente no canteiro. E isso sem contar as equipes encarregadas da restauração de quadros e outros elementos decorativos. É um acúmulo impressionante de competências.

E quanto à criação contemporânea?
Entre quinze e vinte artistas participam desse renascimento. Destacam-se Guillaume Bardet , mobiliário litúrgico e peças eucarísticas; Yona Vautrin, criadora das cadeiras confortáveis; Vincent Dupont-Rougier, responsável pelos braseiros e mobiliário secundário); Sylvain Dubuisson que criou o relicário que protege a coroa de espinhos, segundo a tradição, que Cristo usou em sua morte; Jean-Charles de Castelbajac, estilista responsável por todas as vestes sacerdotais, além de outros envolvidos na concepção de vitrais, tapeçarias e objetos litúrgicos. Projetos de novas tapeçarias com a Manufatura dos Gobelins e vitrais contemporâneos de artistas como Clare Tabouret também reforçam a dimensão criativa da obra. Notre-Dame reflete assim a sociedade atual, em diálogo com sua história.

A senhora indicou que o conjunto das obras deve terminar por volta de 2030. Qual é a situação hoje?
O canteiro conduzido pelo estabelecimento público deve ser concluído em 2028, talvez 2029 no caso da esplanada. Mas a restauração interior prossegue. A igreja já recebe cerca de 30 mil visitantes por dia; as obras retornam progressivamente e alguns projetos previstos há muito tempo estão sendo realizados agora.

Entre as peças emblemáticas , como a Coroa de Espinhos ou as grandes rosáceas, quais a emocionam mais na redescoberta?

Tenho uma afeição especial pelas rosáceas e pela luz que elas difundem. Esses reflexos mutantes na pedra, a chamada diaphore, transmitem a sensação de uma presença divina e renovam a experiência ao longo do dia. A iluminação muda a cada hora do dia e a cada ritual durante o calendário litúrgico.

A catedral também reabre suas portas à criação atual. Como se dá esse diálogo entre patrimônio e obras contemporâneas?
É uma escolha pastoral e artística. Notre-Dame é a catedral de Paris, mas, desde o incêndio, tornou-se também a catedral do mundo, um símbolo de paz e de unidade. Os japoneses foram os primeiros doadores. No total foram mais de 850 milhões de euros captados.O mobiliário litúrgico de Guillaume Bardet traduz essa intenção: a simplicidade das formas evoca os grandes sinais da fé: batistério, altar, tabernáculo, ambão e cria um espaço favorável à oração.

Quais são hoje os principais atrativos das visitas? Há novos dispositivos sensoriais ou digitais?
O desafio central foi preservar a vocação cultual. Não transformamos Notre-Dame em museu: ela permanece, antes de tudo, um lugar de oração e liturgia. Mas enriquecemos a recepção com um aplicativo móvel gratuito, já disponível em francês, inglês, italiano, alemão e espanhol, e em breve em português e chinês, que oferece conteúdos culturais e espirituais, percursos em áudio e até um roteiro de peregrinação. Os audioguias foram repensados, e uma comunidade de 500 voluntários acolhe, explica e acompanha os visitantes todos os dias.

Notre-Dame continua sendo um lugar de fé, mas também um símbolo universal. Como conciliar essas duas vocações?
As missas estruturam a vida da catedral, com três celebrações diárias e as vésperas. Não há separação entre horários de culto e de visita. O visitante é convidado a entrar, seja para rezar, acender uma vela ou simplesmente contemplar a beleza do espaço. É uma verdadeira comunhão. Há vestimentas sugeridas para os visitantes.

Que melhorias foram implementadas para tornar a visita mais acessível para pessoas com mobilidade reduzida, famílias ou visitantes com necessidades específicas?
Criamos percursos facilitados, instalamos plataformas para superar degraus e desenvolvemos materiais em “fácil de ler e compreender” para pessoas com deficiência cognitiva. O aplicativo inclui um percurso em audiodescrição, e oferecemos um livro em braile, além de maquetes em 3D. Os voluntários são treinados para identificar e ajudar espontaneamente quem precise de apoio.

