Quartel pegando fogo e todo mundo feliz!

Se o mês de dezembro não fosse tão encantador com suas luzes e brilho natalino; se o mês de agosto não fosse o melhor mês para andar de bicicletas na cidade luz; se o mês de junho não fosse tão impressionante como o Paris Air Show que nele acontece; se o mês de maio não fosse um mês tão colorido com a chegada da primavera; ou fevereiro tão alegremente movimentado com a Fashion Week; enfim, se cada mês parisiense não tivesse seus atrativos espetaculares, diria que julho é o melhor mês para se visitar Paris.

Apresentação Rafale, Paris Air Show junho 2017

Por quê? Está calor , as férias escolares começaram e como todos os anos neste momento, a cidade ganha um ar de festa. Uns buscam seu lugar ao sol, outros sombra e água fresca.

Mas não somente o sol e o céu azul ditam o ritmo de festa da cidade. As tradicionais liquidações de julho movimentam a população local que aguarda ansiosa este momento e os bons preços para colocar o guarda-roupa em dia.  Seja por necessidade de economizar ou prazer em comprar, as liquidações fazem parte da agenda de francês.  Abaixo cenas das liquidações de janeiro na Avenue Montaigne. Como você pode ver, alguns turistas descobriram as vantagens do evento.

turistas na Avenue MontaignE
  • Paris Plage começa dia 8 de julho. Música, dança, esportes, animações e descanso a beira d’água embelezam e agitam as margens do Rio Sena durante os próximos dois meses. Anúncios da prefeitura avisam que este ano os esportes olímpicos serão prestigiados e estarão presentes.
Paris Plage

Além disso, a festa do dia 14 de julho, comemoração da queda da Bastilha, promete! Não, não por causa da visita simultânea de Donald Trump.

  • Dia 13 começam as festividades. Os inúmeros Bailes dos Bombeiros, realizados nos quartéis através da cidade, são as festas mais surpreendentes que já vi. No fim de tarde o ambiente é familiar, idosos e crianças ocupam o espaço bebendo e ouvindo música, servidos e “protegidos” por membros das tropas. À noite, surpresa: o quartel “pega fogo”. E eu, que pensava que bombeiro era “tudo” santinho?! Que balada! Só vendo para crer!
Blog Lisa Anselmo mostra Baile dos Bombeiros
  • Dia 14 o desfile garante ser impressionante, para quem não estiver de ressaca da festa do dia anterior. A passagem das tropas de elite das Forças Armadas atrai milhares de pessoas todo ano ao Champs Elysées. Mesmo para quem não gosta de desfiles e armamento, a passagem das Forças Aéreas é de arrepiar qualquer cidadão. Tenho certeza que Macron está fazendo todo esforço possível para impressionar o Trump neste dia. Quem estiver por aqui poderá presenciar o momento histórico.
Patrulha acrobática da França
  • O ponto culminante das festividades acontece à noite, na hora dos fogos de artifício na Torre Eiffel.  A partir das margens do Rio Sena vê se o mais bonito espetáculo de fogos de artifício do planeta. Não vou anexar meu CV, mas confie, vi muitos shows e competições internacionais de fogos de artifício. Nunca vi nada igual.
Champs de Mars, Trocadero 14 de julho

Compras, eventos, festas, são algumas das inúmeras atrações da cidade em julho. São tantas as atividades que quase esquecemos: Paris, qualquer mês do ano, sempre vale a pena!

Feliz mês de julho querido (a) leitor(a)!

Conciergerie e Santa Capela, dois monumentos, uma epopéia!

CONCIERGERIE E SANTA CAPELA – São tantas histórias! Para resumir a visita destes monumentos incríveis separei alguns dos melhores capítulos da epopéia:

Concierge é um termo da língua francesa e pode ser traduzido literalmente como “porteiro” para o português. Para muitos dentre nós, concierge é um cargo comum no ramo hoteleiro, consistindo na função do profissional responsável por atender as necessidades básicas e especiais dos hóspedes.

Conciergerie, a origem do nome: Quando na segunda metade do século XIV, Charles V deixou a Conciergerie, até então conhecida como Palais de La Cité, para se instalar no Louvre, não quis abandonar o mais belo edifício da cidade sem proteção. Denominou um Conte para ficar ali. Entre outras funções, o dito Conte deveria se ocupar da segurança e do abastecimento em velas da cidade. Velas em Francês são chamadas “cierges”. Sendo assim, o “Conte” que se ocupava dos “cierges” deu a origem a palavra Concierge.   Com o tempo o Concierge tornou-se um importante personagem, nomeado pelo rei,  assegurava a ordem, o policiamento e registrava prisioneiros em espera de julgamento, que a prisão acolhia.

