Há um certo alarmismo de setores ou pessoas do trade em relação às últimas notícias sobre a Gol, que contrasta bastante com opiniões de especialistas, a palavra dos diretores da empresa e até com os intermináveis elogios da cúpula da Delta em relação à companhia nacional, de quem é parceira e acionista minoritária. Neste último caso, é compreensível. Por que a Delta viria a público dizer-se insatisfeita com a Gol se não está (os números provam isso, com a parceria decolando como previsto) e se sabe, por experiência própria, que na aviação sempre há turbulências no caminho de qualquer empresa, já que muitas das variáveis que definem o negócio não dependem do comandante em si?
E o comandante, analisando friamente, está sim tomando medidas para aliviar a turbulência e alcançar o tão almejado céu de brigadeiro. Aqui entra a percepção do público e do trade: com razão, há quem veja uma crise séria, já que dia após dia aparecem notícias negativas em relação à Gol. E isso já vem de meses. Em vez de “falar tudo de uma vez” ou explicar claramente a estratégia, o que vemos é a companhia fechar-se, comunicar-se em notas oficiais curtas e seus porta-vozes darem declarações aqui e ali, cada vez com uma nova “notícia ruim”. O caso da demissão dos gerentes foi sintomática: como não havia informado a todos os demitidos de que deixariam a empresa, a Gol não soltou uma lista, mas um comunicado dizendo que demitiria alguns gerentes. Criou-se um zumzumzum no trade que em nada ajudou. Isso em meio à feira da Aviesp, se não me engano. E demissões, em qualquer contexto, são as piores notícias esperadas pela imprensa, pelos funcionários, pelo trade… Um sinal de alerta. Mas alerta de quê? É preciso entender e saber diferenciar.
Nasce, assim, a percepção de uma crise que, a meu ver, e na opinião de muitos, é menor do que parece. E que na aviação pode ser chamada de reestruturação, redirecionamento. A Gol não está em recuperação judicial como já estiveram TODAS as grandes companhias americanas. A Gol, a despeito do orgulho variguiano, não tem uma administração nebulosa e um presidente a cada mês, como a Varig em seu fim. A Gol já nasceu no mundo dos multicanais e vende em todos eles, seguindo a mesma política comercial da Tam, por exemplo. A Gol começou sim apostando na venda direta, mas mudou a estratégia com o crescimento e com a percepção que não podia viver sem o indireto. Depois da compra da Varig, aliás, passou por outra reestruturação, abandonando o longo curso internacional e obtendo rentabilidade, e aproximando-se do corporativo. Ou seja, a companhia mostrou que sabe adaptar-se, buscar aliados fortes (a Delta, exemplo maior, o corporativo, onde tem várias alianças), tomar decisões impopulares para o resultado acontecer.
Os últimos balanços, negativos, são a capa que transforma esse período em algo maior ainda. Uns aproveitam para tocar o terror, fazer alardes desnecessários, ruins para o setor e ótimo para o governo, louco para utilizar as garras do controle, da limitação de preços, aquelas ações antigas do tempo do DAC. Louco para encobrir as próprias falhas, que, para o público final (mas não para o trade, que não pode ser leigo a esse ponto) é sempre (e não às vezes, como seria o correto) culpa da empresa aérea e não da Infraero, do Controle Aéreo, da Anac, e outros órgãos.
A nova Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear) nasce para isso também: mostrar a real situação da aviação, articular melhorias e ser um canal mais rápido nas negociações para o setor (sejam elas de infraestrutura, segurança, modelos públicos e tantas outras). O lado de cá (distribuidores, clientes) também pode se beneficiar, pois, aí com razão, é comum vermos as companhias priorizarem um ou outro canal de vendas, dependendo da nebulosidade nos céus, sem maiores “explicações” aos demais. 100% de transparência comercial não existe, mas deveria. Um pequeno parêntese para salientar que a maioria dos que reclamam das políticas comerciais das aéreas são pequenas agências, que foram sim abandonadas e “não interessam” mais às aéreas, ficando sob a responsabilidade de consolidadores (em vez de uma entidade qualquer). As grandes têm cacife, e muito, para negociar e serem ouvidas.
Tudo isso, enfim, para dizer que a Gol exagera nesse derrame de “notícias impopulares ou necessárias” (importantes na reestruturação) e na falta de porta-vozes que expliquem aos grandes e pequenos (e não apenas aos primeiros), e aos consumidores. Mas alguns exageram também ao comentar a situação da empresa, um exemplo elogiado mundialmente e que em uma década de vida já era a segunda maior companhia aérea do País.
Vem aí um novo presidente (decisão que não deve ter sido fácil, obviamente), uma nova fase (é o que se espera) e uma adequação de rota. Quem é da aviação sabe que é isso tudo é normal. Sabe que houve erros (de relacionamento a apostas arriscadas) e acertos (do foco na América do Sul às modernas aeronaves e o investimento no corporativo), mas também uma conjuntura difícil que afeta todas as companhias nacionais. Mas isso é assunto e missão para a Abear.
Não há certo ou errado… Mesmo os exagerados têm sua razão. Mas essa onda de tiro ao alvo à Gol ou a qualquer outra empresa não é boa para o turismo em si. Gera percepções erradas, gera confusão, desinformação. Algo que pode ser aliviado pela própria empresa em sua estratégia de comunicação. Algo que pode melhorar com a chegada da Abear. Algo que um mercado maduro não deixa acontecer.
Gostei muito do seu post Artur. Você falou de forma sábia e profissional.
É muito difícil falar quando recebemos informações desencontradas e estamos no meio de tudo isso e pior quando estamos entre os desligados. A Cia esta trabalhando em sua reestruturação e acredito que alcançará suas metas.
O ruim de tudo isso é a quantidade de bons profissionais que estão lançados no mercado, disputando pelas poucas vagas com remuneração coerente que temos.
Hoje muitos destes profissionais certamente se colocarão com facilidade, mas também temos o lado em que eles não terão muito tempo para avaliar ou buscar uma boa proposta.
O profissional como analista, agente, supervisor, coordenador, etc., que recebe suas verbas rescisórias e dá entrada em seu seguro desemprego recebe indicações de trabalho com cargo e salário compatíveis com o anterior, mas o profissional de turismo formado turismólogo, vai receber propostas para ser analista, supervisor, coordenador de venda de cartão de crédito, ou seja, de quê vale o turismo hoje, se não há garantia de trabalho no trade?
O diploma, a profissão, não tem valor e se este quiser se recolocar, terá que ser rápido ou não terá que vender assinatura de revistas.
Artur, ola,
Parabéns pelo excelente texto!
O que melhor se encaixa com este tumultuado de informações, é de nosso amigo Domenico De Masi, que fala muito do paradigma entre modelo pós-industrial e industrial em nossa sociedade e claro tambem em companhias aereas.
Obrigado
Marcelo Cohen
Platinum Turismo
Artur,
Concordo contigo, este foi mais um post de “esclarecimento e utilidade pública”.
Vou destcar aqui um pequeno trecho, que eu, se fosse presidente de entidade me envergonharia, mas que disse tudo: “a maioria dos que reclamam das políticas comerciais das aéreas são pequenas agências, que foram sim abandonadas e “não interessam” mais às aéreas, ficando sob a responsabilidade de consolidadores (em vez de uma entidade qualquer).”
Associações de classe… hummm, sei não, mas acho que virou coisa do passado ou para inglês ver; saudade. E sobre a lápide delas, algumas poucas empresas inflam seus bolsos achatando o mercado…
Abraços,
Rodrigo