Espanto-me com as pessoas que ainda não entenderam para que serve uma ONG…
Perdoo apenas o João Ubaldo Ribeiro, que por ser um artista do texto e da sensibilidade quase poética, questionou o termo Organização Não Governamental, pelo fato de se referir a uma organização que, na realidade, depende do governo, já que é financiada, na sua quase totalidade, por verbas públicas.
A verdade é que o termo deveria ser OMG (Organização Muito Governamental), mas isso denunciaria o seu real propósito e inviabilizaria a real motivação de sua criação.
Eu não estava lá, mas consigo imaginar a reunião em que um burocrata criativo (ou um político, não lembro bem) sugeriu a criação dessas organizações.
“Precisamos encontrar uma forma de agilizar as contratações do governo”, disse o chefe de gabinete ao ministro. “A lei 8666 engessa a nossa gestão”, complementou desolado.
Foi nesse cenário, que um “jabuti” do ministério disse: “Eu tenho pensado nisso há muitos anos, Sr. Ministro, e tive uma ideia que pode resolver o problema”.
O ministro convocou o primeiro escalão do ministério para ouvir a proposta daquele “servidor muito capaz”, que havia acabado de chegar ao ministério, indicado pelo titular de outra pasta e aceito em retribuição à nomeação de sua afilhada…
Após uma apresentação em “powerpoint” cheia de animações, cores e imagens, o “jabuti” concluiu, praticando um pragmatismo acima do normal, com a solução mostrada nos dois últimos slides:
FATO: A lei de licitações deve ser aplicada às contratações feitas por todas as empresas públicas e órgãos do governo.
Diante deste slide, ele prosseguiu: “Existem 4 variáveis nesta afirmativa (a lei, as contratações, as empresas públicas e os órgãos de governo) e devemos analisar cada uma delas para verificar onde podemos atuar, sem infringir o espírito da lei:
1 – A lei de licitações: muito complexo e trabalhoso alterar uma lei no Brasil, em especial esta, que costuma atrair muita atenção da imprensa e, por conseguinte, da sociedade.
2 – As contratações: contratar abaixo do limite da lei só é viável para pequenos contratos, deixar de contratar é inviável e depender das licitações é o cerne do problema.
3 – As empresas públicas: para escapar da abrangência da lei de licitações, pelo seu próprio enunciado, a empresa deve ser “não pública”, o que caracteriza uma entidade já existente (a empresa privada) que, portanto, não se aplica a este estudo.
4 – Os órgãos de governo: para escapar da abrangência da lei de licitações, pelo seu próprio enunciado, o órgão deve ser “não de governo”, o que caracteriza uma nova entidade.”
Bingo !
FATO NOVO: A lei de licitações não se aplica a órgãos não governamentais, sendo necessário somente criá-los e regulamentá-los.
“Mas a sociedade vai aceitar isso?”, perguntou um advogado do ministério, antigo funcionário público prestes a se aposentar.
“Bastará direcionar as Organizações Não Governamentais para atividades politicamente corretas”, respondeu prontamente o “jabuti”…
“Afinal, quem vai se opor a uma instituição de cunho social, sem fins lucrativos, que ajuda crianças, idosos e pessoas carentes?”, concluiu.
O fato relatado pode ser verdadeiro, mas pode não ser. Por ser verossímel, parece encaixar-se nos últimos acontecimentos nos diferentes ministérios, de diferentes partidos, que vem aplicando o conceito criado pelo “jabuti” acima, da forma mais prática e objetiva possível.
Para quem acredita que as ONGs são a face mais cínica e criativa da inteligência a serviço do uso desregulado de verbas públicas, recomendo analisar o conceito das PPPs…
Em tempo: “jabuti” é uma corruptela da expressão “jabuti em cima da árvore”, que significa aquele funcionário público em cargo de confiança, que ninguém entende como conseguiu ser alçado àquele alto escalão: assim como o “jabuti em cima da árvore”, ele não chegou lá sozinho…