“Hotéis já estão quase lotados para a maior festa religiosa do País”.
Apesar de mundialmente conhecida pela fé do seu povo e pelas 365 igrejas de sua capital, a manchete acima não foi extraída de nenhum jornal da Bahia. Enquanto o Círio de Nazaré – uma das maiores festas católicas do mundo – costuma atrair quase 100 mil visitantes para Belém todos os anos, por aqui os números também impressionam, mas na prática não têm o mesmo apelo turístico da festa paraense. Temos festa pra quem é de Amém e pra quem é de Axé, pra quem é de Aleluia e pra quem é de Saravá, mas não são muitos os turistas que planejam uma viagem pra Bahia exclusivamente pensando no nosso calendário de festas religiosas. Por que será?
Penso que os motivos sejam bem simples: a concorrência com o protagonismo do Verão. Ora, estamos falando do Estado com o maior litoral brasileiro e um dos mais concorridos destinos turísticos da Alta Temporada, com milhares de pessoas desembarcando todos os dias em busca do combo sol e praia. Paralelamente a isso, começam os famosos Ensaios de Carnaval: sabe aquela energia toda dos artistas que comandam uma multidão de cima de um trio elétrico por quase 6 horas? Pois é, meu amigo, são muitas e muitas edições de treinamento – em cada show, o encontro com o público é o momento ideal para lançar aquela música nova, ensinar a coreografia e perceber o retorno da galera. Aí depois de tudo decorado, é a hora de se jogar na avenida, para o Carnaval propriamente dito. Para completar, ainda vem o Reveillon, com 5 dias de festa ininterrupta e projetos para que se torne a maior virada de ano do País. E para piorar, o aéreo para Salvador fica uma fortuna nessa época. Não tem fé que resista.
Ou melhor, tem sim. Como diz o ditado de quem tem fé vai a pé – ou parcelando a passagem em 10x sem juros –, os turistas sempre acabam chegando e sendo contagiados por essa magia inexplicável e todo o sincretismo que mistura santos e orixás na mesma festa. Mas por motivos óbvios, o lado turístico dos festejos acaba sendo ofuscado e fica difícil mensurar quantos realmente despertam o desejo de conhecer o destino especificamente por causa da sua religiosidade.
Tome como exemplo a Festa de Iemanjá, celebrada em 02 de fevereiro. No Brasil, não existe outra festa a esse orixá que se equipare em dimensão – ao menos meio milhão de pessoas deve ter passado pela praia do Rio Vermelho esse ano – e bastam alguns minutos na fila para depositar as oferendas, para notar os diferentes sotaques dos devotos. Sim, tem mar de sobra do Amapá ao Rio Grande do Sul, mas tem gente que faz questão de entregar os presentes AQUI (ainda que isso custe alguns reais a menos na conta bancária), e termina combinando a viagem com fins religiosos para bater perna na Cidade da Bahia. E se essa lógica é verdadeira, acredito que o caminho inverso também seja possível: com a estratégia certa e caprichando no conteúdo, dá pra criar pacote e até fechar negócio com aquele cliente indeciso em relação ao destino das férias.
Duvida? Repare só nos calendários abaixo (postados nas redes sociais da Prefeitura de Salvador):
E para facilitar sua vida, repare nesse esqueminha bem objetivo de 5 festas populares que merecem sua atenção e valem gastar o seu português na hora da venda. O segredo é analisar bem o perfil do seu cliente, pra você não chegar tagarelando sobre festas e a criatura não quiser ver Salvador nem pintada de ouro.
Pegue o papel e a caneta, e anote aí (ou salve a matéria nos seus Favoritos, pra consultar sempre que for preciso).
1) Festa de Santa Bárbara/Iansã
QUANDO: 04 de Dezembro
QUEM É: Mártir do Século III/Orixá dos Raios e das Tempestades
ONDE: Pelourinho, com missa na Igreja do Rosário dos Pretos.
POR QUE IR: o Centro Histórico vira um tapete vermelho, com uma multidão de devotos que segue em procissão pelas ruas antigas do Pelô. Nos largos e praças, há programação musical durante o dia inteiro.
2) Festa da Conceição da Praia/OxumQUANDO: 08 de Dezembro
QUEM É: Padroeira da Bahia (não, não é o Senhor do Bonfim)/Orixá das águas doces
ONDE: Missa na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, praticamente ao lado do Elevador Lacerda, na Cidade Baixa. A procissão com a imagem da santa segue pelas ruas do bairro do Comércio.
POR QUE IR: a igreja dedicada à Nossa Senhora da Conceição da Praia é uma das mais bonitas de Salvador. Além disso, sendo a padroeira do Estado, é a única festa popular na qual realmente é feriado na Bahia.
3) Procissão de Bom Jesus dos Navegantes
QUANDO: 1º de Janeiro
QUEM É: como o nome já diz, é o padroeiro dos Navegantes
ONDE: Baía de Todos os Santos
POR QUE IR: a procissão marítima mais importante da Bahia é realizada há mais de 120 anos e marca o início do ano em Salvador.
4) Lavagem do Bonfim/OxaláQUANDO: 2ª quinta-feira de Janeiro
QUEM: no catolicismo, é uma representação de Jesus Cristo; para o candomblé, é Oxalá, considerado o maior dos orixás e responsável pela criação do mundo.
ONDE: a procissão segue por 8Km, da Igreja da Conceição da Praia à Colina Sagrada, onde ocorre a tradicional lavagem da escadaria da Basílica.
POR QUE IR: a lavagem é o momento que antecede a festa católica, no 2º domingo após o Dia de Reis. Desde o Século XVIII, quando era realizada por escravos, adeptos do candomblé despejam água de cheiro nos degraus e no adro da Igreja do Bonfim, numa das cerimônias mais emblemáticas da cultura do povo baiano.
5) Festa de IemanjáQUANDO: 02 de Fevereiro
QUEM: Senhora das Águas Salgadas e considerada Mãe de quase todos os orixás
ONDE: Orla do Rio Vermelho, o epicentro da festa em Salvador
POR QUE IR: Como diria meu amigo Luciano Matos, do ótimo site el Cabong (excelente para pegar dicas da agenda cultural de Salvador), “acho que ninguém de fora tem a dimensão do que é o tamanho, o astral e como é incrível essa festa de Iemanjá em Salvador. É um misto de Reveillon, festival de música e Carnaval”. O bairro do Rio Vermelho, uma das regiões mais turísticas da cidade, é fechado exclusivamente para as celebrações para a Rainha do Mar, e a festa começa ainda na madrugada, se estendendo ao longo de todo o dia, com inúmeras opções de shows, cortejos e diversas atividades para quem gosta de combinar o sagrado e o profano.
*Foto do topo: Cortejo até a Colina Sagrada, durante a Lavagem do Bonfim. Foto de Valter Pontes.
Adorei!!!!! Muito boa a matéria.