Turismo Acessível e inclusivo

(Imagem criada por Cacá Filippini através do Canva) Sobre: Turismo Acessível e Inclusivo, bom para a pessoa com deficiência e uma oportunidade para o setor.

Muitas são as dúvidas que empresas ligadas ao turismo apresentam quando o assunto é: Turismo inclusivo e Turismo acessível. O que difere inclusão e acessibilidade? Qual ação diante de um viajante com necessidades especiais? O que posso fazer para melhor atendê-lo? Que medidas tomar para aprimorar sua experiência no turismo?

Como mãe de adolescente atípico, vivenciei diferentes situações ao longo desses 15 anos. Sendo muitas dessas negativas, comecei a me especializar no assunto para descomplicar a temática tanto para o trade, como também para o viajante e/ou sua família.

É importante destacar que no caso do meu filho, autista – pessoa com transtorno do Espectro Autista, suporte 1, não há dificuldades de mobilidade. Sua deficiência é intelectual. De modo a dificultar a classificação de “pessoa com deficiência”.

A pessoa é considerada “deficiente” quando tem um impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. Os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com outras pessoas. 

BRASILEIROS COM DEFICIÊNCIA

45 milhões! Esse é o número de brasileiros que se reconhecem com alguma deficiência. Seja: visual, auditiva, motora ou mental.

Deficientes no Brasil – Censo 2021

Quase 24% da população, de acordo com o censo demográfico realizado pelo IBGE em 2021. Número esse que corresponde a toda a população da Espanha. Adicionalmente, dos 45,6 milhões de brasileiros com deficiência, 18,8% são exclusivamente, visuais. Em segundo lugar está a deficiência motora, ocorrendo em 7% da população; seguida da deficiência auditiva, em 5,1%; e da deficiência mental ou intelectual, em 1,4%.

Tendo como referência a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, assim como a Lei Brasileira de Inclusão, entendemos que a deficiência é um conceito em evolução. Composta pela interação de três dimensões principais: os impedimentos, as barreiras e as restrições de participação dessas pessoas quando comparamos com o restante da população.

Estima-se que mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo tenham algum tipo de deficiência (Organização Mundial da Saúde – OMS, 2012). Dessa forma, a conscientização da importância da acessibilidade tem crescido de forma significativa no Brasil e no mundo, refletindo esse resultado na legislação e nas políticas públicas voltadas para o tema, bem como, em todo o ecossistema que forma o Turismo.

oportunidade de negócios

Trata-se de um importante segmento da população que tem dificuldades em realizar viagens de lazer, seja por ausência de acesso às instalações e serviços turísticos, seja pela inabilidade ou incapacidade no atendimento preferencial e personalizado para as diferentes tipologias de deficiência que essas pessoas apresentam. Além disso, a pouca informação acerca da acessibilidade nos serviços e empreendimentos turísticos, a discriminação e experiências negativas e constrangedoras desencorajam esses potenciais consumidores

Uma pesquisa eletrônica, feita recentemente pelo Ministério do Turismo com a Unesco, apontou que 50% das pessoas com deficiência deixaram de viajar por falta de acessibilidade.

Embora não tenhamos dados em relação à representatividade dessa faixa da população no turismo brasileiro, pesquisas internacionais enfatizam a importância desse público consumidor. Nos Estados Unidos, a Open Doors Organization5, realizou um estudo conduzido pela The
Harris Poll nos anos de 2018-19, em que em um período de 2 anos, 27 milhões de viajantes fizeram um total de 81 milhões de viagens e gastaram US$ 58,7 bilhões em suas viagens, ante US$ 34,6 bilhões no estudo anterior, realizado em 2015. Os gastos com viagens aéreas também aumentaram para US $ 11 bilhões, ante US $ 9 bilhões em 2015.

Acessibilidade e inclusão no turismo

O turismo acessível é um conceito que promove a igualdade de oportunidades, permitindo que todos os indivíduos possam explorar e desfrutar de destinos turísticos sem barreiras ou obstáculos que possam limitar sua participação.

