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Não vá ver o melhor filme em cartaz

Tem Brad Pitt no elenco. Uma fotografia que há tempos não se via no cinema. Cenas deslumbrantes. Música que mescla alguns dos melhores clássicos da música clássica e ainda uma parte original de Alexandre Desplat. Reconstituição de época primorosa. Uma câmera criativa e sensível. Interpretações infantis sem que as crianças pareçam o boneco assassino. É para mim o melhor filme atualmente em cartaz, mas a dica é: NÃO VÁ VER “A ÁRVORE DA VIDA”.

Simplesmente porque não é um filme para grandes plateias, infelizmente. Eu diria que é um filme para se assistir sozinho (sem amigos, namorados etc) e de preferência sem mais ninguém na sala de cinema. Deviam criar cápsulas ou cabines exclusivas para essa experiência que é assistir ao novo filme do diretor Terrence Malick, somente o quinto longa metragem de sua carreira.

Quem já assistiu a algum de seus filmes, especialmente os recentes Além da Linha Vermelha e Um Novo Mundo, sabe o que esperar. Questões existenciais, filosóficas e subjetivas, belas e misteriosas imagens, sensações a serem despertadas. Nada de uma história com começo, meio e fim. Nada de muito convencional, mas se analisarmos que “A Árvore da Vida” funciona como nossa própria memória, em idas e vindas, delírios, sonhos, deturpações, divagações, veremos que não é tão complexo assim. Basta querer entrar na viagem.

É um filme pretensioso, ousado, até metido a besta, pois o cara, imaginem, ao mesmo tempo em que acompanha momentos da vida de uma família texana na década de 1950, quer resumir a criação do universo desde o big bang até, pelo menos, os dinossauros. Nada a ver ou tudo a ver? A maioria imagina nada a ver, mas eu achei uma sacada bem simples e que diz muito a quem pensa demais a vida (o que não significa agir), como fazem pelo menos dois dos personagens principais — a mãe dos três meninos e o mais velho, Jack, vivido na fase adulta por Sean Penn e sua eterna cara de melancolia plena (e Melancolia, aliás, é o próximo filme de minha lista – ainda não vi).

Para a mãe, ao receber a notícia da morte de um dos filhos, provavelmente na guerra, não interessa se somos pequenos perto da grandeza do universo desde sua criação, se somos intrusos em um planeta que já existia muito bem sem a gente e que já dizimou tantas e tantas espécies, para ela o centro do universo é sim aquele momento, aquele dor e quem há de dizer a ela, ou sequer duvidar que o que ela sente é tão grande como as explosões por que passou a própria Terra…?

Somos nada ou somos muitos? Por que nos distanciamos daquilo que fomos na infância?, pergunta Sean Penn. Onde nos escondemos? Como nos transformamos?

É um filme que te faz pensar, mesmo quando você se distrai com as sequências da criação do universo e se pega pensando em algo motivado pelo que vê… questões existenciais no cinema? Filosofia na tela grande? Pretensão e água benta? Não vá ver A Árvore da Vida. Com certeza você vai sair dizendo que é chato, lento, vazio, uma boa bomba… Porque não estamos acostumados a esse tipo de convite nos cinemas, porque não queremos pensar na vida dentro do cinema, porque nossa memória vai nos levar a lugares que não queremos ir dentro do cinema, porque pensar na vida eou na morte dentro do cinema só é bom quando é a dos outros e não a nossa própria. Porque estamos acostumados a uma narrativa e a uma velocidade que Malick desdenha e ignora.

É um filme difícil. Para ir sem sono. Sem armas. Com todos os sentidos aguçados. Para pensar sozinho. Não é um filme para se debater depois. Melhor analisar os erros do último capítulo da novela, melhor falar de futebol no barzinho. Essas questões são muito individuais. Para aquele momento no travesseiro, antes de pegar no sono. Para os momentos sozinhos olhando o mar da varanda de um navio. Para quando a vida nos obriga a pensar nisso (por exemplo, quando perdemos alguém querido).

Vou repetir: não vá ver A Árvore da Vida. Dificilmente você vai gostar. Porque é um filme diferente e difícil. Com o vaievém da memória, com muita pretensão, com uma poesia belíssima, mas dura.

