Espaço sagrado e turismo

O turismo religioso avança no Brasil. E se não se desenvolve mais rapidamente, não é por falta de números expressivos tampouco por falta de fé. Para o turismólogo Sidnesio Moura, é a falta de entendimento da indústria e do poder público que atrapalha o setor. Sobretudo o entendimento do que é um Espaço Sagrado e a infraestrutura que exige. E é por essa razão que o ele criou a Associação Brasileira de Turismo Religioso, juntamente com Amadeu Castanho e outras referências no Turismo Religioso do Brasil, entre os quais a Professora Dra. Marlene Huebes e o Professor Dr. Josimar Azevedo, responsável pelo Caminho Religioso da Estrada Real.

Sidnésio é especialista em turismo religioso, membro da Comissão de Diálogo Ecumênico e Inter-religioso da Arquidiocese de Natal, coordenador da Pastoral do Turismo na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, idealizador do Caminho dos Santos Mártires, roteiro que une 9 destinos no RN com aproximadamente 200km, e CEO da MS Consultoria em Turismo

Veja o diagnóstico do vice-presidente da Associação Brasileira de Turismo Religioso para o segmento em nosso país.

1. Há quanto tempo e por que você decidiu trabalhar com turismo religioso?

Eu prefiro falar de quando o meu foco se tornou total no turismo religioso. Isso se deu em 2014. A minha decisão em atuar no segmento se deu pelo amor ao turismo e, em segundo lugar, por ser católico atuante e ter visto, e continuar vendo, muitos erros referentes a definição do que é Turismo Religioso.

Entre 2014 e 2015, o Ministério do Turismo divulgou uma estatística referente às viagens religiosas, que alcançariam um público no Brasil de 17,7 milhões de pessoas, com um impacto econômico de 15 bilhões de reais, abrangendo 344 destinos e 96 atrações. Esses números já partiam de um equívoco: em 2005, quando o Mtur informava que o Brasil alcançava 8 milhões de pessoas no turismo religioso, apenas o Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em Aparecida (SP), já recebia 8.005.000 peregrinos.

Na pesquisa de 2014, o Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida (SP) registrava 12.112.583 peregrinos; o Divino Pai Eterno, em Trindade (GO), atingia 4.000.000; o Círio de Nazaré em Belém (PA) atingia 2.400.000 e o Santuário de Santa Paulina, em Nova Trento (SC), 840.000 peregrinos. É só fazer o cálculo e perceber que apenas quatro destinos do Turismo Religioso no Brasil ultrapassam as informações divulgadas pelo Mtur.  Essa pesquisa fora realizada na época por mim e o jornalista Amadeu Castanho, da revista eletrônica Viagens de Fé. Isso me preocupou e me fez ter uma atenção maior em buscar orientar as pessoas sobre o Turismo Religioso, e com as estatísticas, que muitas vezes podem ser falhas.

2. ⁠Qual o potencial segmento no Brasil?

O principal potencial do Turismo Religioso no Brasil e referência é a Basílica de Nossa Senhora Conceição Aparecida em Aparecidaque todos os anos recebe milhões de peregrinos vindos de toda a parte do Brasil.

3. ⁠Onde estão as maiores dificuldades do setor?

A maior dificuldade do Turismo Religioso é o foco, o Espaço Sagrado, enquanto estrutura física. O Turismo Religioso hoje está voltado na construção de grandes imagens, fugindo do ponto principal que é o Espaço Sagrado. Esse deve ser bem-preparado para acolher o turista, principalmente no treinamento de quem irá receber estas pessoas, iniciando pelo sacerdote, os religiosos, de maneira geral, e as diferentes lideranças, além dos demais agentes envolvidos. E quando falo de Espaços Sagrados não me refiro apenas ao Catolicismo, que ainda é o incentivador e motivador do Turismo Religioso, mas me refiro a todas as religiões que possuem potencial para o Turismo Religioso.

4. ⁠Que destinos nacionais são benchmarking?

No Brasil vale apena realizar uma visita técnica a Basílica de Nossa Senhora da Conceição Aparecida em Aparecida (SP), ao Santuário de Santa Paulina em Nova Trento (SC), ao Divino Pai Eterno em Trindade (GO), a Canção Nova (SP), e ao Santuário de Irmã Dulce em Salvador (BA). São espaços que estão preparados não apenas para um momento de devoção através do ato da fé, mas sobretudo criaram atrativos para que o peregrino fique mais tempo, visitando lojinhas onde podem ser comprados souvenires do santo de devoção no lugar visitado.

