A revelação mais devastadoramente cruel que a vida jogou em minha cara é a mais óbvia (e talvez nada cruel) delas: nada é para sempre, tudo morre, o fim chega para todas as coisas, todos nós.
Pode ser vista também como grande conforto: tudo, absolutamente tudo acaba, não há exceção. Racional demais? Na hora da perda, não acho que isso conforte. O fim do namoro da sua amiga alivia o fim do seu? Ou antes ele do que eu? Perder, terminar, morrer… o fim é difícil de ser aceito, mas há mecanismos no cérebro para que nos conformemos e sigamos adiante. Como ver que o outro também morre, se separa, vai à falência, acumula perdas ao longo da vida.
Mas há também os que não deixam morrer. Viver e deixar morrer, já dizia a canção jamesbondiana. Porque enganar-se quanto aos fins da vida é não viver o que se tem de viver, é mentir, ludibriar-se, gastar um tempo que não temos, e talvez, aos poucos, matar a si mesmo (quando já há gente dedicada a isso).
Em meio à ilusão, sempre aparece a verdade. Ou a saudade. Por que inventaram a saudade? Vem e não deixa que algo te reconforte, que te iluda. E pior: vem uma nova perda. E uma outra decepção (com a vida ou consigo mesmo?). Nenhuma explicação. O ciclo é quase o mesmo.
Em um desses momentos de “a verdade nua e crua da vida”, coincidentemente eu, que estudei em colégio de padre, fiz Primeira Comunhão, Crisma e até já me confessei (católicos pecam por pensamentos, palavras, atos e omissões, vale lembrar), eu estava afastado da “religião formal”. E mais pedindo a Deus do que fazendo algo por ou para Ele.
Isso também pode ser visto como alento? A negação de tudo. Somos nada. Tudo é nada. Acredito em nada. Então não vale a pena chorar. Somos algo que aconteceu na natureza e que, dizem, está perto da extinção. O caos conforta. Como se um meteoro gigantesco fosse se chocar contra a Terra. A ideia de todos morrerem juntos conforta. Conforta? Nem pensamos no futuro daqui a 100 anos. Na continuação. Nessa hora, somos egoístas. Morram junto comigo.
Mas enquanto não somos extintos… todos queremos viver. De preferência bem casados, bem amados, bem estruturados. Colecionando bens, diriam uns. Bens materiais, gritariam outros. Bens quaisquer. Enfim, bem. O que importa é somar e não passar a vida contabilizando… as perdas (de amores, casamentos, amizades, situações…).
Mas como não lembrar das perdas quando sentimos um cheiro familiar, ouvimos uma canção que nos transporta diretamente para lá, aquele tempo que estávamos tentando abafar dentro de nós, sentimos um toque que não deixa dúvidas, uma voz te dando ordens, outra sussurrando em seu ouvido, um choro de criança no meio da noite, um lamento de pai e de mãe… Não, mais uma vez não há consolo. Compensação. Não é um por um, uma vida por outra. E não dá para comparar momentos, relacionamentos, mesmo as perdas…
Vai o emprego, vai o romance, vai a gargalhada, vai a fase dourada, vai a pele lisa, vai o fôlego, vai o melhor amigo, vai a mulher mais bonita, vai o homem charmoso, vai o safado gostoso, vai aquela lá, vai o Rex, e também vão as ilusões… Vai o molho da macarronada. Vai a liberdade que nunca tivemos, mas tínhamos a certeza de ter. Vai o tempo como um vulto que passa em nossas costas. Olhamos para trás, vemos que não há nada, e ao voltarmos a cabeça… lá se foram décadas. Lá se foram… tempos.
Tudo vai e no dia seguinte ainda estamos achando que o mesmo tudo é para sempre, mesmo tendo passado a noite com o sal das lágrimas, o doce do sangue e a insipidez da chuva que cai para provar que não, não é para sempre.
E acho que aprendemos a lidar com perdas, pois cada perda significa também um passo novo para o fim, o nosso próprio. Não pensamos nele. Mas sabemos que está lá. Caminhamos para ele.
