SOBRE ALAVANCAGEM OU “VENDA A DESCOBERTO”

Nos últimos 40 anos, a sociedade brasileira vem sendo doutrinada, lentamente, a acreditar no modelo de negócios condicionado exclusivamente à busca obstinada (e cega) por resultados, conceito preconizado por ícones como Eike Batista, André Esteves, Luiz Estevão, além do trio Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira, Marcel Telles, apenas para citar alguns exemplos bastante connhecidos.

É óbvio que bons resultados são o objetivo de qualquer empreendimento que se pretenda executar, mas também parece óbvio que não devem ser o único e nem deve estar acima de outros objetivos fundamentais, que formam a base de qualquer trajetória bem sucedida (de empresas e de pessoas), como integridade, meio ambiente, perpetuidade (do negócio), reputação (da marca), desenvolvimento (do time), bem estar (de todos), entre outros.

O equilíbrio entre todos esses objetivos (propósitos) é o que costuma caracterizar os empreendedores como pessoas de sucesso no longo prazo e isso envolve manter uma relação saudável com seus fornecedores, com um olho no seu negócio e outro nos negócios de quem alimenta (e viabiliza) os seus negócios.

O que os “velhinhos” (jargão do mercado financeiro para identificar o trio) fizeram nas Americanas parece ter sido exatamente o oposto: as empresas que eles controlam ou em que eles são “acionistas de referência” (neologismo criado para camuflar a saída estratégica de sócios do controle de empresas em que não mais acreditam) parecem buscar sufocar o fornecedor, no limite de matá-lo, com o escancarado objetivo de alavancar o balanço da empresa, mesmo que ao custo de comprometer ou arruinar os balanços da rede de fornecedores que deu crédito à empresa.

O que importa é seguir os mandamentos descritos por Bob Fifer, em Dobre Seus Lucros, livro de cabeceira de Marcel Telles. Leia trecho emblemático deste livro na imagem que ilustra o início deste post: Etapa 37 – Contas a Pagar.

E, até onde sabemos, eles sempre fizeram isso de forma legal, “seguindo as regras do jogo”, pois ninguém deu crédito às Americanas de forma forçada, sempre foi acreditando que estavam fazendo bom negócio em tê-los como clientes.

Acho quase inacreditável que os grandes bancos comerciais e de investimentos brasileiros não conhecessem essa índole, esse gosto pelo risco (dos outros), enquanto os mais espertos venciam tudo e (quase) sempre.

Há exatos 10 anos, eu postei sobre o trio no texto abaixo (acho que vale a leitura, inclusive dos comentários): 

Na época eu já me preocupava com a influência que os conceitos propagados por eles pudessem influenciar a geração de jovens executivos (VJ tinha 26 anos) que emergiam ao mercado de trabalho, sedentos por casos de sucesso que os inspirassem, em geral baseados em vertiginoso crescimento e no sucesso a qualquer custo.

Coisas como “Sonhar grande ou pequeno dá o mesmo trabalho, então vamos sonhar grande”, que parece encantador, mas somente enquanto se está na esfera dos sonhos, pois nenhum sonho se realiza sem que seja executado, portanto sonhar grande ou pequeno demanda execução com risco, empenho e dedicação completamente diferentes.

Partir efetivamente para realizar um sonho significa, resumidamente, assumir risco, esforço, trabalho, determinação, foco, abdicar de momentos com a família e amigos, ameaça à saúde física e mental, entre outros sacrifícios mensuráveis, que mostram que “Empreender grande ou pequeno dá trabalhos bem diferentes, então vamos escolher e planejar bem o que queremos”.

Equilíbrio sempre foi, continua sendo e sempre será a principal virtude de qualquer pessoa sobre qualquer tema, e isso não exclui os mega-empreendedores obstinados por sucesso no estilo “winner takes all”.

O que os sócios da Americanas fizeram com o mercado impactou todo o varejo brasileiro, em especial as empresas dedicadas ao ecommerce, tanto pela quebra de confiança do mercado financeiro no setor, quanto pela desconfiança do consumidor em adquirir produtos pela internet, não somente das Americanas, mas também de seus principais concorrentes.

As empresas que não fraudaram e não maquiaram seus balanços, junto com seus funcionários e seus fornecedores, estão pagando por essa aventura de alavancagem da Americanas, até que o tempo nos faça esquecer essa fraude bilionária no ecommerce do varejo brasileiro.

O que nos resta é aprender com isso e manter olhos sempre abertos, em especial com empresas que operam alavancadas (leia-se “com o dinheiro dos outros”) ou, no jargão do economês, operam “com venda a descoberto”.

Qualquer semelhança com o que acontece, de tempos em tempos, no mercado de turismo não é mera coincidência…

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as ”Travel Techs” e a síndrome das bolhas seriais

Há algum tempo venho observando um fenômeno nas startups que se multiplicam como gremlins no ecossistema de negócios brasileiro, repetindo o mesmo fenômeno que vem ocorrendo em todo o mundo: o empacotamento de ideias existentes, rebatizadas como inovação.

