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Artur Andrade
Dia a dia

Empregadas domésticas na Disney

O ministro da Economia, Paulo Guedes, em fala repercutida ontem, justificou que a alta do dólar é boa para o Brasil, pois incentiva as exportações, por exemplo. Afirmou ainda que o Brasil adotou um outro modelo econômico, que não é o de câmbio baixo e juros altos, modelo esse que teria desindustrializado o País no passado. Ou seja, dentro da nova política econômica, onde a inflação está controlada, o PIB voltou a crescer, o desemprego cai e a taxa de juros nunca foi tão baixa (menor até que a inflação), para ele faz sentido esse câmbio, ainda mais por estarmos sofrendo influências externas, do coronavírus à briga comercial entre China e Estados Unidos, da instabilidade no Oriente Médio ao Brexit. Dólar a R$ 1,80 realmente não seria condizente com a realidade.

Podia ter parado aí, com uma análise técnica da alta do dólar. Mas resolveu exemplificar que na época do dólar a R$1,80 “até as empregadas domésticas iam para a Disneylândia”. O ministro, tentando se corrigir ao sentir que seria criticado pela frase, disse que, na quarta viagem, todos podem conhecer a Disneylândia, mas não quatro vezes ao ano, como na época do dólar a R$ 1,80. Ainda indicou que o brasileiro precisaria conhecer o próprio Brasil antes de ir para a Disneylândia. Citou nossas praias, Foz do Iguaçu e Cachoeiro do Itapemirim, terra onde nasceu Roberto Carlos. (Vejo uma oportunidade de media training e reputação de marca para as autoridades brasileiras. Alô, especialistas. A tarefa é dura, mas necessária).

A afirmação, claro, pegou muito mal, e pode mais uma vez alimentar o pensamento errôneo de que viajar para o Exterior não é importante para a indústria de Viagens e Turismo brasileira, pois é preciso estimular, apenas, as viagens dentro do Brasil, além do receptivo internacional, que é pífio e que nenhum governo, nem do PSDB, PT, PCdoB, PSL, Arena, MDB, PSOL ou qualquer outra sigla, conseguiu estimular e fazer crescer. 

As viagens para o Exterior geram receita, criam empregos e ajudam no desenvolvimento pessoal e profissional dos viajantes, além de gerar negócios para empresas de todos os segmentos.

A democratização da viagem em geral, e não só a internacional, deveria também estar na lista de prioridades do governo brasileiro, pois sabemos que é o mercado corporativo que sustenta boa parte dos voos dentro do Brasil, e que para o Exterior, no momento, só a elite consegue viajar. O preconceito com a classe das empregadas domésticas (e dos mais pobres em geral, que se identificam com elas) foi constrangedor.

A fala se referindo às empregadas domésticas só acirra preconceitos e reforça o elitismo do ato de viajar, o que já deixou de ocorrer, no mundo todo, há muito tempo. Menos no Brasil. Quanto mais viagens o brasileiro fizer, no Brasil e no Exterior, mais dinheiro irá para empresas, profissionais, cidades, destinos… e o governo. O Turismo é uma das mais importantes indústrias do mundo. Deixar e estimular as viagens é papel sim dos governos.

DIA SEGUINTE
O presidente Jair Bolsonaro, hoje pela manhã, ao ser perguntado sobre as declarações de Guedes voltou a dizer que não entende de economia, que deixa a equipe tocar, que como cidadão acha que a taxa de câmbio do dólar está “um pouquinho alta” e que a imprensa pergunte ao ministro sobre a fala das empregadas. “Respondo pelos meus atos”, disse.

A taxa “um pouquinho” alta tem prejudicado as viagens internacionais no Brasil: no ano passado, dados da Abracorp mostram queda de 9% na emissão de bilhetes, e os números das consolidadoras seguem no mesmo padrão. Em 2019, menos bilhetes foram emitidos (algumas quedas chegaram a 40%), e as vendas finais compensadas em reais por conta da variação para cima do dólar. Mas com menos passageiros, até quando as companhias aéreas manterão seus voos? A recuperação para os Estados Unidos poderá ser afetada?

A taxa “um pouquinho” alta vai manter as viagens internacionais elitizadas? É isso o que queremos? O mercado já sabe que não tem mais espaço o câmbio de R$ 1,80. O governo pode dizer que não controla boa parte dos motivos que elevam o câmbio. Mas culpar os mais pobres ou a democratização das viagens é injusto. Incorreto. Impreciso. Incoerente. Não condiz com os tempos que queremos viver.

Um cenário onde “até empregadas domésticas” viajam não significaria uma economia mais consistente, além de mais emprego, renda e divisas? Não é o que queremos? Ascensão e mobilidade social? Inclusão? Ou as empregadas só poderão embarcar uniformizadas e acompanhando os filhos da elite (tóxica) que quer “voltar a viajar para a Disneylândia quatro vezes ao ano”?

Outros erros na fala do ministro: os brasileiros viajam geralmente para a Disney World, em Orlando, e não para a Disneyland, na Califórnia. Os brasileiros viajam sim pelo Brasil, por isso somos uma das dez maiores economias turísticas do planeta (por causa do Turismo doméstico e não pelo receptivo ou emissivo internacional). E nessas viagens pelo Brasil os meios mais utilizados são o carro e o ônibus.

Os mais de 100 milhões de brasileiros viajando de avião, ministro (não se iluda), são contados por trechos de viagens. Portanto, na contagem por CPF, não chegam a 35 milhões. A grande maioria em viagens a trabalho.

Estimular o lazer acessível dentro do Brasil é também permitir que o avião seja mais usado, mas, veja bem, muito do custo das companhias aéreas é em dólar. Que está um “pouquinho” alto.

Por fim, a Disney pode olhar sob dois ângulos a afirmação do ministro: sempre que se fala em desejo de viagem ao Exterior é ela o destino citado, mas, por outro lado, o destino não quer levar a “culpa” de estar tirando os brasileiros de Cachoeiro do Itapemirim e Foz do Iguaçu, muito menos o “ônus” de ser uma viagem de desejo de todas as classes sociais. Pois não é um problema isso. E que assim continue, pois viajar é muito bom e tem que ser para todos. Empregadas na Disney sim.

#somostodosturismo

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Artur Andrade

Artur Luiz Andrade é carioca, taurino, jornalista e nasceu em 1969. É editor-chefe da PANROTAS Editora e mora em São Paulo desde 1998

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Artur Luiz Andrade é carioca, taurino, jornalista e nasceu em 1969. É editor-chefe da PANROTAS Editora e mora em São Paulo desde 1998

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