O peso da política nas viagens corporativas

Tarifaço de 50% dos EUA, novas regras de visto e custos crescentes criam barreiras que exigem planejamento e estratégia das empresas para manter suas agendas internacionais

As viagens corporativas internacionais sempre foram um termômetro da economia global. Quando as empresas reduzem os deslocamentos de seus executivos, não se trata apenas de uma mudança operacional, mas de um reflexo direto do ambiente político e econômico. É exatamente isso que observamos diante das recentes medidas anunciadas pelo governo Trump.

O tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, que entrou em vigor no início de agosto, inclui exceções para itens como suco de laranja, aeronaves civis, petróleo, veículos e peças, fertilizantes e produtos energéticos, que podem ser interpretadas como uma forma de reduzir impactos sobre setores estratégicos. Ainda assim, a nova tarifa tende a elevar custos em diferentes cadeias produtivas e impactar a viabilidade de operações que dependem do intercâmbio com o mercado norte-americano. Além do efeito imediato nos preços, há expectativa de que empresas de diversos setores, incluindo aquelas com atuação nos Estados Unidos, questionem internamente a medida, buscando formas de mitigar seus impactos.

Para o segmento de viagens corporativas, o efeito pode ser significativo. Custos mais altos de exportação reduzem margens e pressionam orçamentos, tornando deslocamentos técnicos, treinamentos e reuniões presenciais mais restritos. Paralelamente, a valorização do dólar e a inflação importada encarecem ainda mais cada viagem, forçando muitas companhias a priorizar encontros virtuais ou postergar agendas presenciais.

A pressão sobre o setor também é intensificada pelas mudanças nas regras de visto norte-americano, que entram em vigor a partir de 2 de setembro. Grande parte dos solicitantes de vistos não imigrantes, incluindo turismo, estudos, trabalho e intercâmbio, precisará comparecer presencialmente a entrevistas consulares. O processo se torna mais burocrático, sujeito a atrasos e filas, o que vai exigir um planejamento ainda mais antecipado. Além disso, em outubro, a nova taxa adicional de US$ 250 elevará o custo do visto para mais de R$ 2,5 mil, somando mais um obstáculo para empresas que enviam profissionais aos Estados Unidos.

O momento exige bom senso e ação coordenada entre governos e setores produtivos. Medidas comerciais e migratórias que elevam custos e criam barreiras de entrada têm potencial de frear negócios, reduzir investimentos e comprometer a competitividade de ambos os países. É preciso que haja ajustes e negociações para evitar um impacto irreversível nas relações econômicas.

Enquanto isso, as empresas não podem esperar. É preciso agir imediatamente: renegociar contratos com maior flexibilidade, incorporar de forma consistente o uso de videoconferências, priorizar destinos alternativos na América Latina e Europa e planejar cada deslocamento de forma criteriosa para extrair o máximo retorno.

Viagens corporativas não são simples deslocamentos: representam um ativo estratégico, fundamental para gerar conexões, consolidar parcerias e abrir novas oportunidades de negócios. Proteger esse ativo em tempos de instabilidade é determinante para sustentar a relevância das empresas no cenário global.

*Luana Nogueira é diretora-executiva da Associação Latino-Americana de Gestão de Eventos e Viagens Corporativas (ALAGEV)

Como a IA está mudando a lógica da gestão de viagens corporativas

Edson Gonçalves, cofundador e VP de produtos na Paytrack

A inteligência artificial (IA) já deixou de ser uma promessa distante. Hoje, ela integra uma série de decisões operacionais e estratégicas no ambiente corporativo, inclusive na gestão de viagens, uma área historicamente marcada por processos manuais, respostas reativas e alto grau de imprevisibilidade.

Nos últimos anos, ferramentas baseadas em IA e análise preditiva começaram a reestruturar a forma como empresas controlam seus deslocamentos e orçamentos. O que antes exigia esforço constante de correção, hoje pode ser conduzido por dados que apontam com antecedência quando, onde e como os recursos serão utilizados. Na prática, isso significa conseguir prever picos de demanda, antecipar compras em períodos mais vantajosos, poder ajustar políticas com base em comportamentos recorrentes e até renegociar contratos a partir de padrões identificados pela própria tecnologia.

Um levantamento da MyCWT, plataforma de gestão de viagens da empresa CWT (anteriormente conhecida como Carlson Wagonlit Travel), mostrou que soluções baseadas em IA já são capazes de prever variações de custos com até 95% de precisão. Isso muda completamente a lógica dos gestores. Em vez de atuar depois que os custos estouraram, é possível construir cenários mais realistas, tomar decisões com antecedência e reduzir riscos operacionais.

Esse tipo de previsibilidade se torna ainda mais relevante quando consideramos o impacto financeiro do setor de viagens dentro das empresas. Uma gestão pouco eficiente pode gerar perdas expressivas não apenas em recursos, mas também em tempo, produtividade e reputação. Gastos fora da política, reservas feitas de última hora e falhas de comunicação com fornecedores são fontes recorrentes de desperdício que poderiam ser evitadas com ferramentas de antecipação.

