Depois de votar no Rio (tranquilamente) segui para o Galeão, para embarcar, de Gol, para Recife. O aeroporto (terminal 1) continua com aquele ar decadente e improvisado. O vôo saiu no horário, tudo ia bem, eu no corredor, assento do meio vazio, um vizinho quietinho na janela e outro no corredor, que descobri ser viajante estreante, pois estava no lugar errado e não sabia, sim, que a janela tinha uma pequena persiana e que ele podia abri-la. Mas sua felicidade durou pouco, pois o dono do lugar, meu vizinho do lado direito, chegou e ele voltou ao corredor (à minha esquerda).
Como o ajudei a localizar seu lugar correto e a afivelar o cinto, Antonio, meu vizinho de corredor, digamos que “se apegou” e conversou comigo boa parte da viagem. Era sua primeira viagem de avião, em uma história bem legal, mas também bem comum nesse nosso País. E depois fiquei pensando. O avião vai cheio de histórias. Antonio era apenas uma delas e uma da moda: o novo viajante, tão desejado por todos. Não entendo por que a Gol, com tamanha riqueza em seus aviões, nunca usou essas histórias em seus comerciais. Em vez de usar o aviãozinho fofo fazendo check-in pelo celular (ora, quem faz check-in pelo celular já é acostumado a voar e pode ser avisado de outras formas), podia contar essa história a todo o País. É até engraçado a empresa low cost/low fare mostrando seu lado executivo (que vimos, nos dados da Abracorp, que não é tão forte quanto na Tam) e a empresa tradicional (a Tam), com comercial voltado aos novos consumidores – Ivete Sangalo e uma família cantando que com a Tam é possível voar.
Voltemos a Antonio. Que me ajudou a confirmar por que Dilma Rousseff foi a mais votada na eleição de hoje, mesmo indo para o segundo turno (o que é outra história).
Antonio, moreno, baixinho, cara fechada, saiu do interior de Pernambuco, a cidade de Machados, com 14 anos. Foram três dias de viagem para o Rio de Janeiro. Viagem que ele não esquece, do cansaço, do medo do que ia encontrar, da economia nos gastos…. enfim, história como de muitos migrantes nordestinos.
Eis agora Antonio voltando para visitar a mãe, que não vê ao vivo desde a despedida, na rodoviária, 16 anos atrás. Voando de Gol, em passagem aérea comprada na internet, com ajuda do patrão, e dividida em seis vezes sem juros. Valor: R$ 600. Comecei a entrevistá-lo, já que não tinha jeito mesmo e ele gostava de papo: fazia “serviços gerais”para esse patrão (“faço de tudo”) e gasta por dia três horas para ir e outras três para voltar do trabalho. Ele mora em Nova Iguaçu e o patrão na Barra da Tijuca. “Tem dias que eu chego em casa com os pés inchados de tanto ficar em pé. Coloco os pés pra cima, adormeço e três da manhã acordo para voltar ao trabalho”, me contou Antonio, que é casado e tem um filho, Lucas, flamenguista como ele.
Mal chegou em Recife e ele diz que no próximo ano levará a mulher e o filho com ele. Dessa vez fica 20 dias e viajou apenas com uma bolsinha de mão. Presente para a mãe? “Compro lá em Machados, vendo o que ela precisa”.
Durante o voo, ele descobriu que quando o banheiro estava ocupado, a luzinha lá na frente da cabine ganha um X vermelho. Perguntou para que serviam diversos botões, como o de chamada dos comissários. Ligou o celular no meio do vôo (e me acordou quando eu consegui cochilar), pois não sabia que não podia usar lá em cima, achou que era só na decolagem – e começou a jogar, para passar o nervosismo. “Antonio, não pode ligar a bordo”, eu disse. E ele guardou de novo em sua pochete o aparelho, desligado.
Na descida, colocou as mãos nos ouvidos. “Minha cabeça vai explodir”. “Normal”, falei, recomendando que ele tapasse o nariz e fizesse força e mascasse algo.
Antonio quer se mudar para perto do trabalho e está olhando as opções do programa Minha Casa, Minha Vida. Votou em Dilma Rousseff porque o presidente Lula pediu e é sua candidata. “Antes dele, a gente que não é assim né (quis dizer, que não pertence à elite), não podia fazer nosso churrasquinho, não sobrava dinheiro. Hoje, o pobre pode fazer churrasco, compras as coisas. Tô até tirando onda andando de avião”, me disse ele, com essas palavras. “Se ele fosse o candidato votaria nele de novo. Lá em casa foram 44 votos da família”, garantiu.
No desembarque, claro, Antonio colou em mim, perguntou onde sua mãe o estaria esperando (ela viria com seu padrasto e seriam duas horas e meia até Machados) e já que ele não despachara malas, indiquei a saída do desembarque. “Vai lá e vamos ver se ela te reconhece hein. Afinal, você era um garoto”, eu disse, para descontrai-lo, pois era visível seu nervosismo – mais que quando o avião decolou e suas mãos suavam. “Eu reconheço ela. Pode deixar”.
