Alguém aí poderia esperar que um ser invisível a olho nu interromperia, em questão de dias, uma atividade que existe oficialmente há mais ou menos 300 anos e não-oficialmente desde sempre, quando o homem começou a se locomover pelo planeta? Pois é, mas aconteceu há uns 30 dias aqui no Brasil.
Nem o mais preparado dos empresários, executivos e empreendedores do Turismo, da Hotelaria ou dos Eventos Corporativos sabia ou ainda sabe o que fazer. Ficamos completamente inertes e abismados com a situação, soterrados pela avalanche. E isto porque nossos setores dependem basicamente de duas variáveis: movimentação (mobilidade) e aglomeração de pessoas. As duas atualmente estão entre as atividades mais perigosas da humanidade!
As corporações, a princípio resistentes, tiveram de se render à avalanche que vinha (literalmente) do alto do mundo (Europa e EUA): suspender todas as viagens não-essenciais, cancelar todos os eventos de pequeno, médio e grande porte e enviar as pessoas para trabalharem em casa.
As agências de viagens corporativas estimam uma queda de 45% em seu faturamento neste ano. Fico nos imaginando nos anos de 2021 e 2022 olhando relatórios de 2020 e vendo um enorme buraco nos gráficos (todos) entre os meses de Março e Junho (e ainda estamos em Abril!)
Não, as coisas não voltarão ao pré 16-03-2020. E quem ou o que retomar seu fluxo (mas não a sua normalidade), deverá fazê-lo gradualmente, por um motivo simples: haverá medo, a epidemia não estará 100% controlada e qualquer vacina bem-sucedida demorará a chegar às grandes massas. Este vírus é extremamente agressivo e de fácil proliferação.
Novas maneiras de se cumprimentar, higienização permanente de estandes, banheiros, corrimãos, funcionários medindo a sua temperatura nos aeroportos (além de revirar a sua mala de mão), mais tempo em filas de segurança e raio-X. Pessoas olhando torto e se afastando de você quando espirrar ou tossir (imagina dentro dos aviões e elevadores?). O mundo dos próximos 8 meses será muito neurótico e pouco caloroso.
Nos Hotéis, as regras de limpeza da Governança terão de ser revistas e apertadas. Com isto, hotéis econômicos que são mais “flexíveis” com sua limpeza e higienização vão ter de rever suas práticas. E as corporações, reverem suas políticas de segurança e assistência a viajantes, pois serão civilmente responsáveis em NÃO expor seus colaboradores a riscos, além de prestarem ajuda caso se contaminem fora de suas cidades de origem.
Eventos menores, com estrutura mais austera, devem ocorrer. Empresários do setor já correm para mesclar as aglomerações físicas com a tecnologia (chamados de eventos híbridos), com âncoras virtuais para os espectadores das câmeras. O improvável aconteceu, e todos se renderam aos encontros virtuais para continuarem interagindo, aprendendo, não se sentirem excluídos das novidades e tendências.
Fusões, aquisições e uma “pejotização” da área serão inevitáveis. A GIG Economy vai chegar com força aos 3 setores para permitir a sobrevivência profissional dos que sabem fazer organização de eventos, consultoria de logística para viagens corporativas, agenciamento, criação de marketing e redes sociais. E os CNPJs mais parrudos e antigos precisarão eliminar custos de contratação e manutenção de folhas de pagamento.
O lazer tradicional – com grandes grupos, voos charters ou bloqueados e resorts lotados – vai demorar a voltar ao que era. Não será possível que volte tão cedo – os ricos deverão isolar-se em suas mansões de condomínios, e a classe média estará quebrada até o fim de 2020 (no mínimo). Devem ganhar o turismo rodoviário e deslocamentos de até 500km em carro próprio, bem ao estilo europeu e norte-americano (viajar com a família, parar nas estradas). Quem sabe surgem meios de hospedagem e equipamentos turísticos que saibam aproveitar esta nova demanda que será criada?
Isto tudo também porque as pessoas não terão receita para pagar passagens de avião nem hotéis caros (e o Brasil é caro para se locomover, dada a oferta limitada que causa pouca concorrência, e o custo alto de operação dos negócios). Sejamos realistas! Os 3 setores, por serem extremamente interdependentes, vão demorar a reagir – foram os primeiros a serem impactados, e serão os últimos a saírem dos escombros.
A meu ver, o que deve ocorrer é o governo federal estimular fortemente um grande setor da economia (como a agricultura, obras públicas, saneamento, mineração, setor financeiro) e fazer a roda voltar a girar pelo próprio mercado. Um setor vai puxando o outro. A grande verdade é que esta crise sufocou o Brasil porque nossa economia é fortemente baseada no setor de serviços – sofremos um forte processo de desindustrialização, não produzimos tecnologia nem patenteamos nada, e não fosse a agricultura, estaríamos em um caos ainda pior há muitos anos. Por isto a sensação de que o País inteiro parou – porque de fato, quase todo o País depende do setor de serviços.
Assim que a corrente de setores produtivos da economia começar a girar (os que tocam os pianos), nós, os que carregamos os pianos, entraremos no embalo. Nossas áreas não geram negócios na fonte, mas viabilizam praticamente todos – seja através de uma reunião individual entre dois CEOs (viagens e hotelaria), seja através de uma mega-feira de negócios com 10.000 participantes (eventos). Mas não sejamos inocentes em cenário de terra arrasada! A realidade está à nossa frente, só que não tem outro jeito a não ser torcer para que o dinheiro volte a circular e a confiança se restabeleça nos setores verdadeiramente produtivos da economia – peças-chave para retomada dos negócios, e consequentemente, provocando o renascimento do Turismo, da Hotelaria e dos Eventos.
Lembro-os que somos as veias que bombeiam sangue ao coração da economia – o setor produtivo – mas não o coração propriamente dito. Não se iludam com promessas de reativar estes três setores por si só. Nós dependemos inteiramente dos setores primário, secundário e de alguns do terciário para voltarmos a existir.
Bela análise e síntese.
Muito obrigado Rodrigo!