Uma startup indiana de hotéis apresentou-se como inovadora por ter criado “uma série de conceitos operacionais de hotelaria para certificar uma propriedade hoteleira com a sua bandeira”. Algo que as tradicionais marcas e bandeiras hoteleiras fazem há algumas décadas foi, e ainda é, apresentado como uma novidade absoluta, e o mais incrível é que muitas (milhares) pessoas (e de investidores) compraram esta ideia “inovadora”.

Mais recentemente, algumas startups brasileiras, inspiradas no modelo da TripActions, resolveram batizar o seu negócio de agenciamento de viagens, nada inovador, com um novo e sugestivo nome, como se fosse um novo segmento econômico.

Atuando no mercado de gestão de viagens corporativas, essas empresas, novas e inexperientes, mas altamente motivadas em concorrer num mercado que desconhecem, prometem os serviços prestados pelas TMCs, juntando conceitos como o das OTAs (tudo 100% online), dos OBTs (foco no corporativo, controle de política de viagens, fluxo de autorização, relatórios BI etc) e alguns recursos de expense management, prometendo tecnologia, agilidade e preço, mesmo não tendo crédito junto às cias. aéreas, não tendo time compatível com atendimento ágil e oferecendo preços iguais ou maiores do que os praticados pelas TMCs que operam grandes volumes.

O fato é que essas startups empacotaram alguns recursos dos sistemas que foram criados, desenvolvidos e implementados nos últimos 20 anos e se auto-batizaram “Travel Tech”, buscando conforto e segurança no plágio da expressão “Fintech”, aplicada a empreendimentos vitoriosos como a XP, o Nubank e a Stone.

Conversando com meu guru Vabo Júnior – @Vabo23 – sobre este fenômeno de juntar algumas ideias testadas e bem sucedidas, empacotá-las e rebatizá-las como um novo conceito, com uma terminologia “cool”, um termo que signifique quase uma marca, VJ foi taxativo: “trata-se da busca do visionary capital”.

As pessoas, incluindo os investidores, acreditam numa narrativa bem estruturada, numa história coerente e que faça sentido. Por isso, buscar conceitos testados, experimentados e bem sucedidos, empacotá-los e emoldurar tudo isso com um bom story-telling é a fórmula de bolo para tentar gerar o que chamamos visionary capital, que é o maior valor de uma startup, o maior capital do seu fundador.

A questão é quando a narrativa é pretensiosa (às vezes arrogante) e o conjunto de ideias empacotadas não agrega nenhum valor novo e não se diferencia em nada daquilo que já é oferecido por dezenas de experientes TMCs que já atuam no mercado com conhecimento (que demanda expertise), tecnologia (que exige atualização permanente) e reputação (que requer tempo, trajetória e integridade).

Não se iluda, Travel Techs são todas as TMCs que atuam no mercado brasileiro, em especial as associadas à Abracorp, que, desde o início do milênio, investem permanentemente em tecnologia e capacitação de seus times, enquanto constroem sólidas carreiras de consultoria corporativa.

As TMCs associadas Abracorp são intensivas em tecnologia, mas vão muito além disso. Pense nisso ao decidir em quem confiar seu orçamento de viagens e despesas corporativas.

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CORAGEM PARA SE JOGAR EM 2021…

Cenário nebuloso, informações desencontradas, cidadão inseguro, consumidor impactado, economia travada, governo batendo cabeça, população no limite…

Este é o cenário econômico em que atuam os empreendedores brasileiros neste início de 2021.

Não há planejamento estratégico que consiga minimamente antever cenários possíveis em um momento em que a pandemia mundial está quase completando 1 ano.

Uma pergunta (incômoda, desconfortável, desagradável até) é fundamental para estabelecermos condições mínimas para um planejamento estratégico que seja assertivo e direto ao ponto:

  • A vacinação em massa trará o resultado que todos esperamos?

Após esta pergunta respondida, as atenções voltam-se para outras 5 dúvidas, todas especificamente sobre prazos:

  1. Quando a sociedade estará imunizada?
  2. Quando as restrições ao convívio social serão flexibilizadas?
  3. Quando a população voltará a se sentir segura?
  4. Quanto tempo a economia brasileira suporta?
  5. Quanto tempo o mercado de viagens e turismo ainda resiste?

Enquanto essas perguntas não são respondidas (e somente o tempo poderá incumbir-se de respondê-las), seguimos literalmente tateando no escuro, buscando referências naquilo que acreditamos e desejamos, mesmo que distantes da realidade ácida do nosso dia-a-dia atual.

Isso tudo me lembra aquela máxima de Reid Hoffman que afirma que “empreender é se jogar de um precipício e construir um avião durante a queda”.

O mercado mundial de viagens e turismo está hoje, literalmente, construindo aviões durante a queda.

Embora ninguém duvide de que vai sobreviver…

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