Acompanhei sua saída, enquanto as bagagens rodavam na esteira. Ele não teve dúvida e se dirigiu a uma senhora baixa, de cabelos grisalhos presos em um rabo de cavalo e com um chalé amarelo nas costas. Soltou a bolsa no chão e abraçou a mãe sem mesmo passar a grade que divide os que chegam dos que esperam. Deu aquele nó na minha garganta. Ficaram abraçados alguns segundos. A mãe apresentou uma moça que estava do lado, e que o cumprimentou com um aperto de mão. Seguiram e sumiram de minha visão.
Quantos outros Antonios não desembarcaram hoje em Recife, Natal, Fortaleza…? Quantas histórias de reencontros? Quantos 16 anos resgatados com um simples (para nós) voo?
FABRÍCIO
Pois se Antonio resgatou seu passado, Fabrício, meu vizinho do lado direito, que estava na janela, estava começando uma nova etapa em sua vida. Enquanto eu estava falando com Antonio, Fabrício pediu para ler meu jornal (O Globo) e ficou boa parte do voo com ele. Depois que acordei com o celular de Antonio (tinha de haver, aliás uma forma mais direta de dizer aos novos viajantes o que pode e não pode ser feito a bordo… esses anúncios parecem grego para eles), Fabrício, que tinha acabado de ler o jornal, puxou assunto.
“Eu ia te falar isso antes. Mas eu te conheço. Você não é de São José dos Campos? Da… (e disse um nome de empresa, de que não me lembro). Você não trabalha com petróleo?, perguntou. Expliquei o que eu fazia, desfiz a impressão errada e descobri que Fabrício era um outro lado de nossa indústria, o lado corporativo de nível médio, digamos assim. Sei que isso está parecendo uma aula da Academia de Viagens da Vivi e da Patrícia, mas quem mandou puxarem assunto comigo.
Pois bem. Fabrício é inspetor de solo de obras. Grandes obras. E segue essas grandes obras pelo País. Já morou em várias cidades e hoje está se mudando de Angra dos Reis, onde trabalha em um estaleiro, para Recife, onde vai trabalhar para a Odebrecht no porto de Suape, que, segundo ele, gerará 25 mil empregos diretos (peões mesmo). Ele é considerado indireto.
Foi primeiro para Recife, para escolher onde morar, a mulher e três filhas vêm depois (ela com a mesma profissão dele e as filhas já grandes, adolescentes) e estava curioso com a cidade. “Me falaram que para morar bem em Recife tem de ser em Boa Viagem. Mas vi aluguéis de R$ 2 mil, R$ 1,5 mil… Muito caro”, disse ele. Não soube ajudá-lo, mas disse que ia gostar do povo, de Porto de Galinhas…
Ele estava animado, pois a obra de Suape vai gerar outras etapas em que ele poderá melhorar de salário. “Um amigo vai falando com outro e assim vai. Vamos vendo as oportunidades. Tenho amigos no Acre, no Ceará, no Sul…”. Fabrício prefere viajar de ônibus, apesar da rapidez do avião. “Quando é distante assim, melhor o avião, mas adoro viajar de ônibus e ver a paisagem. Até 12 horas eu encaro”. A empresa fez a reserva e pagou por sua passagem e a cada 60 dias ele terá direito a uma passagem aérea para voltar ao Rio, onde está a família, agora que vai sair de Angra.
Fabrício é outro eleito de Dilma. “O que vale para mim são os números. Comparando empregos, inflação, salários entre o governo de Fernando Henrique e o de Lula, o do Lula é melhor”, disse, entusiasmado também com a quantidade de obras que virão até a Olimpíada e com o Pré-Sal.
No desembarque, apertou minha mão e seguiu para a nova vida em Recife. Será que vai conseguir morar em Boa Viagem?
Desculpem-me se me alonguei aqui, mas fiquei impressionado com esse voo-aula. Fiquei também feliz com o segundo turno nas eleições presidenciais, pois sapato alto não é bom para ninguém e faltou um debate mais claro de idéias e projetos. Dilma e Serra que mostrem sua cara, agora mais de perto, com mais detalhes.
Uma pena que vamos ter de engolir e dar tapinha nas costas do Tiririca… Mas essa é outra história do nosso Brasil. Ainda vamos cruzar com eles nos céus do País, a caminho da Câmara Federal em Brasília.
[…] This post was mentioned on Twitter by Diggs, Artur Luiz Andrade. Artur Luiz Andrade said: [BLOG]: HISTÓRIAS DE BORDO NO DIA DA ELEIÇÃO http://bit.ly/c3kNzO […]
ADOREI!!!O pessoal da sala ao lado veio verificar o porque das gargalhadas???
