O braço de ferro entre o governo Macron e o povo francês continua.
Essa semana será quinta-feira, dia 9, o dia de greve geral. Dia 11 também haverá manifestações. O transporte terrestre e ferroviário funcionam parcialmente e outras ações, como bloqueio de refinarias ou dia de paralização na Air-France ocorrem aqui e ali.
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Sistema de previdência francês, um dos melhores e mais complexos do mundo
Apesar do desconforto que esta greve vem causando para muitos franceses, ela ainda tem 61% de apoio junto à população.
O sistema de previdência e aposentadoria francês é um dos melhores e mais complexos do mundo e para convencer o povo de mudá-lo o governo Macron parece não encontrar argumentos suficientes.
Só para você ter uma ideia: O sistema de previdência atual leva em consideração especificidades de determinadas categorias, assim uma bailarina da Ópera Nacional tem direito a sua aposentadoria aos 42 anos. Afinal, quais as chances desta profissional seguir numa carreira de bailarina após essa idade? A reforma extingue esse direito, por exemplo.
A reforma equipara a idade teto para o recebimento do valor da aposentadoria integral para todas as categorias de trabalhadores aos 67 anos. E mesmo se a idade teto para o acesso e recebimento do valor parcial da aposentadoria continua a ser 62 anos, uma “idade pivô de 64 anos” foi criada para “justificar” que o valor da pensão de quem opta pela aposentadoria aos 62 anos será inferior daqueles que o fazem aos 64. Entendeu?
Vale lembrar que para alcance da aposentadoria integral, além de ter 67 anos, um cidadão necessita ter pagado suas cotizações salarias durante 43 anos.
E olha que essa não é a primeira vez a que Previdência sofre mudanças. Como vemos no quadro abaixo mostrando os parâmetros atuais, para quem nasceu antes de 1951 a idade mínima para a partida é 60 anos. Mas para quem nasceu em 1955 a idade mínima passa para 62 anos.
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O tempo de cotização ou de trabalho para o acesso a aposentadoria integral também difere segundo o ano de nascimento de 1950 até 1973. Para quem nasceu em 1950, 40 anos e dois trimestres de cotização são necessários para a aposentadoria, a partir dai o tempo de serviço aumentou de maneira escalonada durante 23 anos para chegar no tempo de serviço atual.
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Medidas pouco convincentes
As medidas adotadas nesta reforma serão aplicadas na sua totalidade para a geração nascida a partir de 2004, anunciou tardiamente o governo numa tentativa mal sucedida de diluir o movimento.
Até mesmo quando Macron abriu mão de sua aposentadoria de presidente da república não convenceu a população desconfiada.
Perguntas simples
O povo não quer mais abrir mão de seus direitos e enfrenta a reforma da previdência francesa porque quer respostas a perguntas simples.
E tudo que o povo francês ouve é que não há dinheiro, que esse sistema de previdência entrará em colapso.
- Contudo, os franceses se perguntam qual o sentido em aumentar o número de anos de trabalho das pessoas num país onde a taxa de desemprego é de 8,5%. Se já não há empregos suficientes para todos, qual o sentido em obrigar os mais velhos a trabalhar? E os jovens desempregados? Quando entrarão no mercado de trabalho?
- Além disso, qual a empregabilidade de uma pessoa acima dos 60 anos? Velhas demais, caras demais…
- E para aqueles que ainda bradam a alta esperança de vida da população para defender a reforma: Quem realmente acredita que somente porque vivemos mais teremos saúde suficiente para trabalhar e ofertar ao mercado de trabalho a mesma produtividade de um jovem concorrente? E será que um operário ou agricultor tem a mesma esperança de vida que um deputado? E se o trabalhador braçal estiver vivo, terá após 43 anos de trabalho a mesma condição física que um político de sucesso aos 67 anos de vida? Terão as caixas de supermercado a mesma forma que Suzana Vieira?
- E se tivéssemos tempo para desfrutar um pouco da vida antes de ficarmos senis ou inválidos?
- Porque a classe política, militares e policiais não serão afetados pela reforma?
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E, sobretudo, o francês não só questiona o bom fundamento da reforma da previdência, mas o francês está também indignado.
Então, uma minoria eleita que se sustenta com dinheiro público (ou seja, dinheiro gerado com meu trabalho), que desfruta de salários e benefícios milionários, aposentadorias vitalícias e cumulativas após poucos anos de trabalho decidiu que eu e a maioria da população vamos trabalhar mais e ficar mais pobres?
Essa é a solução que os indivíduos eleitos e pagos por mim (cidadão francês), pessoas que são teoricamente a elite intelectual do país, ocupantes de cargos públicos dentre os mais bem pagos do mundo, encontraram para resolver o problema da previdência?
No fundo de si o francês está dizendo embravecido ao governo Macron: –Manu, fala sério?! Não vem com essa pra cima de moi!