mulheres hindus peregrinando

Romeiros e peregrinos desconhecem sazonalidade

“É de sonho e de pó
O destino de um só
Feito eu perdido em pensamentos
Sobre o meu cavalo”

O turismo religioso, ao contrário dos demais segmentos na indústria de viagens, não depende de sazonalidade, principalmente quando se trabalha com diferentes expressões de fé. É claro que há calendários de festas, como o Festival Holi e o Círio de Nazaré. Assim como a Páscoa com diferentes cidades organizando as encenações da Paixão de Cristo. Mas a grande parte das viagens, individuais ou em grupo, aos santuários sagrados pode se dar em diferentes épocas do ano.

A motivação de uma viagem espiritual é dada por inquietações internas, a necessidade de reencontro com valores sagrados ou ainda datas que fazem sentido apenas ao viajante, como agradecimento por uma cura, um rito de iniciação ou de celebração. Nesse sentido, há muitas ofertas e possibilidades de roteiros: retiros espirituais, seminários de casais, batismos, renovações de votos e, principalmente,  as expressões mais antigas de viagem de fé, peregrinações e romarias. E confundi-las, ou achar que são a mesma coisa, é pecado mortal, principalmente para quem busca fidelizar clientes e gerar demanda.

Romaria e peregrinação são conceitos importantes para entender o turismo religioso

O termo peregrinação indica uma jornada para encontrar o “outro” e na maior parte das vezes em terras distantes. Esse “outro” pode ser inclusive, um lado desconhecido do próprio viajante, em uma experiência mística, que permite até mesmo o reencontro com divindade no seu próprio âmago, em uma vivência de santificação. Dentro desse contexto, é  preciso que essa jornada se dê em um ambiente distinto daquele que o sujeito vive. Quanto mais longe e diferente de sua cultura, melhor. É preciso quebrar rotinas, provocar desconforto, para que a realidade seja vista de um outro ângulo e uma reavaliação da existência possa ser feita sem vícios. Descobrir talentos e habilidades pessoais até então desconhecidos é um dos grandes objetivos. Não raramente os peregrinos, por mais planejada que tenha sido a viagem, sentem-se solitários, fisicamente exaustos no meio da caminhada, pensando em desistir, e ao chegar no destino final, são tomados de um sentimento de inesquecível de vitória e superação, o que os motiva a repetir a experiência anos depois.

No entanto, diferentemente do que acontecia no passado, observa-se cada vez mais peregrinos que não são fieis praticantes de uma religião. A crescente autonomia das experiências religiosas tem incentivado pessoas a experiências em busca do self, desvinculadas das instituições religiosas, mesmo que em lugares considerados sagrados por certas tradições. Há peregrinações em Israel e Santiago de Compostela, mas novos caminhos têm surgido, como Machu Pichu, Egito e Croácia. Tal fato confirma a supra religiosidade da peregrinação. Ela não está vinculada a nenhuma igreja. Há peregrinações em particularmente todas as confissões.

Por outro lado, as romarias são deslocamentos mais curtos, jamais individuais, e com forte identidade festiva.  É uma expressão muito forte do catolicismo ibérico e replicado na América Latina, de apelo mais popular. As romarias estão muito vinculadas a datas e santos específicos. Hoje as peregrinações podem ser consideradas menos institucionalizadas que as romarias, embora a origem da palavra desta última seja a cidade de Roma.

Há evidentemente outro fenômeno, mais paroquial e bem menor: as procissões, que se espiritualmente podem ser consideradas essenciais, para o turismo não tem a mesma relevância das anteriores.

Os novos peregrinos são como enoturistas, querem descobrir novos roteiros

O agente de viagens precisa ter ciência dos calendários de festas religiosas e conhecer destinos de romarias. Mas pode também identificar o surgimento de novos trajetos para peregrinações. Novidades aparecem a cada ano. E uma vez peregrino, sempre peregrino.

Para esses clientes, que buscam vivências interiores e momentos de reflexão, não importa se um caminho sagrado teve origem católica, hindu ou muçulmana. A segurança, o simbolismo e a tradição é que importam. Ainda que o próprio viajante atribua o caráter transcendental da viagem, é preciso que o destino tenha uma egrégora de santidade. Sem esquecer é claro, das experiências gastronômicas, culturais e artísticas. Porque os outros segmentos não invalidam o turismo de fé. Ao contrário, cada vez mais o turismo de aventura, o enoturismo e as viagens de bem estar encontram-se amalgamadas com viagens espirituais.

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Ricardo Hida

Doutorando, Mestre em Ciência da Religião e pesquisador da PUC-SP em Turismo religioso, é escritor e professor. Graduado pela FAAP e pós-graduado pela Casper Líbero, trabalhou na Air France, Accor, Atout France e hoje dirige a Promonde, consultoria de marketing e comunicação. Escritor, está à frente também do Fórum de Turismo e espiritualidade. Foi em uma viagem de imprensa a Lourdes, na França, na época em que era diretor adjunto do escritório de Turismo francês no Brasil, que Ricardo Hida compreendeu a dimensão do Turismo religioso. Ao voltar para São Paulo, foi conhecer mais sobre esse universo que movimenta milhões de viajantes a cada ano em todo o mundo, há muitos séculos. Romarias, peregrinações, retiros. Não importa a tradição, o segmento não para de crescer.