A acessibilidade no turismo abrange diversas dimensões. Inicialmente, refere-se à criação de infraestruturas e instalações que atendam às necessidades de pessoas com mobilidade reduzida, como rampas de acesso, elevadores, corrimãos, banheiros adaptados e estacionamentos adequados. Essas medidas tornam os locais turísticos mais fáceis de serem explorados, garantindo a independência e a autonomia dos viajantes com deficiência.

Além da acessibilidade física, o turismo acessível também envolve a disponibilização de informações turísticas claras e acessíveis. Isso pode ser feito por meio de websites, aplicativos móveis, guias impressos e placas informativas que sejam compatíveis com leitores de tela, contenham linguagem simples e ofereçam descrições detalhadas das atrações e atividades disponível.

Complementarmente, o turismo inclusivo é uma abordagem que visa garantir que todas as pessoas, independentemente de suas habilidades e necessidades, tenham igual acesso a experiências de viagem. Ele se concentra em criar um ambiente acolhedor e acessível para todos os turistas, incluindo aqueles com deficiências físicas, sensoriais, cognitivas ou outras necessidades especiais.

O objetivo do turismo inclusivo é permitir que todas as pessoas desfrutem de destinos turísticos, atrações, atividades e serviços de maneira equitativa. Isso envolve a remoção de barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais que possam impedir a participação plena de pessoas com necessidades especiais.

Em adição ao turismo acessível, o turismo inclusivo inclui a acessibilidade comunicacional, que envolve o fornecimento de informações em formatos acessíveis, como linguagem de sinais, braille, letras grandes ou tecnologias assistivas.

Em suma, ao adotar práticas e políticas inclusivas, destinos e prestadores de serviços turísticos podem criar ambientes mais acolhedores e acessíveis, contribuindo para uma sociedade mais inclusiva e igualitária. Ao adotar práticas inclusivas, destinos e empresas do setor podem alcançar um público mais amplo e diversificado, aumentando sua visibilidade e atraindo novos clientes. Outrossim, benéfico para as pessoas com deficiência, mas também para toda a indústria do turismo.

Viagem inclusiva ao Pantanal Sul

Turismo inclusivo: registros da estada na Pousada Xaraés, Pantanal Sul (arquivo pessoal)

O Pantanal Sul Matogrossense é um lugar de beleza indescritível, um paraíso natural que encanta os olhos e a alma de todos que têm o privilégio de visitá-lo. Localizado no coração do Brasil, é a maior área alagada contínua do planeta. Portanto, um dos ecossistemas mais ricos e diversos do mundo.

É ali que se encontram algumas das espécies mais icônicas e ameaçadas do continente, como a onça-pintada, o tuiuiú, a arara-azul, o jacaré e o tamanduá-bandeira. A diversidade de aves é especialmente impressionante. De modo que são mais de 650 espécies registradas, fazendo do Pantanal um verdadeiro paraíso para os observadores de pássaros. E um local repleto de sons, que formam o que chamo de “o barulho do silêncio”.

Especificamente, esse foi o cenário que acolheu a mim, meu marido, nosso caçula Rafael (14, que tem TEA) e nosso outro filho, Allan (17) por 5 dias. Na região banhada pelo rio Abobral, munícipio de Nhecolândia, Mato Grosso do Sul, em uma fazenda de 400 hectares que recebe hóspedes e leva o nome de Pousada Xaraés.

Como chegar

Nosso ponto de partida, Aeroporto de Congonhas – SP, com voo direto à Bonito. Antes de tudo, é importante dizer que desde 2 de dezembro/21, a Gol Linhas Aéreas mantém voos diretos com duas frequências semanais para a cidade do Mato Grosso do Sul, sem escalas, às quintas e aos domingos. Nos dois dias, os voos têm saídas e chegadas previstas: de Congonhas (CGH) às 12h40, com pouso no Aeroporto Regional de Bonito (BYO) às 13h40; e, no sentido contrário, da cidade do Mato Grosso do Sul às 14h20, para desembarque na capital paulista às 17h10.