La Conciergerie 1ª Sede do Poder

Um rei para a França: Século VI –  Clóvis, o primeiro rei católico da França, instalou seu palácio real sobre a Ilha de La Cité. Onde antes romanos imperavam sobre Lutécia*.

Um Castelo para o Rei: Século XIII – Em 1200, Philippe Auguste fez do Palais de La Cité, atual Conciergerie, o palácio real, sede do poder dos Capetos.

Uma igreja para um Santo Rei: 1249 – São Luís, o então rei Luís IX,  construiu junto ao palácio a magnífica Sainte-Chapelle para abrigar relíquias do Cristo adquiridas durante uma de suas Cruzadas. (Estas relíquias são atualmente expostas uma vez ao mês na Notre-Dame ).

O Golpe do Rei: Século XIV -Em torno de 1300  Philippe-le-Bel* reformou e ampliou o palácio para abrigar o Judiciário e o Administrativo e assim manter ambos os poderes completamente sob sua tutela.

Um esplêndido palácio gótico. Do Palácio de La Cité medieval encontramos a Sala da Guarda e a Sala das Armas erigidas sob Philippe- Le- Bel, bem como cozinhas construídas sob Jean-Le-Bon.

Cozinha 4 lareiras imensas, 1 em cada canto da peça
A escadaria – sala da guarda
Cozinha
Sala da Guarda

O Massacre dos Templários*: O mesmo Philippe-le-Bel cobiçou o tesouro da poderosa ordem católica dos Templários a ponto de mandar prender todos eles e exigir a excomunhão de seus membros pelo Papa Clemente V a fim de apoderar-se das riquezas do grupo e acabar com «um (segundo) Estado dentro do Estado».

A maldição infalível e o fim de um reinado: O grande mestre da ordem, Jacques de Molay, torturado na torre da Conciergerie denominada Tour Bon-Bec* antes de “arder no fogo” da justiça jogou uma praga ao Papa, ao rei e seus herdeiros. O Papa Clemente V, Philipe-le-Bel e seus três filhos morreram sucessivamente pouco tempo após o ocorrido. Sem sucessor, a linha dos Capetos perdeu o trono para os Valois.*

As Torres da Conciergerie são: Tour D’Argent ouTorre de Prata –alusão ao dinheiro da coroa; Tour Cesar – lembra que o palácio foi edificado onde antes viviam governadores romanos, enviados de Cesar; Tour de l’Horloge ou Torre do Relógio , graças ao relógio, presente de Charles V aos cidadãos da cidade, séc XIV; Tour Bon-Bec, literalmente Torre Bom-Bico, fazendo alusão à tortura e confissões nela obtidas.

A maldição e suas consequências:  A briga pela coroa após a morte dos Capetos deu origem à guerra de Cem Anos contra a Inglaterra.

Do Palácio Real ao Tribunal de Justiça.

O Terror: Século XVIII – De 1793 a 1795, o Grande Júri do Tribunal Revolucionário se instalou na Conciergerie e marcou a queda do palácio na fase chamada Terror. Durante a revolução aproximadamente 2500 cabeças foram decapitadas em Paris, 1500 delas durante as 6 semanas do Terror lideradas pelo revolucionário Robespierre, que foi ele mesmo decapitado. Os demais membros do comitê revolucionário concluíram que era melhor decapitar Robespierre, antes que Robespierre decapitasse a todos eles, para ficar só no poder.

Durante a revolução acabaram-se os privilégios do “concierge” que passou a receber os prisioneiros nesta peça.
A profissão de carrasco era passada de pai para filho. E carrasco só casava com filhas de outros carrascos. Era o próprio quem cortava o cabelo dos condenados antes da guilhotina.

Prisão revolucionária. A Conciergerie tornou-se um dos lugares de detenção durante a revolução francesa, com a instalação do tribunal revolucionário. Seu mais famoso prisioneiro foi Marie-Antoinette. No século XIX  uma capela memorial foi construída na localização da antiga cela.

Uma capela memorial foi construída no local onde Maria Antonieta esteve encarcerada.

E para terminar,  fica a dica: A visita dos dois monumentos pode ser feita separadamente, mas há menos fila para a Conciergerie e quem compra o bilhete integrado corta a fila da Santa Capela.

Notas

*Lutécia-Nome de Paris sob o império Romano, iniciado em 50 antes de Cristo.

