Os Caminhos Sefarditas: a rota judaica pela Espanha

Viajar pela Espanha é também redescobrir e valorizar a memória de diferentes povos e religiões que ajudaram a construir a história do país. Entre palácios mouriscos, catedrais góticas e vilas medievais, há um fio cultural que atravessa séculos e fronteiras: a herança judaica sefardita. Muito antes da expulsão decretada pelos Reis Católicos em 1492, comunidades judaicas floresciam em dezenas de cidades ibéricas, deixando marcas profundas na arte, na ciência, na filosofia e na vida urbana. Hoje, esse legado é celebrado e preservado através da Red de Juderías de España – Caminos de Sefarad, uma rede que conecta 21 cidades e propõe uma jornada turística e cultural única: seguir os passos dos judeus que moldaram parte essencial da identidade espanhola.

Em cada destino, a viagem é um mergulho no tempo. Toledo, por exemplo, conserva sinagogas transformadas em museus, como a do Trânsito e a de Santa María la Blanca, testemunhas de uma convivência plural que fez da cidade um centro intelectual da Idade Média. Em Córdoba, a antiga judería se abre em ruelas estreitas e floridas que conduzem à sinagoga do século XIV e à estátua de Maimônides, o grande filósofo e médico judeu nascido ali. Já em Sevilha, é o bairro de Santa Cruz que resguarda a memória judaica entre pátios andaluzes e lendas imemoriais.

Mais ao norte, em Segóvia, é possível visitar o Centro de Educação Judaica, a Porta de San Andrés e um antigo cemitério hebraico com vista para a muralha medieval. Em Barcelona, o bairro do Call revela as origens da cidade judaica desde o século VII, com a Sinagoga Maior — considerada uma das mais antigas da Europa — reaberta ao público após cuidadosa restauração. Cidades como Girona, Besalú e Ribadavia também preservam traços singulares, seja em arquivos históricos, seja em festas que celebram a memória sefardita.

Percorrer essa rota é mais do que uma experiência cultural: é uma viagem sensorial. Em cada judería, o visitante é convidado a perder-se entre ruas de pedra, descobrir inscrições em hebraico gravadas discretamente nas paredes, ouvir histórias de famílias que viveram ali por séculos e provar sabores que atravessaram o tempo, como doces sefarditas ou receitas resgatadas da tradição. Os itinerários unem história e emoção, pois narram tanto o florescimento quanto a diáspora, oferecendo uma experiência de memória viva.

Além dos museus e sinagogas, a Red de Juderías organiza eventos, exposições e atividades que integram o viajante ao cotidiano local. Em cidades menores, como Estella ou Tudela, o turismo ganha o charme da descoberta inesperada, enquanto em centros maiores, como Madrid ou Granada, a herança judaica dialoga com a efervescência contemporânea. Empresas de turismo cultural já oferecem pacotes completos — de dez a quatorze dias — que percorrem diversas dessas cidades, mas também é possível criar um roteiro independente, conectando os pontos mais significativos de acordo com os interesses de cada viajante.

Ao longo do caminho, o que se revela não é apenas a história de uma comunidade, mas o mosaico da própria Espanha, feita de encontros, convivências e tensões que ajudaram a moldar o país moderno. Viajar pelos Caminhos de Sefarad é, em última instância, um convite a refletir sobre a riqueza da diversidade cultural e a importância da memória como patrimônio vivo. Para o turista, é uma oportunidade rara: caminhar pelas mesmas ruas que filósofos, médicos, artesãos e poetas percorreram, e sentir, em cada pedra e cada silêncio, que a viagem também é uma forma de reencontro.

Romería del Rocío: fé, festa e tradição no coração da Andaluzia

Se existe uma celebração que sintetiza a alma andaluza, com sua mistura única de fé, música, devoção e alegria contagiante, essa celebração é a Romería del Rocío. Realizada anualmente na província de Huelva, no sul da Espanha, essa romaria atrai centenas de milhares de peregrinos vindos de toda a Espanha — e cada vez mais turistas do mundo inteiro curiosos por vivenciar uma experiência espiritual e cultural única.

A Romería del Rocío é uma tradicional peregrinação católica que leva os fiéis até a pequena aldeia de El Rocío, pertencente ao município de Almonte, em Huelva. O objetivo é venerar a imagem da Virgem do Rocío, também conhecida como “La Blanca Paloma” (A Pomba Branca), padroeira da região.

As origens dessa devoção remontam ao século XIII, mas foi no século XVII que a romaria começou a ganhar a dimensão atual. Hoje, mais de 120 hermandades (irmandades religiosas) organizadas partem de diferentes pontos da Andaluzia — especialmente Sevilha, Cádiz e Málaga — para fazer o percurso a pé, a cavalo ou em charretes enfeitadas, sempre acompanhados por cantos, guitarras e o famoso cante flamenco.

A peregrinação culmina no final de semana de Pentecostes, 50 dias após a Páscoa. O ponto alto da festa ocorre na madrugada de domingo para segunda, com a “salida” da Virgem em procissão — um momento carregado de emoção, em que multidões lotam a igreja do Santuário de El Rocío para testemunhar a saída da imagem em meio a aplausos, lágrimas e cânticos.

Participar da Romería del Rocío é mergulhar em uma Andaluzia profunda e vibrante. A viagem pelas trilhas naturais do Parque Nacional de Doñana, os trajes típicos, os aromas da culinária local e o som dos tambores e palmas criam uma atmosfera única, onde o sagrado e o profano convivem em perfeita harmonia.

Para o turista, trata-se de uma vivência autêntica, diferente de qualquer festa religiosa convencional. Mesmo quem não tem vínculo com a fé católica se encanta com a hospitalidade dos romeiros, a beleza da paisagem natural e a intensidade emocional da celebração.

A Romería del Rocío não é apenas um evento religioso. É um verdadeiro patrimônio imaterial da cultura espanhola, onde passado e presente se encontram em uma das manifestações mais vivas da espiritualidade popular europeia. Sua força simbólica, a beleza dos trajes, os rituais e a energia coletiva transformam El Rocío em um dos destinos mais marcantes para quem busca turismo com alma.

Se você deseja conhecer a Espanha para além dos roteiros tradicionais, incluir a Romería del Rocío em seu calendário de viagens é uma escolha inesquecível. Porque algumas experiências não se explicam — se sentem.

Algumas dicas:

Reserve com antecedência: El Rocío recebe mais de 1 milhão de visitantes durante a romaria, e as hospedagens na região esgotam rapidamente.

Prepare-se para a poeira e a dança: A peregrinação é intensa, mas também cheia de alegria. Sapatos confortáveis e espírito aberto são indispensáveis.

Experimente a gastronomia local: Prove pratos como o “ajo campero”, as tapas andaluzas e os doces típicos vendidos ao longo do caminho.

Respeite a cultura local: Vista-se com discrição, siga o ritmo das hermandades e aproveite para aprender com os habitantes locais sobre a tradição. Trata-se de um evento religioso e não de uma micareta.