Cancela ou não? Fluctuat Nec Mergitum!

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O lema Fluctuat Nec Mergitum acompanha o navio representado no brasão de Paris. Ambos, como era de se esperar, têm suas origens no rio Sena, em histórias de poder e confrontos.

O rio que cruza a cidade, sempre teve um papel importante na vida dos parisienses, sendo fonte de água, comida, mercadorias e dinheiro. Já na antiguidade os navegantes se tornaram influentes personagens da sociedade local graças ao controle de boa parte destas riquezas. Nos tempos feudais, um primórdio sindicato se formou e mesmo antes do capitalismo impunha leis e exigia respeito. O chefe desta confraria de mercadores náuticos era denominado “le prévot des marchants” e o cargo oficial de prefeito dos mercadores o tornava um dos mais poderosos membros da cidade.

O  “prevôt des marchands” Etienne Marcel é um claro exemplo deste poder culminante, quando em 1358 mata a comitiva do rei Charles V no palácio da Conciergerie por questões politico-fiscais, obrigando Charles V, ainda estarrecido,  a sair as ruas e apoiar sua causa. Este episódio deu inclusive origem a mudança do governo real da Conciergerie de Paris para o Louvre, mas esta é outra história.

O primeiro selo com a imagem do navio aparece no século 13, usado em documento administrativo para carimbar um direito comercial obtido pelos navegantes. No século 16 os navegantes adotam a imagem do selo como brasão. As imagens, tanto do brasão como do selo sofrerão pequenas modificações no decorrer dos anos, sendo utilizados por burgueses e até mesmo por Napoleão I. Em 1853 o barão de Haussam, prefeito de Paris sob império de Napoleão III, oficializa finalmente o brasão e o lema acima como símbolos da cidade.

Selo  datando de 1210

 

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Fluctuat Nec Mergitum pode ser traduzida aproximadamente como: ( O barco) vacila sob o bater das ondas, mas nunca afunda.*

Um grupo de jovens pintou esta frase nas imediações da Place de la Republique no fim de semana passado e desde então ela tem se tornado muito popular por aqui, sobretudo nas redes socias como lema anti-terrorista.

Muitos têm perguntado se devem cancelar sua viagem para Paris nos próximos dias. Fica aqui minha resposta: Fluctuat Nec Mergitum!

Com exceção do policiamento reforçado e controles de segurança nas entradas de museus, espetáculos e repartições, a vida continua como sempre foi. Os mercados de Natal estão abertos, a cidade iluminada e enfeitada, pronta para receber seus amantes.

Matando pessoas os terroristas não ganharam nada, mas ganhariam se lograssem nos impôr medo e uma conduta restrita e sem liberdade. O retorno à vida normal, as constantes multidões na Place de la Republique e na frente do Bataclan mostram que o Francês não se deixa abater ou intimidar. Não  vamos viver amedrontados ou mudar nossos planos temendo meia dúzia de moleques aloprados ( sejam eles manipulados por Daesh, Al Qaida ou Boko Haram).  E você, mudaria?

 

Nota:*A tribo dos Parisis resistiu às invasões Vikings, Géneviève e sua cidade resistiram a Atila, Charles Martel resistiu aos Saladinos, a população francesa resistiu à monarquia, assim como séculos mais tarde resistiu à Hittler. Fluctaut Nec Mergitum!

 

Même pas peur!

13 de novembro 2015 Uma série de seis ataques causou em torno de 128 mortos e 200 feridos na Capital Francesa esta noite. 8 terroristas estão mortos, dos quais aparentemente, 7 com suas próprias bombas; 4 kamikazes no Bataclan e 3 no Estádio de França.

Enquanto ouvíamos as sirenes de carros de polícia de todos dos tipos, acompanhávamos, eu e a “petite famille” os fatos pela televisão. Obama apareceu na tela com seu discurso antes de François Hollande. Hein!? Obama fez um discurso americano simples, cheio de simpatia, apoio e promessas de represália aos inimigos e culpados, com suas frases pré-concebidas, típicas da cultura americana. American way of live é um pouco assim: casas pré-fabricadas, comida manufaturada, discursos que já usavam copiar/colar antes mesmo do computador. Enfim, sem julgamento de valores, não me levem a mal, não tenho nada contra os EUA, falo de questões puramente culturais. Não estou nem falando sobre o fato dos países ricos ficarem como urubus olhando a África como uma cesta de escorpiões, esperando que se maténs uns aos outros para dividir a carniça, não!

Enquanto isso a equipe de Hollande preparava seu discurso. Detesto o Hollande, mas equipe serve para escrever um bom discurso e isso um presidente Francês tem que ter. Segue parte de suas palavras:

Um apelo à unidade e sangue-frio

“Dans cette période si douloureuse, j’en appelle à l’unité, au rassemblement, au sang-froid. Je m’adresserai au parlement réuni en Congrès à Versailles, lundi. La France est forte et même si elle peut être blessée, rien ne pourra l’atteindre. Elle est solide, active, vaillante et triomphera de la barbarie. L’histoire nous le rappelle et la force que nous sommes capable de mobiliser nous en convainc”, a-t-il ajouté.