Adorei o Antonio e acho que voce tem toda razão quando colocou que as campanhas tem que ser para o Brasil e não somente para a Elite, um pouco de tudo seria o ideal! Me convenci de que o celular também é um fenomeno, até ele tem, e apesar dos serviços gerais, é uma pessoa tecnológica! Só não te perdoo de uma coisa!!!Cade a foto dos COMPANHEIROSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS!!!???
E VIVA O 2 turno!!!bjos,
Caro Artur, gostei muito do seu post.
Muitas vezes sentado em salas de embarque de aeroportos fico imaginando as historias dessas pessoas que cruzam na vida por instantes.
De onde vem, para onde vão, porque motivos. Vou longe na imaginação.
abraço
Artur,
Muito agradável de ler o seu post. Também me pergunto sempre, em minhas viagens frequentes, quais serão as histórias dos companheiros de viagem, pois sei que podemos encontrar bom material para crônicas. Quanto à eleição, estou muito feliz com o segundo turno, mas fico decepcionado quando percebo que boa parte dos eleitores de Dilma/Lula votam com base em benefícios que só foram possíveis pq tivemos um FHC que teve coragem de abrir mão da popularidade para implementar medidas impopulares que o Brasil precisava para entrar no rumo certo. A isso se chama estadista. Governar com vistas ao próximo mandato é coisa de populista, o estadista visa as próximas gerações. Tudo que Lula fez de bom se deve à base que FHC/PSDB deixou. O crescimento da renda vem da estabilidade econômica obtida, a duras penas, no governo anterior, e o desenvolvimento sustentável do país só foi possível pq FHC/PSDB conseguiu acabar com a inflação e tomou outras medidas saneadoras. Como tudo isso é grego para o eleitor de DILMA/LULA, fico constrangido de ver que nem Serra nem o PSDB souberam gritar essas verdades no horário eleitoral, acabando com a farsa que era o programa do adversário. No mínimo o Serra deveria demitir o marketeiro (Gonzalez), pois me parece óbvio que usou a estratégia errada. Mas enfim, Antônios e Fabrícios vão continuar a votar nos efeitos e não nas causas. É uma pena.
Mandou bem, muito bem! A cada dia os blogs Panrotas vão ficando menos ásperos e mais poéticos, trazendo a essência do mundo das viagens, que está na história de cada passageiro. Parabéns Artur!
Adorei!
Se o Rotter nao dormisse em todos os voos (e olhe que sao varios por semana) o indicaria como blogueiro/entrevistador aereo Panrotas.
Beijo,
Marcia
Maravilhoso e tocante o seu texto! É por razões como estas (em particular do Antonio) que o Brasil precisa da continuidade do Governo atual. É por isto que eu voto em Dilma Roussef. Tem diversos aspectos do programa dela que eu não concordo mas no geral comparando é muito superior ao do José Serra. O Brasil é de todos os Brasileiros, de todos os Antônios e Fabricios. Não somente de uma elite. O Brasil esta e precisa continuar mudando. Como empresário fico muito feliz vendo esta nova classe emergente consumindo produtos que são tão naturais no meu dia a dia. Fico muito feliz quando vejo meus funcionários comprando bens duráveis, podendo melhorar de vida. Há os que não reconhecem. Mas o Brasil mudou. E isto foi graças ao Governo Lula. Precisa continuar avançando. Isto só será possível com Dilma Roussef. Que possamos ter muito mais estorias de Antonios e Fabricios. Este é o Brasil verdadeiro.
Muito trabalho no que chamo de pré-alta temporada, mas consegui um tempinho pra vir aqui.
Me deliciei ao ler seu post. Foi por isso que escolhi o turismo como minha profissão.
A frase que ouvi e nunca mais na minha vida vou esquecer foi do meu pai na primeira viagem de avião em dezembro do ano passado para FOR foi algo assim:
“Durante toda minha vida eu vim até o aeroporto trazer meu patrão e sempre pensei o que teria após esta passagem (acesso à sala de embarque) e hoje pela primeira vez na minha vida eu estou passando por ela. É muito legal isso!”
Nem preciso dizer que ganhei meu dia, meu ano, validei meus estudos, foi a melhor sensação que tive na vida e por incrível que pareça foi a melhor viagem que fiz com minha familia e o lugar mais lindo do mundo.
Bjs Artur, obrigada por dividir estes momentos conosco.
Artur,fico te devendo uma “consulta de analista”.Explico:Passei a vida inteira obedecendo a um conselho paterno:”não converse com estranhos”…Quantas historias interessantes e comoventes(como a do Antonio )devo ter perdido por ter assimilado este conselho…Sempre evitei conversar com meus companheiros de vôos.A única vez que o fiz, foi em um vôo NCY/RIO por absoluta falta de algo para ler,jogoar..Foram nove horas de papo …inusitado,divertido…que depois de mais de 10 anos ainda lembro, e dou boas gargalhadas…A partir de hoje,vou mudar.E é hoje mesmo.Vou viajar de volta para SLZ daqui a 2 horas.Depois te conto o resultado.