O Papel do guia

Um bom guia de turismo é um dos profissionais que mais admiro.

Não aquele guia raso, chato, que repete dados e datas de forma automática e impessoal ou faz pouco além de mostrar o caminho.

Mas o guia em seu papel maior, de quem abre portas, conecta, fala – mas também escuta – adapta e encanta.

Quem já voltou de uma viagem dizendo: “Aquele guia fez a diferença”. Alguém que o fez gostar de um lugar, um passeio, uma atividade ou qualquer coisa cuja interlocução e o papel do guia se mostrou fundamental.

Acredito que temos no Brasil alguns dos melhores guias do mundo. Digo isso sem desmerecer os excelentes profissionais que estão espalhados por todos os continentes, mas como forma de exaltar as características que temos em nossa gente. Entre elas, destaco uma qualidade fundamental e rara: a autenticidade. A capacidade de criar uma conexão entre os viajantes e o lugar, passar também pela capacidade do guia de criar uma conexão dele próprio com os viajantes.

Antes de mais nada, um bom guia deve ser uma ótima companhia de viagem. Nada mais chato do que conhecer um lugar com gente chata. Se o guia é chato, ferrou.

Um bom guia se confunde com um anfitrião. Alguém que recebe, que cuida, que abre as portas da sua casa. Sendo a casa, neste caso, sua cidade, local, destino ou região.

Pensando na cadeia do turismo, o guia é, muitas vezes, o elo com maior capacidade de criar relação com clientes. Afinal é ele que está ali, na ponta, em campo, quando clientes deixaram a relação comercial para trás e estão de fato aproveitando suas férias e momentos de lazer. A conexão criada nesse cenário muitas vezes supera àquela criada durante o planejamento das viagens, mesmo com um ótimo atendimento e foco pleno no cliente.

Agências e operadoras investem muito tempo, foco e dinheiro, com mais ou menos sucesso, em diferentes formas de fidelizar seus clientes. Ainda assim, muitas vezes, quem consegue criar essa conexão na prática é o guia. Não raras são as vezes recebem mensagens de agradecimento depois da viagem e acabam mantendo contato com clientes com regularidade. Esse relacionamento com os viajantes – e a tão almejada fidelização – está ali, na mão. É por isso que me chama atenção, também, como muitas empresas negligenciam esse potencial e relegam o trabalho do guia a um escopo menor.

Como você, ou sua empresa, veem o papel do guia? E o que nós, como país, criamos de condições para aprimoramento deste profissional essencial para nossa cadeia? Deixo aqui essas provocações, pois considero esse um debate fundamental para evolução de qualquer destino turístico.

Desafios de planejar uma viagem ao Brasil

Existe uma máxima que diz: “Planejar uma viagem ao Brasil geralmente implica em passar mais tempo decidindo quais os lugares que você vai deixar de ver, do que aqueles que irá ver.”

É difícil não concordar com isso.

Desenhar um bom roteiro pelo Brasil pode ser um tremendo desafio. Em especial para quem não tem a real dimensão do tamanho e da diversidade de nosso país. Imagine que um agente de viagem europeu tem um cliente com dez dias disponíveis para viajar por aqui. Para onde ele deve mandar seu cliente? Por onde começar a planejar? Quanto tempo ficar em cada destino e como conectá-los?

Elenco abaixo três dos principais desafios enfrentados neste processo de planejamento:

  • Vastidão do país

Temos voos domésticos, diretos, com mais de 3 mil km de distância e 4hs de duração – para efeitos de comparação, isso é mais que o dobro da distância de Londres a Roma. Ou seja, as distâncias entre destinos são maiores do que muita gente imagina. Juntar numa mesma viagem uma visita ao Rio de Janeiro, as Cataratas do Iguaçu, uma expedição de barco pelo Rio Negro e uma praia no sul da Bahia obriga o viajante a percorrer longas distancias. Em geral, é difícil planejar menos do que 3 noites em cada destino sem tornar a viagem muito cansativa.  