Não arrisque nem por Brad Pitt, que está magnífico em uma interpretação delicada e violenta ao mesmo tempo. Nem pelos meninos, um deles parecendo uma miniatura de Pitt (logo o que morre na guerra).

Mas quando você quiser viajar, pensar na vida, ter uma experiência única, alugue ou compre o filme e assista sozinho, em sua mega TV, pouco antes de dormir…

A presença de Pitt e o nome ajudam a enganar e atrair uma plateia maior que deveria. Sim, não é para muitos mesmo…há coisas que são assim, sem preconceitos ou arrogância. O que não quer dizer melhor ou pior (assisti também ao Super 8 e achei uma delícia, uma homenagem aos filmes spielberguianos da década de 80, esse eu recomendo, com direito a nó na garganta no final). É como o filme Melancolia, que não vi ainda. Mas pelo menos ninguém entra enganado em um filme com esse nome e dirigido pelo polêmico Lars von Trier, mais conhecido que Malick pelo grande público.

O próximo filme de Terrence Malick, já filmado e em fase de montagem (A Árvore da Vida levou três anos na mesa de edição, com cinco montadores diferentes), será uma história de amor… Espero que eu esteja solteiro quando for assistir, pois do jeito que ele faz pensar…

Só mais uma vez para não ficar dúvida: não vá assistir ao melhor filme do ano. É chato, pretensioso, lento, filosófico… Mas eu adorei (provavelmente o único em um cinema com mais de 100 pessoas). Melhor ir assistir ao filme do Woody Allen, com as piadas de sempre, o humor de sempre, território conhecido (e a gente ainda sai se achando culto do cinema, pois conhece as figuras citadas por ele no filme)… Ou embarque na diversão garantida de Super 8 (uma mistura de Os Goonies, Conta Comigo e ET…).

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Sobre o Autor

Artur Andrade

Artur Luiz Andrade é carioca, taurino, jornalista e nasceu em 1969. É editor-chefe da PANROTAS Editora e mora em São Paulo desde 1998

Comentar

  • Artur,

    O que uma segunda-feira fria e nebulosa é capaz de fazer com nossas percepções! Tenho a impressão que “Melancolia” vai te tocar tão fundo como “A Árvore da Vida”. Em comum apenas o desejo de não compartilhar perguntas que provavelmente nunca serão respondidas.
    Belo texto!
    Abraços,
    Flávio Vieira

  • Concordo: é filme para ver sozinho.

    E discordo:o filme pode render discussão, tanto logo depois de assiti-lo, com aquela percepção inicial, quanto depois de alguma reflexão, para quem aceita o convite de pensar sobre questões tão abrangentes…

    Sobrou água benta, pra mim. E só vi inovação no meio (colocar esses questionamentos dessa forma no cinema), a “mensagem” me decepcionou. Vamos ver Melancolia e falamos da Árvore da Vida, pra vc ver como rende discussão!

    Bjo,

    • Pensa bem, Maria Izabel. E nós fomos ver com “tarifa de grupo”…rs. Sabia, desde que vi a primeira cena, que vc ia achar muito água benta mesmo. Mas devo te dizer que o filme entra na gente porque no domingo lembrava das passagens o tempo todo. E ainda me deu a maior saudade do meu pai.

      Por isso, para o Melancolia vocês não me pegam…he he. Ainda bem, segundo Artur. Mas eu aceito ir no chope depois para “ouvir” a discussão. Como se eu conseguisse ouvir sem falar alguma coisa também.

      Bjs.

  • Realmente acho que não é filme pra muitos não, Artur. Supondo – e aí posso estar errado – que uma boa parte das pessoas não esteja aberta ao inconvencional, ao território desconhecido, àquilo que muitas vezes não pode ser respondido. Tenho a impressão que aqueles que gostam de achar significado em tudo, mensagem em cada ato, vão se frustrar em ambos os filmes, porque nem tudo dá pra ser ou precisa ser explicado. Se o cara não se permitir entrar na viagem – como vc bem disse – vai sair do cinema xingando. São filmes pra vc viajar junto

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Sobre o autor

Artur Luiz Andrade é carioca, taurino, jornalista e nasceu em 1969. É editor-chefe da PANROTAS Editora e mora em São Paulo desde 1998

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