Uma mensagem final para os agentes de viagem brasileiros?
Esperamos todos vocês! Seja para uma peregrinação diante da imagem de Nossa Senhora ou da Coroa de Espinhos, para participar das visitas gratuitas conduzidas diariamente às 14h30 por nossos voluntários, contemplar a arquitetura, ou simplesmente para se deixar tocar pelo silêncio e pela luz deste lugar único, todos encontrarão o seu espaço em Notre-Dame.

Sainte Baume, gruta de Maria Madalena

Maria Madalena : a Nova (?) santiago de Compostela?

No último dia 23 de setembro, o Papa Francisco visitou Marselha, capital da Provence, marcando a primeira visita papal à região em mais de 500 anos. A escolha de Marselha como destino papal tem múltiplos objetivos, incluindo a união dos povos do Mediterrâneo e a recuperação da fé católica na Europa, onde o número de pessoas sem religião está em crescimento.

A visita do sumo pontífice também teve outros objetivos, entre eles, promover o papel das mulheres na igreja, com a valorização do culto a Maria Madalena em 2016, ao indicar 22 de julho, data da apóstola dos apóstolos, como data essencial no calendário litúrgico da Igreja Católica e reafirmado com sua benção sobre a rota histórica da santa, que recebeu investimentos importantes do governo francês nos últimos anos.

Papa Francisco tem se preocupado em resgatar a história do Cristianismo primitivo, isto é, a vida dos cristãos nos dois primeiros séculos da era comum. Dizem as lendas que os primeiros cristãos a chegar na Europa e começar um trabalho intenso de evangelização foram Madalena, Marta, Lázaro, Sara Kali, Maria Jacó e Maria Salomé (tias de Cristo e irmãs de Maria de Nazaré). Isso porque Marselha é um importante porto no Mediterrâneo, há 2600 anos.

A rota de Maria Madalena, semelhante à rota de Santiago de Compostela, emergiu como a nova estrela do turismo francês, embora no passado, principalmente na Idade Média, era um dos caminhos mais importantes para a Cristandade. Não só para se ver os restos mortais daquela que São Tomás de Aquino e Papa Bento XVI afirmaram ser a apóstola dos apóstolos, mas também por conta dos sítios arqueológicos, como uma imensa piscina para batismos coletivos.

Compostela ganhou notoriedade na contemporaneidade graças a Paulo Coelho no final do século passado. Fora o destino de Tiago, outro discípulo de Cristo. Mas até a publicação do livro “Diário de um Mago”, a rota de Maria de Madalena, até então, era a mais importante.

O percurso começa em Saintes Maries de la Mer, uma cidade litorânea encantadora que inspirou obras de Van Gogh, santuário dos ciganos de todo o mundo, principalmente entre 24 e 26 de maio. Os peregrinos seguem, então, para Martigues, passando por paisagens deslumbrantes, restaurantes peculiares e construções medievais muito bem preservadas.

Em Marselha, eleita capital cultural da Europa em 2013, é possível visitar pontos de interesse entre eles a gruta Cosquer- para apaixonados por arqueologia e história; o MUCEM- a plataforma cultural mais importante do sul da França e maior museu dos povos mediterrâneos; a Basílica de Notre Dame de la Garde e a abadia de São Vitor, essas duas últimas igrejas com fortes conexões históricas e relíquias ligadas a Maria Madalena.

A jornada continua para Saint-Maximin-La Sainte Baume, onde a Basílica de Maria Madalena exibe seu crânio em um altar e também as relíquias de Sidônio ( o cego curado por Cristo) e São Maximiliano. Imponente, é uma obra arquitetônica que causa admiração e emoção.