5. ⁠Que experiência religiosa vale a pena viver no Brasil?

Sem dúvida nenhuma, a Basílica de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em Aparecida. É impressionante presenciar a fé das pessoas que vão ali. Muitos saem a pé de outras cidades ou Estados, pagando promessa. Presenciei idosos, jovens e adultos, caminhando de joelhos até a Basílica, em um ato de fé, que nos faz questionar e analisar a nossa própria vida e nossa fé diante de Deus. E através dos seus testemunhos, fazem com que cada um de nós possamos voltar a nossa intimidade e amor a Virgem Maria.

6. ⁠Quais destinos que você acredita que podem se desenvolver?

Não sei se posso dizer se desenvolver, mas que já estão em passos de desenvolvimento:

Santa Cruz (RN), com a Imagem de Santa Rita, que tem cada vez sendo referência em Turismo Religioso no Estado; as cidades de Juazeiro do Norte e Canindé no Ceará. Para mim o Nordeste hoje é o maior celeiro de devoção e romarias do Brasil, embora falte capacitação e um cuidado maior com a infraestrutura turística dos destinos espirituais. Estados como Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Ceará e Rio Grande do Norte vêm despontando no Turismo Religioso, mas é necessárias mais capacitações, principalmente no que se refere as agências e Operadoras de Turismo que colocam em seus portfolios o turismo religioso, mas não entendem nada do assunto. Lembro de uma fala do Cardeal Vèglio, na Revista Povos em Movimentos nº 21: Para isso, pedimos uma sensibilidade especial por parte do mundo civilizado e de negócios, que reconhece e respeita a dimensão espiritual, a “viagem interior”

Com isto a maior dificuldade está o entendimento e o respeito por esta dimensão espiritual!

7. ⁠Como fazer o segmento crescer no Brasil?

Hoje o primeiro passo já foi dado, a criação da Associação!

Agora precisamos avançar para que os eventos, feiras, simpósios, congressos e seminários voltados ao turismo no Brasil possam dar um espaço para o Turismo Religioso. Principalmente no que se refere a orientação e palestras.

Eu sempre falo que quem faz turismo de sol e praia, ou turismo de aventura, não faz turismo religioso. Mas quem faz turismo religioso pode fazer sol e praia, aventura, lazer, ecológico… O turismo religioso tem a possibilidade de se unir a variedade de segmentos do turismo gerando um forte impacto econômico no destino.

8. ⁠Qual seu trabalho em nível associativo?

Atualmente, eu estou vice-presidente da Associação Brasileira de Turismo Religioso – ABTUR. A Associação teve como iniciativa um grupo que eu e o jornalista Amadeu Castanhos criamos no WhatsApp no ano de 2014. Em 2022 nós a tiramos do papel e demos início a fundação da Associação, onde temos por Presidente o Eluisio Antônio Voltoline. A sede da Associação está em Nova Trento, em uma sala cedida para nós no Complexo Religioso do Santuário de Santa Paulina, mas também em nosso estatuto reza que a sede da Associação acompanha o local de residência do Presidente.

o arauto do turismo religioso

Quando iniciei minha carreira, em uma pequena publicação de moda, eu tinha como referência profissional o jornalista português, radicado no Brasil, Fernando de Barros. Ele fora editor de moda de grandes publicações, como a revista Playboy e VIP, embora o que mais chamasse a atenção naquele mundo de egos inflados, tendências e – paradoxalmente- pouca elegância era seu visual impecável e o comportamento que esbanjava gentileza, discrição e erudição.

Fernando era unanimidade. Do escritor Ignácio Loyola Brandão a Costanza Pascolato, passando por Gloria Kalil, todos reconheciam nele a personificação do adjetivo gentleman. Curiosamente, sempre que encontro Amadeo Castanho nos eventos de turismo, Fernando me vem à memória. Talvez pela serenidade na fala, o respeito irrestrito às normas de etiqueta, assim como a generosidade em compartilhar conhecimentos que ambos sempre externaram.