Outro ponto importante é que a IA oferece ganhos que vão além do custo direto. Ao cruzar dados de comportamento, histórico de viagens e preferências, os algoritmos conseguem identificar padrões que ajudam a personalizar a experiência dos colaboradores, sem comprometer a política da empresa. Isso permite, por exemplo, negociar com fornecedores a partir da real demanda dos usuários, reduzindo gastos com serviços pouco utilizados e fortalecendo acordos mais estratégicos.

A adoção dessas tecnologias ainda encontra resistência em algumas organizações, especialmente pela percepção de que os modelos são complexos ou exigem uma reformulação completa dos sistemas já existentes. Mas o cenário está mudando. Ferramentas mais acessíveis e com integração simplificada vêm ganhando espaço e facilitando a entrada de empresas que, até então, viam a tecnologia como um investimento distante.

Neste momento, o maior desafio é cultural. É preciso reavaliar o papel do gestor de viagens. Ele deixa de ser um executor e passa a atuar como agente estratégico, alguém que utiliza dados não apenas para controlar, mas para planejar e influenciar decisões mais amplas dentro da empresa.

A previsibilidade oferecida pela IA não elimina os desafios da gestão de viagens, mas permite lidar com eles de forma mais estruturada. Em vez de responder a imprevistos com urgência, é possível criar um ambiente de controle contínuo, que antecipa riscos e gera economia.

À medida que essas soluções evoluem e se tornam mais comuns no mercado, é natural que a expectativa em torno dos resultados também aumente. Empresas que aprenderem a utilizar esses dados de forma prática, integrando-os à rotina de planejamento, estarão mais bem preparadas para lidar com flutuações econômicas, demandas inesperadas e mudanças no comportamento de consumo.

A gestão de viagens do futuro será orientada por dados. E, dentro desse contexto, prever será mais importante do que reagir.

*Edson Gonçalves é cofundador e VP de produtos na Paytrack, plataforma all-in-one definitiva para a gestão de despesas e viagens corporativas. O executivo possui quase 20 anos de dedicação ao campo da tecnologia.

Gestão de risco: quando estar preparado faz toda a diferença

É em momentos de crise que percebemos o valor de um bom planejamento. Quando falamos sobre a organização de eventos corporativos, inclusive internacionais, especialmente em regiões com contextos geopolíticos sensíveis, a gestão de risco precisa estar no centro da estratégia e não ser vista como um item opcional ou de última hora.

Recentemente, um grupo de políticos do Brasil viajou a Israel, a convite do governo daquele país, para um evento voltado à inovação em segurança pública. Durante a estadia, um conflito entre Israel e Irã se intensificou, o que causou o fechamento do espaço aéreo e forçou os brasileiros a se abrigarem em bunkers, que são estruturas subterrâneas fortificadas. A repatriação da comitiva, só possível após dias de articulação entre a Confederação Nacional de Municípios (CNM), o Itamaraty e o Palácio do Planalto, demonstrou claramente como uma crise pode se instalar repentinamente e como é importante ter um plano de ação bem estruturado para responder a ela.

O episódio serve como alerta: em um mundo cada vez mais interconectado, instável e dinâmico, empresas e governos precisam contar com protocolos robustos de gestão de risco para seus eventos e viagens internacionais. E isso vai muito além de checar a previsão do tempo ou garantir um seguro-saúde.

Gestão de risco, nesse contexto, significa avaliar previamente os possíveis cenários de instabilidade política, climática, sanitária ou de segurança no país de destino. Significa ter protocolos de evacuação, canais diplomáticos acessíveis, apoio jurídico e médico, e, principalmente, contar com parceiros internacionais que ofereçam suporte logístico e operacional global, caso uma crise impeça a movimentação imediata de participantes.

A repatriação dos gestores brasileiros só aconteceu pela mobilização de forças institucionais e diplomáticas de alto escalão. Em muitos casos corporativos, sem o envolvimento direto de governos, esse tipo de operação dependeria exclusivamente da preparação prévia feita pela empresa ou entidade organizadora do evento, além dos seus parceiros logísticos e de mobilidade internacional.

E não se trata da necessidade apenas em eventos em zonas de guerra. Gestão de risco também se faz necessária em encontros realizados durante períodos de instabilidade climática, como furacões nos Estados Unidos ou enchentes repentinas na Europa ou até mesmo no Brasil. A pandemia do coronavírus é outro exemplo recente: empresas com programas estruturados conseguiram reagir mais rapidamente às restrições de fronteira, mudanças de legislação e cancelamentos de viagens em massa. Outros casos emblemáticos incluem manifestações políticas em grandes cidades, fechamento de aeroportos por greves gerais, ou até mesmo incidentes naturais como terremotos e erupções vulcânicas.

Para quem atua na organização de viagens corporativas, feiras e convenções, o aprendizado é claro: é preciso investir em inteligência de risco, análise geopolítica e protocolos de contingência. Não basta torcer para que tudo ocorra bem. É necessário planejar, com o máximo de detalhes possíveis, como reagir se algo der errado.

Luana Nogueira é diretora-executiva da Associação Latino Americana de Gestão de Eventos e Viagens Corporativas (Alagev)