Minutos depois já estou me contradizendo, fazendo planos para daqui a 200 anos. Devo acreditar em reencarnação… Não venha, meteoro. Não venha. Ou só me acorde quando eu puder respirar em… Vênus. Devo me congelar, como fez Walt Disney?
Somos capazes de ser felizes de novo, ou de vivermos felizes momentos, pois nossa mente cuida, “ainda cuida”, bem de nós. Nos engana. Nos faz esquecer. Rir é melhor que chorar e então quando vemos… de novo é para sempre. Mas na próxima verdade esfregada em nossa cara, nos lembraremos de tudo, veremos que não podemos mais ser tão felizes e ora nos revoltaremos, ora colocaremos tudo na conta de Deus. Se foi Deus que quis assim, por que vamos questionar? Se não temos controle, por que lutar?
No dia seguinte, já estamos novamente negociando com Deus. Pedindo mesmo. Sem sabermos onde estamos e por que aqui estamos. Se é uma guerra ou uma odisseia de perdas. E até a quem pedimos.
Há quem diga que cada morte é um pedacinho do seu coração que morre. Há quem diga que cada morte é alguém querido esperando… do outro lado. Há quem diga que cada morte deixa um pouquinho de quem se foi guardado dentro de você, que vai ficando pesado e com uma leve inclinação para a esquerda. Há quem diga que cada morte não quer dizer absolutamente nada. É a natureza se renovando, mesmo que pelas mãos do homem. Há quem não diga nada. E é assim que tem de ser. Cada um sabe o tamanho de sua perda, de sua dor. Seja uma vida, seja um amor, seja um bem, seja um mal.
Por isso não estranhe esses jovens fazendo juras de amor nas redes sociais, amando escancaradamente, amando para sempre. E sem o nosso papinho de que as estrelas do céu não estão mais entre nós. Mesmo fantasmas, elas emolduram essa paixão, esse ardor, esse fogo e amor que são o que nos leva até o fim (fim?) da vida. E não estranhe se hoje eles amam mais que tudo e amanhã trocam de amor. E ambos são eternos. E ambos são intensos e irão com eles até o tal fim.
Nós ainda somos esses e aqueles jovens. E eles ainda se encontrarão em nós. Mesmo que não nos vejamos mais. Mesmo que nossos tempos se sobreponham e se distanciem a cada mistura.
Outras revelações devastadoras virão. Muitas vezes ouviremos “eu não te amo mais”, “você está dispensado”, “não me ligue”, “não precisamos mais de você”, “não”, “não”, “não” e “nunca mais a verei”. Não tente entender. Não argumente com os surdos e os extremamente racionais.
É mais uma perda. Guarde-a em seu baú de sonhos despedaçados, em sua gaveta de memórias tristes, em seu quartinho escuro de lágrimas, em seu vaso de plantas daninhas… e volte à tona. Nada é para sempre. Talvez nem mesmo a perda. E ainda estamos interligados de alguma maneira. Mesmo que você acredite em tudo. Ou em nada.
Há dores mais devastadoras e dilacerantes e nem quero falar delas aqui. Mas juro que as entendo. E torço para que também achem o seu lugar. E libertem quem as tem.
Depois que descobri, mesmo já sabendo, que tudo tem um fim, passei a acreditar em fases. Em capítulos da vida. Separações (não importa o motivo) são parte dela. E coadjuvantes ou protagonistas, estamos na ficha técnica desse filme. Há pessoas que não vemos há dois capítulos, há quatro fases da vida… mas quando olhamos uma foto, sabemos dela ou mesmo a reencontramos… é o tempo mais uma vez passando como um vulto, só que em nossa frente, e em fast forward, trazendo aquelas lembranças de volta, e fazendo parecer que ainda é domingo, ensolarado, de tarde e o mar está a nossa frente.
Aos bules e às xícaras, aos coadores e às vasilhas… muita atenção. O café pode estar quente e saboroso. Ou amargo e travando a língua. Ou nada disso e muito mais. Mais um capítulo. Mais uma faixa do LP. Mais um tuíte. Mais um post.
Mais tudo. Mais nada… Tudo se acaba. Ou acaba indo para algum outro lugar.