Neste período tão doloroso eu faço um apelo à unidade, ao reagrupamento, ao sangue-frio. Eu falarei com o Parlamento reunido em Congresso a Versalhes, segunda-feira. A França é forte e mesmo se ela “pode estar” ferida, nada poderá atingi-la. Ela é sólida, ativa, valente e triunfará sobre a barbaria. A história nos recorda e a força que somos capazes de mobilizar em nós nos convence…

Quem se lembra?

20 de maio de 1978 Terroristas palestinos abriram fogo contra um grupo de passageiros embarcando para Tel-Aviv aeroporto de Orly. Avaliação: 8 mortos (três membros do comando, dois CRS e três passageiros). Três passageiros feridos.

3 de outubro de 1980, uma bomba escondida em uma mochila de uma moto explodiu em frente a grande sinagoga da Rua Copernic no 16º no momento da oração. 4 mortos e aproximadamente 20 feridos.

9 de agosto de 1982, um comando de cinco assassinos abriu fogo e lançou granadas dentro do restaurante “Goldenberg”, rue des Rosiers, no coração do bairro judeu de Paris. Resultado: 6 mortos. O ataque, no momento atribuído ao grupo Abu Nidal, ainda não foi esclarecido.

15 de julho de 1983, a explosão de uma bomba perto dos balcões de check-in da Turkish Airlines no aeroporto de Orly causou 8 mortos e 54 feridos. Em março de 1985, três armênios foram respectivamente sentenciados por este ataque à prisão perpétua, 15 anos e 10 anos de prisão.

31 de dezembro de 1983: a explosão de uma bomba colocada perto de um guarda-malas automático fez dois mortos e 34 feridos na estação Saint-Charles de Marseille. Alguns minutos antes, outra explosão havia feito três mortos e três feridos a bordo do TGV Marselha-Paris. Estes dois ataques foram reclamados pela ‘organização de luta armada árabe’ ligada ao terrorista Carlos.

17 de setembro de 1986, um atentado a bomba na frente da loja Tati, rue de Rennes, em Paris resultou em 7 mortos e 55 feridos. Este foi o primeiro dos quinze ataques feitos pela rede terrorista pro-iraniana de Fouad Ali Saleh, entre 1985 e 1986, dos quais três falharam, totalizando 13 mortos e 303 feridos.

Em 25 de julho de 1995, uma bomba explodiu em um trem da estação RER Saint-Michel, no coração de Paris, causando 8 mortos e 119 feridos. Este ataque, atribuído a extremistas islâmicos argelinos, foi o mais mortal de uma onda de nove ações terroristas, que teve um total de oito mortes e mais de 200 feridos no verão do mesmo ano. Em 2002, dois homens foram condenados à servidão penal perpétua para três dos ataques.

3 de dezembro de 1996, um atentado em um trem da estação de RER B Port-Royal (Paris V°) fez quatro mortos e 91 feridos. Esta ação terrorista com cilindro de gás teve semelhanças com a onda de ataques de 1995.

De 11 a 19 de março de 2012 Mohammed Merah, um terrorista Franco-argelino matou sete pessoas em Toulouse e Montauban: três soldados e quatro civis, incluindo três crianças em uma escola judaica.

De 7 a 9 de janeiro de 2015: em 7 de Janeiro, os irmãos Kouachi abriram fogo na sede da Charlie Hebdo em Paris, matando 12 pessoas, incluindo cinco desenhistas do jornal satírico. Ambos foram mortos a tiros por policiais, horas mais tarde, em um galpão na periferia de Paris. 9 de Janeiro, um jovem chamado Coulibaly, que havia matado um policial municipal no dia anterior, mata quatro pessoas e leva cerca de 20 reféns em um supermercado kosher em Paris, antes de morrer numa investida das forças da ordem. Os três homens se reivindicaram membros do Al-Qaeda, da Península Arábica (AQAP).

Vejo que esse é o maior atentado da história da França, mas não o único. Se estou com medo? Hoje vou aproveitar que é sábado e cuidar da casa, enquanto o dispositivo entra em posição. As vésperas da COP 21 tenho certeza que o Estado tomará todas as medidas para que a França continue sendo um país seguro.

A perda das pessoas é uma aberração. Quando alguém morre, uma das coisas que mais dói para os envolvidos é ver que a vida continua. Como dói para uma pessoa em luto constatar que apesar da perda, fora da sala de velório o mundo segue girando, os carros passam indo e vindo, as pessoas caminham indiferentes levando suas vidas a diante. Meus sinceros sentimentos aos familiares e amigos das vítimas, especialmente aos familiares dos dois brasileiros atingidos no Café Cambojge. Não há palavras para consolar tanta injustiça e sofrimento humano, sei que para vocês as coisas não serão fáceis por um bom tempo, que a vida não será jamais tão feliz como antes. Para os demais, é muito triste e porém ao mesmo tempo reconfortante saber que apesar da grande tensão e anúncios mediáticos, amanhã, saindo desta grande sala de velório, constataremos que a vida em Paris terá voltado ao normal. E de cabeça erguida lembrar-nos-emos do que dizem as crianças francesas após um grande susto: -Même pas peur! (“seu gesto não deu nem medo!”).

Observação: O governo pede ao público que fique hoje excepcionalmente em suas casas. A Torre Eiffel e Versalhes estão fechados até nova ordem.

Uma missa vai ser rezada na Notre Dame de Paris neste domingo as 18h30 para as vítimas, seus familires e amigos.