Uma relação de compra é, acima de tudo, uma relação de confiança: de que o produto será entregue, de que o que foi comprado será cumprido, de que haverá segurança, de que tudo dará certo na viagem, de que as expectativas serão atendidas e até de que o sonho será realizado. Quem trabalha na indústria sabe que são tantos players envolvidos que há também confiança de que cada um faça a sua parte.
Ultimamente tem-se focado muito na relação das operadoras de viagens e seus clientes (agentes de viagens e passageiros finais). E as reações diversas dos operadores às quebras de seus concorrentes só ajudam a complicar ainda mais a questão: em quem devo confiar?
Empresas vão fechar sempre. E abrir também. Independentemente de crises. Mas depois da recuperação judicial da Nascimento, que deixou diversos players com prejuízos altos (fornecedores, agentes de viagens, parceiros, passageiros…), criou-se um clima de terror e de listas negras de ambos os lados (agentes que devem, operadores que estariam mal…).
Vou focar no ponto de vista do agente de viagens, nosso principal leitor. Confiaram na credibilidade e no histórico da Nascimento Turismo e ficaram a ver navios. Uma empresa com mais de 60 anos, de quem todos se achavam íntimos.
Na sequência, outras empresas menores fecham, e algumas vêm a público desmentir que estejam fechando as portas ou demonstrar sua saúde financeira. A Queensberry lança comunicado, diz não ter dívidas e coloca as contas à disposição. A Ancoradouro exibe certidões negativas. A Maktour expõe sua reestruturação, em que teve de cortar na carne. A RCA diz que o problema é de gestão dos empresários e que onde há fumaça a fogo… A New Age vende lenços e aposta em crescimento em 2016. Quem já tem o seguro Trip Protector está enfatizando esse diferencial. Enfim, são muitos os exemplos.
Mas como ler os sinais de fumaça? O mercado encolheu. Não há dúvidas. Encolheu para todo mundo. Sem exceção. Na semana passada tive acesso a estatísticas de venda internacional de consolidadoras aéreas e a venda de bilhetes havia caído “apenas” 3% em outubro. Mas a tarifa média quase 40%. Dá para agir normalmente ou é preciso cortar na carne?
Então quem está se reestruturando está fazendo o correto. Mas ninguém tem acesso às contas de cada empresa e às previsões de venda futura. Portanto, se precaver é o melhor remédio.
O seguro Trip Protector ajuda. O de responsabilidade civil, que já existe há anos, também. Mas e a tradição e o conhecimento? Sidney Alonso fez um discurso emocionado dizendo que conhece o Marcus di Tommaso há 25 anos. E quem conhecia o Nascimento há 60? Outros donos há 50, 40, 30, 20, 10 anos? A Nascimento provou que isso não é precaução.
A solidez vem de números. E no turismo só a CVC, entre as operadoras, publica os seus. E o que se nota é queda no internacional, crescimento no nacional… O que já sabemos. Lembro de um outro número que o share da CVC no inter estava em mais de 40%. É a busca pelas marcas nesse momento de incertezas. Parênteses sobre a CVC, que lançou seguro próprio para o caso de o passageiro perder o emprego. A operadora não deu sinais de que vai aderir ao Trip Protector. Outras não serão aceitas ou não irão querer também… Mais complexidade para a leitura de quem compra.
Mas e as empresas pequenas ou menores, que não têm ação na bolsa? Nesse caso, cada um tem sua estratégia e os agentes precisam saber ler os sinais de fumaça: se são de “socorro” ou do almoço sendo preparado.
Consequências disso tudo incluem fornecedores exigindo pagamento à vista (o que é bom, pois o faturamento pode levar ao uso do dinheiro de um para cobrir o de outro), agências de viagens mais próximas dos fornecedores (com as promoções aéreas na internet, fica mais fácil “operar” por conta própria), e a necessidade de mais trabalho, mais criatividade e menos marketing barato.
