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NÚMEROS, CLASSES E PESSOAS

Chego cedo em aeroportos. Uma, duas, três horas antes. E fico observando tudo, as filas longas (as da Gol maiores que as demais…), o atendimento, as facilidades, as dificuldades, oa barracos… No sábado, o apresentador Zeca Camargo espumava no balcão da loja da  Tam. “Ela me disse para fazer depois e agora isso”… Quando fui para o check-in já havia uma comitiva tentando entender o problema… pelo que ouvi, uma grande diferença tarifária. “Não vou pagar. Posso não viajar, mas não pago”, foi a última frase que ouvi. Talvez eu comece a entender o problema das companhias aéreas na relação com os passageiros. Curiosamente passei no balcão de Avianca, Tam e Gol no Santos Dumont… E fui montando minha teia de conspirações… hehe parece até filme do Oliver Stone… mas nada disso. A questão é uma só…

O cliente, ao falar com um atendente, comissário, piloto, supervisor… vê uma pessoa que representa uma companhia. E que está ali para realizar as tarefas que lhe foram designadas mas também para, como um ser humano, pelo menos tentar resolver problemas que apareçam, ter reações simpáticas e solidárias com os problemas do passageiro.

O funcionário das empresas aéreas brasileias nos veem, passageiros, como um número ou uma classe tarifária. Como cifrões. Mr. Silva é a classe J que permite trocar reservas sem multa, Mr. Silveira, tadinho, comprou a passagem mais barata e está querendo alterações sem multa. Ele não leu as regras tarifárias? Mr. Souza é o primeiro da lista de espera, mas o voo está lotado… Mr. Saraiva é o terceiro que pede Coca diet, mas só servimos Pepsi. Mr. Salazar está com a reserva vencida. Vai ter de ir para a loja.

Tudo em nome de regras e procedimentos. Não há humanidade, não há relações, apenas gestos automáticos. Mecânicos. Repetitivos. Não cabe improviso.

Enquanto isso persistir, sermos tratados como números e valores, os problemas persistirão…

Some-se a isso, a sensação de poder que os funcionários de check-in sentem ao manusear listas de espera, upgrades, prioridades… Quem não tem um caso de supervisores de check-in que se acham presidente da empresa? Também conta a insatisfação dos funcionários de aviação. Com o aumento da segurança e o risco de atentado (e até acidentes, que se tornaram mais “comuns” no Brasil), a função de comissário passou a ser mais estressante, angustiante, difícil. Ainda acho que são os mais felizes, mas o que tem de gente infeliz trabalhando em terra… vendo os aviões partirem… Basta ver como respondem a qualquer pergunta: é a regra da tarifa, não posso fazer nada, o senhor sente ali e aguarde… naquele tom de voz que quer dizer “anda logo, que quero ir para casa”…

Enquanto esses funcionários não forem felizes, enquanto o poder dos supervisores NÃO for mais transparente (por que ainda usamos listas de espera escritas à mão? cadê os paineis que mostram claramente quem está esperando o quê, como nos EUA?), enquanto formos apenas números e recebermos tratamentos automáticos… voar vai sempre estar muito próximo da linha do estresse, da decepção, da relação de consumo conflituosa. Pode ser que tudo dê certo, que você não precise nem de água (paga em algumas aéreas). Mas pode ser que você tenha a impressão de estar falando com uma máquina… E máquinas são programadas, não interagem como um humano.

A questão da infelicidade vale para o telemarketing… Ninguém é feliz lendo aqueles textos pré-definidos. Por isso nos irritamos tanto: os atendentes repetem, repetem, repetem… Não nos ouvem. Para eles não importa o motivo da ligação, vale o padrão, o que está escrito… se estamos satisfeitos? Isso é com o SAC…

Muita conspiração? Não sei não… Mas que falta a relação ser humano/ser humano no trajeto aeroporto-aeroporto, ah falta…

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Sobre o Autor

Artur Andrade

Artur Luiz Andrade é carioca, taurino, jornalista e nasceu em 1969. É editor-chefe da PANROTAS Editora e mora em São Paulo desde 1998

Comentar

  • Artur
    Enquanto cobrarem 3 kg de excesso de bagagem da querida Dona Maria, com 87 anos, vindo de Campo Grande pela Gol, está realmente faltando aquele toque humano.

    Ela tirou os queijos que trazia na mala e levou na mão ! Sugestão dada pelo atendente. Esta no procedimento ? Claro que estava. Mas vamos combinar que fazer uma senhora de 87 anos carregar 3 kg pelo aeroporto e dentro do avião é falta de sensibilidade ?
    bjs

  • Artur,

    Ótimo teu texto. Nos sentimos impotentes diante da arrogância das cias aéreas, seja como passageiros ou agentes de viagens. As cias se vêem em cima de um pedestal completamente ilógico. Sem o passageiro (nem digo sem nós agentes) elas não existiriam.. e simplesmente não enxergam isso. É um tal de dizerem que “o sistema não permite”, a” regra não permite”… “não podemos fazer nada meu Senhor”… “próximo da fila!”. Realmente não entendo esta relação.

    Abç.

  • Fomos ao show da Alanis no Credicard em São Paulo. Havia um casal que esqueceu de imprimir o comprovante da compra do seu bilhete e não pode retirar os ingressos, mesmo tendo um tablet e mostrando a comprovação de compra. Achei uma vergonha. Inclusive peca contra uma das mais básicas regras de respeito ao meio ambiente. Prá que imprimir algo que possui um código que pode ser simplesmente digitado em um terminal para que o ingresso seja validado. Resultado, o casal foi prá casa sem ver o show… Uma vergonha

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Sobre o autor

Artur Luiz Andrade é carioca, taurino, jornalista e nasceu em 1969. É editor-chefe da PANROTAS Editora e mora em São Paulo desde 1998

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