  • Conexões não óbvias

Além dos longos voos, conectar um destino da região Norte com a Região Nordeste exige, muitas vezes, que o cliente voe para o Sudeste, ou, no melhor dos casos, para Brasília. A expansão dos voos regionais é algo que vem mudando um pouco essa lógica, mas esse ainda é um dos gargalos do planejamento deste tipo de roteiro. Por isso, entender a ordem ideal de visitar cada lugar, levando-se em consideração as “portas de entrada” dos voos internacionais torna-se crucial. Apesar da região sudeste concentrar mais de 85% das chegadas internacionais no país, segundo dados da EMBRATUR, existem boas oportunidades de combinar chegadas e saídas por cidades diferentes. Para um viajante que vem de Miami, por exemplo, é possível economizar muitas horas de voo fazendo a chegada internacional pelo Rio de Janeiro e a saída por Manaus, em voos diretos, sem a necessidade de entrar e sair pelo mesmo ponto.

  • Sazonalidade

O Brasil é o único país do mundo que ocupa um território que vai desde o norte da linha do equador até o sul do trópico de capricórnio. São mais de 4 mil km de norte a sul do país, que faz com que tenhamos uma enorme diversidade climática. Com isso, o que se planeja para um mesmo perfil de viajante em janeiro ou julho é completamente diferente. Claro que existem destinos ótimos de serem visitados ao redor de todo o ano, mas, para viajantes que virão ao Brasil uma ou duas vezes na vida, conhecer os destinos em seu primor é fundamental. Isso exige que, além das maneiras de conectar destinos, quem planeja a viagem também conheça as épocas certas de visitar cada um deles.

É interessante pensar que tanto a vastidão quanto a sazonalidade nos levam a um paradoxo, já que, ao mesmo tempo que tornam esse planejamento mais complexo, são dois dos maiores diferenciais brasileiros. Não temos nenhuma época do ano em que se evita visitar o Brasil, seja porque chove torrencialmente, atravessamos um inverno rigoroso ou entramos em época de furacões, por exemplo – mas isso é tema para um próximo texto.

Além desses, sob a ótica de um estrangeiro, quais os outros desafios enfrentados neste planejamento? O que mais podemos adicionar a essa lista?

O Brasil como destino

Como tratar o 5º maior país do mundo em área e 6º em população, como um destino único?

Abrigamos a maior biodiversidade do planeta e mais de duas mil praias espalhadas por 7,5 mil km de litoral. Também estão aqui a maior planície alagável do mundo, o maior rio do mundo, a maior floresta do mundo, além de cânions, cachoeiras, chapadas, cidades pulsantes, ícones da arquitetura mundial e tantos outros atrativos únicos. Somos, geograficamente, o país mais diverso do planeta.

Mesmo com tantas belezas superlativas, é legítimo dizer que o maior patrimônio nacional é nosso povo. Plural, complexo e autêntico.

A soma desses fatores leva a uma pergunta óbvia: com tudo isso, por que não somos uma potência turística mundial?

O objetivo deste espaço é navegar pelas nuances desse negócio: Quais são as nossas forças e fraquezas? Nossos principais destinos e seus diferenciais? O que falta para sermos competitivos de verdade? Estamos no caminho certo?

Por que um viajante internacional, seja ele de Londres, de Santiago ou de Tóquio, decide vir ao Brasil e não a outro país? O que esse viajante privilegia e do que ele abre mão? O que temos que não é possível achar em outro lugar?

E – tão ou mais importante que isso – em que medida entregamos o que era esperado?

Ao fazer esse exercício é preciso partir de uma ótica diferente, assumindo o olhar de um viajante estrangeiro planejando uma viagem a um destino tido como exótico – o que nem sempre é tarefa fácil.

Convido todos a dividir opiniões, sugestões e ideias a respeito deste tema aqui neste espaço. Será um prazer.

Até breve.