Na última quinta (05), a Secretaria de Cultura e Turismo de Salvador divulgou a sua mais nova tentativa para movimentar o Centro Histórico. Trata-se de um novo modelo para o Pelourinho Dia e Noite, projeto famoso da década de 90, reeditado no primeiro mandato da atual gestão municipal e relançado agora com um outro formato e algumas novidades.
A proposta é ocupar a região “de domingo a domingo”, como ficou claro no marketing de lançamento, e atrair principalmente o público soteropolitano, que pouco associa o Pelourinho a uma opção de lazer em Salvador. O calendário inclui apresentações de orquestras, musical de rua, desfiles de grupos de percussão, shows de samba, eventos gastronômicos e exibição de filmes, entre outras atividades.
Uma das maiores reclamações das operadoras e agências de turismo é que à exceção do Verão, a agenda de eventos de Salvador não é muito bem definida. Tirando os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, no resto do ano ninguém tem muita certeza do que vai encontrar em Salvador – e eventos esporádicos acabam sendo divulgados com pouca antecedência para chegar ao ponto de criar demanda de turistas pra cá. Só por isso, a iniciativa de criar um calendário desde outubro já é mais do que bem-vinda.
E o que o Pelourinho Dia e Noite vai trazer para o público? Confira abaixo:
Todas as sextas-feiras, às 19h, o musical ‘Circuito Jorge Amado’ vai sair pelas ruas do Pelô, começando no Largo do Pelourinho, com o velório de Quincas Berro d’Água, e encerrando na frente da Cantina da Lua, no Terreiro de Jesus. Quer mais? A trilha sonora é do cantor Gerônimo.
Salvador não vive só de OSBA e NEOJIBA, e as pessoas precisam saber disso! Agora dá para acompanhar de perto os ensaios de outras orquestras de Salvador, que vão ocupar pelo menos quatro igrejas do Centro Histórico (até a do Boqueirão entrou na roda, que eu nunca consegui visitar porque vive fechada): às segundas-feiras, às 17h, ensaio da Orquestra Afrosinfônica na Igreja do Boqueirão; às terças, às 17h, ensaio da Sanbone Pagode Orquestra na Igreja da Misericórdia; às quartas, às 18h, missa orquestrada com a Orquestra São Salvador na Igreja São Domingos; aos sábados, às 10h, ensaio da Orquestra de Câmara de Salvador na Igreja do Carmo. Tudo com entrada gratuita.
Todas às terças, além da missa mais linda do mundo – na Igreja do Rosário dos Pretos, às 18h – tem também Viradão do Samba, das 19:30h às 21h, em locais diversos (Praça da Sé, Terreiro de Jesus e Largo do Pelourinho). Entre os destaques, tem o show do Grupo Botequim, que há anos promove o famoso Samba do Santo Antônio, sempre às sextas. Recapitulando: missa no Rosário às 18h; samba no Pelô às 19:30h. Copiou?
Além disso, pelo menos duas vezes por mês vai rolar o Domingo Gastronômico – espécie de festival que vai misturar culinária e arte com a presença de atores, músicos e performers. Mais de 15 restaurantes do Pelourinho estão participando (e alguns cardápios foram criados só para o evento). Para completar, tem a República dos Tambores, com Banda Didá, Kizumba, Tambores e Cores e Meninos da Rocinha do Pelô, circulando pelas ruas do Pelourinho de quarta a domingo, em horários pré-definidos. E a novidade é que o Carmo e o Santo Antônio, apesar de não serem Pelourinho propriamente dito, também foram encaixados no roteiro do projeto, com performances artísticas na rua principal e cinema ao ar livre no Largo de Santo Antônio (apenas em datas específicas).
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Tudo isso seria lindo como 2 e 2 são 4, se não fossem os vários problemas inerentes ao Centro Histórico. Antes que você ache o projeto revolucionário, é importante lembrar que a Prefeitura não está inventando a pólvora com o Pelourinho Dia e Noite, e tampouco o Governo do Estado, que há anos oferece programação de shows nos largos Pedro Arcanjo, Tereza Batista e Quincas Berro d’Água, através dos projetos da SECULT.
O caso do Pelourinho não é por falta de programação. Sim, quanto mais atrativos, melhor, mas é preciso ir além: não basta ser cultural; é preciso que o Centro Histórico seja FUNCIONAL todos os dias. A Cultura tem um papel importantíssimo, mas não pode ser utilizada como tapa-buraco, para solucionar questões primordiais. Nos anos 90, acharam que uma camada de tinta e algumas reformas seriam suficientes para revitalizar o Pelô – e até foi, mas por tempo limitado. Já nos anos 2000, insistem em encher o Pelourinho de opções culturais – quase sempre gratuitas – e acham que isso naturalmente vai atrair de volta a população de Salvador.
Primeiro: quando será resolvido o problema do acesso? Chegar ao Centro Histórico de transporte público continua sendo um parto – e à noite, um verdadeiro filme de terror (na volta, eu tenho ido de Uber até o metrô Campo da Pólvora, que sai uns R$7,00). De carro próprio, ou o motorista paga caro aos flanelinhas, ou paga mais caro ainda nos estacionamentos (prédios enormes e com inúmeras vagas). Sejamos francos: não dá pra achar que a galera motorizada vai preferir ir ao Pelourinho pagar R$18,00 por 2h, enquanto 4h no Salvador Shopping saem por R$6,00. Simplesmente não vai acontecer.
Segundo: quando será resolvida a efetiva inclusão da população marginalizada que vive no entorno do Pelourinho? São dezenas de becos e vielas que ficaram de fora da revitalização na década de 90 e que não conseguem ser absorvidos por projetos sociais (porque projeto social não faz milagre). É preciso que o Estado se faça presente e que a iniciativa privada volte a acreditar que o Centro Histórico tem futuro, para que só então se crie um projeto real de acompanhamento, educação e qualificação desses moradores.
Terceiro: quando o Pelourinho vai deixar de ser tratado como cartão postal e de fato integrar-se ao cotidiano de Salvador? Após a superação das duas questões anteriores, ou talvez simultaneamente a elas, é necessário criar ferramentas para que a população frequente o Centro Histórico no dia a dia: atrair empresas e ocupar casarões com órgãos públicos podem ser os primeiros passos para fomentar o comércio – e de quebra, frear a escalada de estabelecimentos que têm fechado as portas no Pelourinho nos últimos anos.
A formação de um novo público para o Pelourinho passa também pela quebra de inúmeros preconceitos que já estão enraizados na mente do soteropolitano médio – o principal deles, de que a região seria perigosa. Concordo que não seja um mar de rosas, mas discordo que seja a zona de guerra que costumam pintar. Como é comum em qualquer Centro de grande cidade brasileira, o lugar sofre em especial com furtos rápidos (turistas são as maiores vítimas), mas eu me sinto muito mais inseguro num bairro de classe média, como a Pituba. E não custa lembrar: o Pelô tem quase uma dupla de policiais a cada 100 metros.
O Centro Histórico de Salvador é indiscutivelmente rico. No dia em que todas essas questões forem levadas a sério, o Poder Público nem vai precisar intervir para lançar projetos de incentivo como o Dia e Noite. A ocupação do Pelourinho ocorrerá naturalmente.
Fico muito feliz em saber que um dos lugares mais lindos do Brasil agora vai estar ainda mais animado e valorizado.
Com certeza, Silvia! Vamos torcer para que a programação se mantenha por um bom tempo!