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Dia a dia

Hoje…

No País em que qualquer político preso tem milhões de reais bloqueados em sua conta, ou devolve algumas centenas de milhões aos cofres públicos, fica muito difícil acreditar em alguém que suba em um palanque. Mais uma vez, isso só mudará em gerações futuras, se houver investimento em educação no País. Se e somente se.

 

Enquanto isso, nós, da geração perdida, temos de nos contentar com punições (físicas, morais e financeiras) e rir de ver ex-governadores desesperados porque estão indo em cana ou sendo operados no SUS (aquele sistema de saúde de onde diversos políticos desviam… dinheiro). Bangu neles. Não é suficiente, mas é o que temos.

 

E minha posição é de que não importa o partido, se é coxinha, mortadela, quibe ou risole, roubou, comprovou: cana neles. A lei é a mesma. E não adianta fazer cara de coitado. Ainda tem uns trastes que ganham prisão domiciliar… A fila (de corruptos esperando prisão) está grande. E deve continuar.

 

Agora… por incrível que pareça o País ainda está dividido e acha-se que só há pragas e ervas daninhas de um lado. Claro que não. Mas quem há de querer perder a razão e voltar atrás? Só uma atrocidade faria alguém mudar de ideia. Roubar é pouco. É default político. É fichinha já no dia a dia do poder. Então por ora, eles roubam e nós rimos. Do lado de cá, no máximo cometem-se “pecadilhos” – e rimos aflitos.

 

Pois bem, mas tudo isso começa a afetar amizades, atrações culturais, relacionamentos, o uso das redes sociais, a liberdade de se pensar o que quiser… Não a liberdade de cometer um crime, diga-se, mas de pensar politicamente de forma diferente. Tolerância com o pensamento diferente e não com um crime. Se é crime, repito, não importa o partido, cadeia neles. Que se mude o cardápio nas prisões, oferecendo mortadela e coxinha… e quem não for um ou outro, passa fome, pois ninguém tolera o meio termo pelo visto.

 

O filme Aquarius, por exemplo, um dos melhores que vi este ano, uma jornada sensível que fala de envelhecimento, do se sentir deslocado e incompreendido, de família, de poder, de visões de mundo diferentes, de classes sociais, de tolerância, de amor, de câncer de mama, de feminilidade, de música, de Recife, de Pernambuco, de Sonia Braga, de ícones, de resistência, de loucura, de amor e morte, de sexo, de perversidade, de inocência, de amizade… ou seja, de uma pá de coisas… ficou rotulado pelo protesto de seus idealizadores no Festival de Cannes. Um erro estratégico ou corajoso? Um acerto? Uma verdade? Ou simplesmente algo que não deveria interferir com o produto?

 

Naquele (ou nesse) momento, ficou impossível, para os intolerantes ou para os revoltados, indignados, tradicionais, moralistas, injustiçados (usem a palavra que quiserem), dissociar a imagem do filme de seus realizadores e de sua posição política. E olha que temos muitos outros que não expõem seus pensamentos (ou atividades sexuais, por exemplo) e que são idolatrados pela turba da ignorância.

 

O mesmo vem acontecendo com Chico Buarque e alguns artistas. Virou amor ou ódio. Ou isso ou aquilo. Outro dia comentei de Aquarius e logo vieram: “o filme do protesto?”. “Não vou ver”. “Chico Buarque? Nunca mais. Pode fazer shows, cantar… Mas eu não ouço”. “Chico Buarque? Quer tirar a música do Roda Viva… Não gosto mais”. Tão simples a vida, né. Mas até para falar bobagem é preciso ter coragem… Pensamentos tortos não são privilégio dos políticos… Ou das massas. Ou dos extremamente apaixonados. Até que ponto o pensamento do artista afeta sua obra? E seus atos? E seus amigos?

 

E nem estamos falando de um Guilherme de Pádua que assassinou a colega atriz Daniella Perez… Ou seja, um assassino. E não se trata de uma questão ética mais delicada, como Woody Allen, que casou com a filha adotiva (e cujos filmes continuam fazendo sucesso). Roman Polanski não pode entrar nos Estados Unidos acusado de estupro de menor na década de 1970… E ganhou o Oscar depois disso. Já o cineasta Nat Parker viu seu filme (O Nascimento de uma Nação) afundar depois que se descobriu seu envolvimento numa acusação de estupro na faculdade… São casos mais pesados do que o pensar político? Ainda mais que vemos que não há partido político imune e todos se mostram decepcionados, coxinhas ou petralhas. Reiterando: Não dá para defender a corrupção. Ainda mais em um País em que essa corrupção mata. Assassina os cidadãos ao desviar verba da saúde, educação, segurança… Mas se formos punir quem votou em corrupto… o planeta agradeceria, pois somente alguns poucos sobreviveriam (mais uma vez, a solução virá, com educação, em alguns muitos anos. Por ora, esse é nosso dilema: votar nos menos ruins e fingir que há roubos e roubos). Ou se expor e ser execrado em praça pública.

 

A punição dos políticos não pode ser a punição dos eleitores e, pior, não se pode punir apenas um lado, pois isso dará aval para que a corrupção continue.

 

Vemos Estados falidos e ex-governantes com milhões de reais na conta. “Ah, ele vai devolver R$ 100 milhões aos cofres públicos”. Oi? CEM MILHÕES DE REAIS? É isso mesmo? E tem gente que morre porque o hospital não tinha nem R$ 1 milhão para consertar equipamentos, construir novos leitos… Ou muito menos para comprar o remédio adequado.

 

Esse ar intolerante e cheio de preconceitos vai gerar apenas gerações mais radicais, para um lado e para outro. E o radicalismo, sabemos, pode mudar o mundo. Ou acabar com ele. Façam suas apostas… Mas antes consulte quantos milhões de reais há na sua conta corrente, na conta no Exterior, no trust, nas aplicações, embaixo do colchão, na Bíblia oca, na cueca, no cofre, na plantação de laranjas ou até dentro do pote de café…

 

Enfim, torço por um país mais intolerante com a corrupção e os corruptos e mais tolerante com seus cidadãos e desses uns com os outros. E que a discussão respeitosa continue sempre, em todos os aspectos. Para os crimes… castigo. Ingênuo eu? Aquarius…

 

Para encerrar (não a discussão pois ela é muito mais profunda que essas rasas palavras em desabafo), a música tema de Aquarius (cuja trilha é outro acerto de Kleber Mendonça).

Hoje, by Taiguara:

Hoje
Trago em meu corpo as marcas do meu tempo
Meu desespero, a vida num momento
A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo

Hoje
Trago no olhar imagens distorcidas
Cores, viagens, mãos desconhecidas
Trazem a lua, a rua às minhas mãos

Mas hoje,
As minhas mãos enfraquecidas e vazias
Procuram nuas pelas luas, pelas ruas
Na solidão das noites frias por você

Hoje
Homens sem medo aportam no futuro
Eu tenho medo acordo e te procuro
Meu quarto escuro é inerte como a morte

Hoje
Homens de aço esperam da ciência
Eu desespero e abraço a tua ausência
Que é o que me resta, vivo em minha sorte

Sorte
Eu não queria a juventude assim perdida
Eu não queria andar morrendo pela vida
Eu não queria amar assim como eu te amei

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Sobre o Autor

Artur Andrade

Artur Luiz Andrade é carioca, taurino, jornalista e nasceu em 1969. É editor-chefe da PANROTAS Editora e mora em São Paulo desde 1998

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Artur Luiz Andrade é carioca, taurino, jornalista e nasceu em 1969. É editor-chefe da PANROTAS Editora e mora em São Paulo desde 1998

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