Mas antes disso, responda, você quer namorar comigo? Posso trabalhar com você? Olha essa foto linda, como ele estava feliz. Lembra daquele réveillon, nós três na janela e os fogos ali no horizonte de prédios? Senta aqui e me conta por onde andou esse tempo todo.
Você acredita em cometas destruidores ou reencarnação? Em extinção ou renovação? Em nada ou somente em você? Na verdade ou na versão? Em religião ou no trabalho? Em omissão ou acaso? Em perdas ou na vida?
Você acredita em mim?
Não deveria.
TODOS OS DIAS QUANDO ACORDO… http://t.co/dQTFx3teB0
Feliz Ano Novo pra você também, Artur…
[]’s
Luís Vabo
Feliz Ano Novo? Pra mim já começou Há Tempos (outra música do Legião…). Pelo menos você não perguntou se eu tô deprimido… Não estou, just in case. Esses textos vêm vindo, vêm vindo e um dia saem… fruto de conversas, experiências, criatividade e até insônia.
Abraços e aguarde hoje os finalistas do Prêmio PANROTAS de Inovação em Tecnologia para o Turismo (PIT)
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Vai a liberdade que nunca tivemos, mas tínhamos a certeza de ter.
Show Artur…
Abraços,
Obrigado, França…
boa semana, como dizem cá os paulistas rs
Artur
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Artur,
Bom dia. Que post profundo… Quando li o título, imediatamente me veio à cabeça, a música do Legião Urbana. Impossível não seguir cantando… E me peguei na mesma reflexão. Tudo tem um final, não tem jeito. Tristeza? Não… Aprendizado… Ontem ao dormir, só pedi para acordar hoje e ter um dia tranquilo… O resto, é resto… Parabéns, me emocionou!
Pois é, Soraia… agora também estou com essa canção na cabeça rs Mas isso não é ruim… Pensar na vida é até bom diante da rotina estressante que temos.
Abraços
ARTUR
Artur, o bom de tudo isso é que… SOMOS TÃO JOVENS… rsrsrs…
Continue nos brindando com suas palavras, é um prazer ler seu blog!
Um abraço.
Excelente texto!
Uma ótima ferramenta para aperfeiçoarmos nossa brilhante e inconstante mente.
Nós somos o centro do nosso próprio Universo.
Temos o livre arbítrio para escolhermos entre ser o protagonista, coadjuvante ou apenas um mero espectador da nossa própria vida, dos nossos próprios sonhos.
E cada um entenderá esse texto de uma forma diferente.
Cabe-nos a procurar filtrar e absorver tudo da forma mais positiva possível.
Pensamentos positivos nos leva a energias positivas.
Parabéns pela postagem!
Obrigado, Vitor…
esse livre arbítrio que é o ponto, não é?
Bom fim de semana
Abraços
Artur
Belíssima crônica, parabéns !
Obrigado, Fernando
bom fim de semana
Abs
Artur
Artur,
Impossível descrever por onde as belas palavras do seu texto e o tormentoso andar do seu pensamento conduziram minhas memórias e meu pensar….Mas uma coisa é certa: foi uma viagem tão intensa e profunda como àquela que o fez produzir (e postar) este texto.
Quero agradecer por compartilhar com todos nós estas discussões, por conseguir espelhar em belas e simples palavras pensamentos tão profundos e discussões tão vitais e ao mesmo tempo tão comuns à todos nós que, cotidianamente, enfrentamos este belo desafio de viver a vida em toda sua extensão de prazer e de dor. Minha reverência à toda a qualidade e experiência acumulada que permite que um JORNALISTA (assim em maiúsculas) produza e publique tal reflexão.
Tomo a liberdade de publicar um link para seu texto também na minha página pessoal do facebook compartilhando isto com meus amigos mais próximos. Grande abraço
Obrigado Carlos Arthur…que bom que essa reflexão foi sentida e compartilhada por diversas pessoas como você que me mandaram e-mails ou comentam quando me encontram. De vez em quando saio do turismo e penso na vida rs
Mas vou te passar um email falando de turismo rs
Abraços
Obrigado
ARTUR