A região não atrai apenas católicos, mas também entusiastas da história, sendo atualmente um destino também para mulheres que fazem parte de um movimento que resgata o “Sagrado Feminino”. Comparado a Santiago de Compostela, esse destino também atrai aqueles em busca de turismo espiritual, focado em autoconhecimento e autodesenvolvimento, mas que não dispensam uma boa comida e paisagens notáveis.

A rota pode se tornar tão ou mais importante que o destino espanhol, atraindo diversos públicos, desde católicos devotos a pesquisadores universitários. A região da Provence, com sua rica história e paisagens deslumbrantes, pode se consolidar como um destino turístico espiritual nos próximos anos. O Sul da França é conhecido pela história como palco de grandes acontecimentos envolvendo religião. Avignon foi sede papal por mais de cem anos. Nostradamus nasceu naquela região. Uma série de movimentos – cátaros e templários- têm sua história conectada ao mediterrâneo francês, assim como escolas iniciáticas de magia, tradições ocultistas e seitas esotéricas lá surgiram.

Os viajantes não precisam fazer a rota a pé. Embora haja milhares de pessoas que o façam. Muitos são associados de uma organização chamada “Caminhos das Santas e Santos Provençais“. Esses peregrinos não pagam por hospedagem. São acolhidos por devotos dos santos da região. Aliás , não faltam entusiastas dessa jornada. Há também a associação de apoio ao santos provençais e a associação para o desenvolvimento de Sainte-Baume.

Essas entidades foram criadas após o filme Código da Vinci, baseado no livro homônimo de Dan Brown. A obra, como bem especifica o autor, é uma ficção. Mas muita gente não entendeu isso. Surgiram muitas teorias de conspiração e lendas urbanas. É preciso lembrar que os restos de Maria Madalena sempre estiveram na região. Nunca foram parar na Grã-Bretanha, uma vez que a santa nunca botou os pés na Bretanha, e tampouco seus restos mortais nunca estiveram no subsolo do Louvre, guardados por uma ordem secreta. Do mesmo modo que não há nenhum registro histórico que justifique a ideia de uma ligação romântica entre Cristo e sua discípula. Nem mesmo os evangelhos apócrifos, incluindo aquele atribuído à própria Maria Madalena, trazem qualquer vaga menção a um relacionamento amoroso entre ambos.

A bem da verdade, Maria Madalena sempre foi um personagem envolto em fake news. A história de que ela fora uma prostituta não encontra respaldo em nenhum dos evangelhos. Atribui-se a ela também o papel de pecadora que lava os pés de Cristo com seus cabelos e óleos perfumados. Outra informação sem fundamento. Encontramos no Novo testamento, 14 menções a Madalena. Nenhuma delas indica nenhum pecado a ela. Fala-se que Cristo expulsou 7 demônios dela e, a partir daí, essa mulher rica tornou-se sua seguidora.

O papa Gregório Magno foi quem , no séc. VI, criou confusão ao dizer que a mulher que fora salva por Cristo do apedrejamento e Maria de Bethânia fossem também Maria Madalena. A Igreja Ortodoxa nunca aceitou tal ideia. E hoje, busca-se acertar as narrativas também na Igreja Romana.

Fazer essa rota é uma oportunidade de entender melhor as estórias acerca de Maria Madalena, que tem uma igreja belíssima em sua homenagem em Paris, vivenciar o melhor da Provence, seja na gastronomia, seja no estilo de vida. É também uma viagem com forte apelo histórico e artístico.

O Caminho de Maria Madalena pode ser um momento de reencontro espiritual, sem ser religioso. Esses caminhos sempre trazem muita reflexão e reconexão com nossa história e a história da humanidade. Nos conduzem a um mergulho em nossos próprios valores. Maria Madalena é, sem dúvida, um símbolo de lealdade e coragem. De renascimento e amor. Tudo o que as pessoas mais precisam encontrar nos dias de hoje.

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