Amadeo é hoje editor da revista eletrônica Viagens de Fé e tem cursos de especialização em Hotelaria, Marketing e Publicidade, entre outros, atuando como consultor nesses três segmentos.

O jornalista Amadeo Castanho passou por algumas das mais importantes instituições católicas do país.

Foi gerente de Marketing na Fundação João Paulo II (Canção Nova), consultor da Associação do Senhor Jesus (TV Século XXI) e trabalhou na Pastoral da Comunicação (PASCOM) da Arquidiocese de São Paulo e no Ministério de Comunicação da Renovação Carismática Católica de São Paulo.

Nesta conversa, ele apresenta um pouco sua visão dessa indústria, sempre em crescimento.


Como você começou a trabalhar com turismo religioso?

Cheguei ao turismo religioso em função da minha atuação na área de Comunicação de movimentos religiosos, do meu trabalho no segmento de Marketing e do meu grande interesse pelo turismo. Observei que havia uma oportunidade de mercado, já que que ninguém escrevia sobre turismo religioso e passei a estudar o assunto. A publicação das matérias e os convites para inúmeras palestras foram só consequência.

Como você enxerga o turismo religioso hoje no mundo? E no Brasil?

Esse segmento é considerado – merecidamente – um dos que mais crescem no mundo todo por diversas razões. Com a vida moderna e suas pressões e efeitos negativos, o homem acabou valorizando a importância do sagrado, ainda que, paradoxalmente, tenha se distanciado das práticas religiosas regulares. A prática do turismo religioso é uma maneira de se aproximar de Deus e de compensar de alguma forma esse afastamento. A isso se somam outros fatores, como, por exemplo, a maior divulgação dos atrativos do turismo religioso, a universalização do acesso à informação graças aos meios de comunicação e à Internet; o aumento da disponibilidade de renda discricionária para viagens, e o crescimento do interesse em viajar e conhecer novos destinos. Ao mesmo tempo, muitos templos e destinos turisticos passaram a entender, se capacitar e aproveitar os benefícios gerados pelos visitantes interessados em visitar igrejas, capelas, museus e outros atrativos de turismo religioso. Esses e outros fatores tem feito o turismo religioso crescer no mundo inteiro e no Brasil não é diferente. Aqui, no entanto, uma visão distorcida afasta muitas operadoras e agências desse segmento: acreditam que turismo religioso é levar grupos para Aparecida, enfrentando a concorrência de organizadores de excursões e , paroquias e até motoristas de ônibus legais ou ilegais. Só que, embora Aparecida seja o nosso destino de turismo religioso mais conhecido e procurado, temos uma vasta oferta de outros destinos para explorar. E mesmo Aparecida ainda oferece muitas oportunidades, como, por exemplo, a inclusão de outros destinos de turismo religioso proximos (Guaratinguetá, Lorena, Cachoeira Paulista) ou a extensão a destinos como Campos do Jordão e as praias do Litoral Norte Paulista, que são muito procurados por peregrinos de outros estados.

Que destino serve de referência?

No Brasil, com certeza é Aparecida, graças à estrutura montada pelo Santuário Nacional para receber e reter os visitantes. No Exterior, os grandes santuários marianos são referência como foco na espiritualidade, deixando infraestrutura e exploração comercial essencialmente a cargo do poder publico e da iniciativa privada.

Em quais destinos você mais aposta?

Gosto muito de destinos de grandes festas religiosas, como Belém e Trindade; de destinos muito estruturados para acolher e explorar o turismo religioso, como Salvador, nas cidades históricas de Minas Gerais (apesar de o turismo religioso ainda ser praticamente ignorado por lá) e em destinos ainda pouco explorados no segmento, como o interior do Paraná ou a Serra Gaúcha, onde está sendo estruturada a interessantíssima Rota dos Capitéis. No Exterior, em cidades ainda pouco exploradas como Chartres, na França; na incrível oferta da Itália e nos grandes Santuários Marianos.

Qual destino marcou sua trajetória?

Em termos de trabalho, sem dúvidas, Aparecida e a Canção Nova, em Cachoeira Paulista. Em termos espirituais, com certeza o Santuário de Lourdes, na França. Visitar Lourdes não é fazer turismo, é ter uma conexão espiritual. É uma pena que um destino tão impactante mereça tão pouco tempo nos roteiros oferecidos pelas operadoras.