Somando tudo isso, a confiança volta a ser o fator decisivo mais uma vez. Você escolhe uma marca, um produto, um fornecedor. Escolhe por vários motivos e o preço, nesse caso, não pode ser o fator decisivo. Quando a esmola é grande o santo tem de desconfiar. A fórmula, se é que há uma, inclui precauções palpáveis (seguros), informações de mercado (seja com fornecedores, seja na mídia, seja com colegas de profissão), mudança de processos (pagamento à vista, por exemplo), mudança de atitude (menos festas e mais relações comerciais), cobrança das autoridades e entidades e… confiança. Não tem jeito. Empresas de qualquer setor estão sujeitas a fechar, a se reinventar, a encolher… Não é privilégio do Turismo. Ou do Brasil. Estar atento e saber cada vez mais do seu negócio são atitudes fundamentais para navegar a crise até terra firme. Do contrário, mais boatos, mais sinais de fumaça que não saberemos ler, mais disrupção… Mais um ciclo.
P.S. Já faz um tempo assisti a uma entrevista, acho que na Marília Gabriela, e o entrevistado dizia: não confunda pessoa jurídica com pessoa física. A empresa pode quebrar, mas os acessos vips, jatinhos e viagens de luxo continuam… Por que me lembrei disso? Nem eu sei.
Boa tarde Arthur,
muito bom post.
referente aos fechamentos de operadoras, dentre todas as ações vistas nos últimos tempos, eu achei a da Maktour a mais valiosa.
Eles podem até não ter exito na sua nova estratégia mas o fato de comunica-la ao mercado, nos da a opção de avaliar e então confiar ou não.
Não haverá mal algum se outras operadoras, inclusive a Maktour, jogarem a toalha no futuro, o que não pode é deixar os agentes e clientes na mão e sumir
Acho que comunicação e transparência neste momento é fundamental.
Saudações,
Pablo
Legal seu Post Artur …momento de refletir mesmo … Parabens
Claro que estamos em uma crise, mas será que no primeiro sinal de fumaça, não seria o principal momento da ação? Será que fugir do fogo, não fará o incêndio se alastrar e atingir outros locais?
O turismo não existiria sem confiança….
Mercados em si não existiriam sem confiança!
Na verdade uma sociedade sem confiança jamais funcionaria, viveríamos isolados!
Confiança é fundamental e quando ela é perdida todos perdem…
Excelente artigo Artur, obrigado por compartilhar!
Abraços…
Bruno.
Arthur sempre acompanho suas reportagens e fico naquela duvida entre comentar ou não os assuntos abordados. Essa “dúvida” ocorre não por falta de argumentos ou por receio de que haja um embate de idéias. Mas hoje resolvi abrir o “bau” justamente para comentar o ponto principal de seu blog: a confiança.
Confiança essa que também aqui pode ser entendida como convicção; certeza; que de fato um produto será bom com aquele fornecedor.
É justamente a confiança que tenho em você como profissional e no seu trabalho que me fazem ler seu blog e usa-lo como referencia em meu trabalho no dia a dia.
Acredito que é essa a mesma “confiança” que um agente de viagens tem quando comercializa os produtos de uma operadora: “temos a confiança e a certeza de que tudo será feito de modo perfeito e que todos os envolvidos estão empenhados no seu melhor”.
Essa confiança vem de muitos anos, avalizadas e endossadas pelo caráter, pela palavra do dono da empresa ou como se dizia antigamemente “pelo fio do bigode”.
Essa confiança era tão grande e intensa que sabíamos que mesmo que houve um problema, o Agente e o Cliente nunca seriam prejudicados.
Mas no final essa percepção “de confiança” (certeza, segurança) se perdeu e deu lugar aos inúmeros problemas que começaram com pequenas reclamações de má atendimento, péssimos serviços prestados, entre outros.
Acredito que foi justamente nesse ponto que tudo se perdeu. A confiança de que todos estavam fazendo o seu melhor deixou de existir. No império capitalista viramos números, estatistias e indicadores. E a confiança passou a ser um numeral pelo qual avaliados e avaliadores se perderam. E a história final todos já sabem: os grandes players do mercado sucumbiram a administração, a gestão de suas empresas “confiando” que pelo fato de serem grandes escapariam ilesos a qualquer quebra de confiança que ocorreu em toda a economia brasileira.
Excelente post.
Precisamos acreditar nos nossos fornecedores, como nossos clientes confiam em nós.
Grandes empresas fecham, pequenas tornam-se grandes, e muitas preferem continuar pequenas para ter o controle de tudo.
Prefiro dizer “Crise, isso não existe”. Existe dificuldades que passamos e vamos superar. Se eu acreditar na crise, ela ficará mais forte e com certeza vai me derrubar. Eu não quero cair