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ARRISQUEMO-NOS, POIS DE PERTO NINGUÉM É NORMAL

Estava há pouco sentado, sozinho, num shopping perto de casa, almoçando e jantando ao mesmo tempo (uma dor de dente não me deixou almoçar hoje). Shopping cheio. Gente pra lá e pra cá. E se um daqueles fosse um assassino em série em potencial? E se eu entrasse no cinema e um daqueles lá estivesse e sacasse uma ou mais armas e começasse a atirar?

Como identificar esse futuro assassino? Desses que entram em escolas atirando contra um possível passado que gostaria de esquecer… Desses que atiram na felicidade alheia. Desses que nem sabem por que atiram.

Passa um jovem com a mãe. Será que ele é amado e bem cuidado? Ou um jovem castrado e reprimido?

Passa uma família com duas crianças. Será que um pai teria coragem de um ato assim?

Passa um japonês magrinho, cabelo emo gosmento, mochila enorme nas costas… Mochila enorme… Se sentasse do meu lado no cinema eu sairia ou trocaria de lugar. Mas possivelmente o tiro viesse do adolescente cheio de amigas, de férias, sem nada do que reclamar.

Isso mesmo. Não temos como prever.

Porque as pessoas escondem segredos, escondem feridas, escondem desejos… escondem, escondem. E nós não estamos mais acostumados a olhar nos olhos. A ouvir. A prestar atenção em gestos, modos, formas de criar frases, nas ideias expostas. O mundo é superficial, cheio de abreviações, com fotos esquisitas por todo o lado (o que é esquisito, afinal?), com vidas expostas das mais diversas formas. Estamos acostumados com a falta de educação, o isolamento das pessoas, com os tiros em qualquer esquina.

Então, se um mascarado entra no cinema e joga uma bomba de gás, não estranhamos. Esperamos para ver o que é.

É como a corrupção. Só nos indignamos tarde demais.

É como os crimes de rua. Só choramos durante a reportagem do Jornal Nacional.

Qual a solução? Cuidar dos doentes? Trancar-nos em casa? Criar clubes? Guetos? Levar o cinema pra casa?

Quem é normal? De perto, provavelmente ninguém. Lembra daquela menina que você conheceu e que queria ser espancada? Ou daquele rapaz que usava a calcinha de uma prima? Ou dos que riem da dor?

Será que alguém me olhou no shopping e pensou: esse gordo de cavanhaque pode estar com uma arma debaixo desse casaco…?

Hoje não há mais “festa estranha com gente esquisita”. O mundo multicanal, o mundo do vale tudo nos anestesia. E nos deixa sem saber quem é quem, mais ainda que nos tempos em que já não sabíamos quem era quem.

Não tem solução contra esses loucos que atiram contra nós. É o que parece. Pois nós já os alimentamos até a idade adulta. E a criação já está errada. Resta nos defender. E os futuros malucos? Existirão?

São malucos ou anomalias? São loucos ou degenerados? São maus e cruéis ou amebas maléficas? São o demônio ou são o lixo que deixamos para trás? São doentes ou mutações? São controlados ou nada são? São como nós? Até ontem eram. Estudavam conosco, comiam na mesma mesa, apertávamos suas mãos. Hoje, atiraram em nossa cara. O que fazer?

Não dá mais para ir a um shopping, a um cinema, entrar em uma escola ou lanchonete, tomar sol sobre a grama sem pensar nos loucos. Ou neles, para tentar não classificá-los por algo que não sabemos o que é. Estamos ficando desconfiados. Reagimos com agressividade a qualquer gesto. Eu vou trocar de lugar no cinema se vejo alguém com mochila? Se alguém me pede informação na rua eu corro?

E se um homem fantasiado se aproximar? Até que se dê conta que não e carnaval… Mas e se a fantasia for de policial?

É, não tem jeito.

Por ora, temos de torcer para não deparar com um deles. Para não nos tornarmos um deles. Para esquecê-los. Mas isso já não é mais possível.

Por ora, classificamos o ato como inexplicável. E o inexplicável, o surpreendente, o inesperado sempre assustarão. Ao menos nós, que nos pensamos NORMAIS.

Ah… e não custa manter a cabeça limpa. O pensamento positivo. E de vez em quando gritar: TÁ AMARRADO.

PS: Assisti a Batman – o Cavaleiro das Trevas Ressurge. Sobrevivi. Mas tenho de ver novo. Pois é muito bom. Genial. Sinal dos nossos tempos. Melancólico e bruto. Heróico com dor. Com um zunido constante que nos faz lembrar: ele é herói mas é humano.

PS2: Ir ao shopping se tornou um risco? Fazer faculdade faz mal à saúde? O que dispara o gatilho na cabeça desses loucos?

PS3: Comecei a escrever o post no começo da semana. Só terminei dias depois… Hoje vi a abertura da Olimpíada de Londres. Legal, bonita… mas não me surpreendeu. Os londrinos continuam os mesmos para mim. Londres continua distante e musical. Ah, e dá para torcer pelo Brasil sem política de incentivo aos esportes olímpicos? A gente sempre diz que não, mas torce, né. Loucos somos nós.

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Sobre o Autor

Artur Andrade

Artur Luiz Andrade é carioca, taurino, jornalista e nasceu em 1969. É editor-chefe da PANROTAS Editora e mora em São Paulo desde 1998

Comentar

  • Estimado Artur,
    Muito bom post, para refletir nos momentos (um pouco) menos agitados do sábado.
    Quando fiz contatos com a UNICEF, à época ensaiando projeto pelo São Paulo CVB, um especialista me afirmou que, baseado na experiência de anos trabalhando com crianças carentes em todo o planeta, tinham chegado a uma conclusão: “Só se dá jeito se for feito de zero a três anos. Depois, é administrar contingências.”
    Ao lhe perguntar como um voluntário leigo poderia ajudar nessa idade, me deu o seguinte exemplo, que consiste em por no colo bebês abandonados e ficar alguns minutos dizendo palavras de carinho, para que sintam o calor humano, sintam-se amados, na solidão daquele berçário lotado da maternidade.
    Entre as “contingências”, fico imaginando as atitudes, loucas e sem sentido que nos amedrontam, a que o amigo se referiu na solidão de um shopping lotado, às quais nos arriscamos só pelo fato de continuarmos vivos…

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Sobre o autor

Artur Luiz Andrade é carioca, taurino, jornalista e nasceu em 1969. É editor-chefe da PANROTAS Editora e mora em São Paulo desde 1998

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