*1268 -1314 Philippe-Le-Bel ou Felipe, o Belo, rei francês responsável pela perseguição aos cavaleiros templários. Em 1129, A milícia denominada  Pobres Cavaleiros do Cristo e do Templo de Salomão foi criada para manter o caminho de peregrinos desde a França até o túmulo de Cristo accessível.  Sua organização se assemelhava a grupos islâmicos de cavaleiros defensores de Ala. Com perdão para matar em nome de Deus, a Ordem do Templo, como ficou conhecida, constituiu  uma grande fortuna e adquiriu muito poder.   O Papa Clemente V foi, por sua vez, o responsável pelas falsas acusações de heresias que fizeram a perseguição possível.

*Tour Bon-Bec, literalmente  Torre Bom-Bico, fazendo alusão à tortura e confissões nela obtidas.

As palavras de Jacques de Molay : “Papa Clemente… Cavaleiro Guillaume de Nogaret… Rei Filipe; Intimo-os a comparecer perante o Tribunal do Juiz de todos nós dentro de um ano para receberdes o seu julgamento e o justo castigo. Malditos! Malditos! Todos malditos até a décima terceira geração de suas raças!!!”

A saga de Philippe-Le-Bel e seus sucessores foi contada magistralmente na obra “ Os reis malditos” de Maurice Druon, a obra de Druon inspirou o autor de Game of Thrones, George R.R. Martin para criação de seu jogo!

Paris e a ressurreição de uma profissão

Uma das mais surpreendentes atrações de Paris é sua população. Elegante ou voluntariamente desajeitado, nostálgico de um tempo revolto ou insaciável futurista, socialista “bobô”, conservador “fachô”, ou centrista oportunista, seja ele quem for, o parisiense é sempre um personagem intrigante.

E em Paris, cada um destes personagens únicos catalisa esse conjunto fascinante de humanos, arquitetura e atividades continuamente efervescente e inusitado.

Para exemplificar minhas palavras pedi ao meu amigo Didier uma entrevista. Assim, pela mesma ocasião ele dedicaria o livro de sua autoria que comprei. Marius, como é chamado desde que abriu uma empresa do mesmo nome em 2015, sempre simpático, prontificou-se: assim que estivesse no bairro me avisaria para tomarmos um café.

E como não poderia deixar de ser, foi pela janela que vi Marius chegar, antes mesmo que o telefone tocasse para avisar o fato. Com seu taxi inglês transformado, Marius não passa despercebido. O amolador de facas e tesouras e seu “ateliê móvel” atraem os olhares de potenciais clientes, mas também de muitos curiosos locais e estrangeiros. 

Outrora errantes em carriolas de madeira, os afiadores de facas foram suplantados pela modernidade. Seus serviços passaram a ser oferecidos em supermercados, em sapateiros e até mesmo eletrodomésticos apareceram para cumprir a tarefa.

Porém Didier, quero dizer, Marius, graças à sua formação de cozinheiro,  sabe que os colegas da profissão não trocam suas facas com facilidade e não gostam de deixa-las sob a responsabilidade de  qualquer um. O profissional precisa de seu material funcional e disponível e não pode perder sequer um dia de trabalho sem ele. Então, em função deste parâmetro, com seu veículo e agenda em mãos Marius partiu ao encontro da nata da cozinha francesa e enquanto serpenteia as ruas da capital, Marius serve também o povo da cidade.  Segundo Marius, seus segredos para essa ressurreição bem sucedida são: um serviço de proximidade, a alta qualidade da prestação com a qual ganhou a confiança da clientela, preços fixos e pacotes mensais para os clientes regulares e flexibilidade para a clientela de passagem. Os cozinheiros  e a população ganham em tempo e qualidade, diz Marius.

E, sobretudo, segundo o entrevistado, Marius criou um conceito, repaginou a profissão com estilo “vintage”, dando uma “nova” imagem ao antigo ofício. A empresa tem um primeiro franqueado e vem crescendo. Marius, Le remouleur é  um exemplo para quem já não acredita na força do contato humano. O seu sucesso convida a reflexão, faz com que eu me questione: e se nossa profissão tivesse um problema de imagem?  

Se você duvida do sucesso da empreitada, assista aos vídeos de Marius em um encontro casual com o grande ator Gerard Depardieu e nas cozinhas do Primeiro Ministro Francês ( emissão de TV Echappées Belles, se tiver um tempinho as imagens de Paris valem a pena).

Enfim, voltando ao tema do blog: Paris! Graças a figuras como Marius, Paris mantêm seu charme inigualável e (quase) indescritível. Sempre imperdível!

 

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