Logística é um item bastante importante, uma vez que estamos falando de viagem em família com autista. Consequentemente, menos tempo de percurso aéreo ou rodoviário são sempre bem-vindos para o Rafael (14, autista).

Trajeto rodoviário (Google Maps), Cacá e família navengando no Rio Abobral, Pantanal Sul (Arquivo Pessoal), trajeto por águas (Strava) e foto área da Pousada Xaraés (divulgação)

De Bonito à Nhecolândia, ainda tínhamos 261km pelas rodovias MS-178 e BR-262 , o que acrescentou pouco mais de 3h30min ao nosso deslocamento. Além do mais, visitamos o Pantanal no começo do mês de maio, época em que muitas das estradas ficam alagadas, por isso, não conseguimos chegar ao nosso destino final, de carro. De modo que, os últimos 16km, viraram 18km via Rio Abobral, o que resultou em 1h15min á mais. Trecho esse, que embora pudesse ser uma perrengue de viagem, foi nossa primeira experiência imersiva no Pantanal de Corumbá.

Regiões do Pantanal

No Brasil, o Pantanal se divide entre os Estados de Mato Grosso do Sul (MS) e Mato Grosso ((MT). De modo que são 10 as principais regiões pantaneiras sul: Corumbá (nosso destino), Aquidauana, Miranda, Ladário, Porto Murtinho, Coxim, Rio Verde de Mato Grosso, Anastácio, Bonito e Botoquena. Região conhecida também por Pantanal Sul ou Pantanal Maior.

Contudo, vale dizer que o Pantanal também se distribui em outros 2 países além do Brasil: Paraguai e Bolívia.

O Pantanal é conhecido por seus ciclos sazonais de inundação e seca, e os períodos de cheia e vazante são características desse ecossistema. Entretanto, a região acumulava alguns anos de seca constante e incêndios frequentes. Em dezembro de 2022, tive a oportunidade de conhecer a região de Aquidauana e Miranda, em uma viagem solo, e me deparei com rios praticamente secos, animais dividindo o que restava de água e campos com mata amarelada, castigada pela seca.

Em maio, ao retornar com minha família, me deparei conheci um outro Pantanal, cheio de rios transbordados, áreas baixas alagadas e muitas cores.

Arquivo pessoal de imagens feitas por Cacá Filippini no Pantanal Sul – abril/23

Assim, vale dizer que essas imensas áreas alagadas, abrigam uma grande variedade de plantas aquáticas, como vitórias-régias e aguapés, que embelezam ainda mais a paisagem, harmonizadas perfeitamente com as matas ciliares e as áreas de cerrado.

A cheia no Pantanal é um momento crucial para a vida selvagem e para o ecossistema como um todo. As áreas alagadas fornecem alimento, abrigo e condições de reprodução para a diversidade de espécies, incluindo peixes, aves, répteis e mamíferos.

Imersão no pantanal

Temos que combinar que para aqueles que vivem nas grandes cidades, sufocados pelas filas quilométricas de carros, transporte público lotado, relógios cronometrados segundo á segundo e em estado de alerta constante, escapar um pouco para uma cidade de interior, já é um alívio.

Agora imagina um local onde o silêncio é preenchido com os sons da natureza e ao invés de prédios, mais de 50 tons de verde, árvores centenárias, uma cartela de cores distribuídas nos pássaros, flores e frutos, enchem os nossos sentidos. Um local onde o tempo é regido pelo nascer e o pôr do Sol. Não há necessidade de relógios. E os celulares funcionam apenas quando conectados á um ponto de wi-fi fixo. É um convite para conectar-se a si e ao ambiente que nos cerca.

Tenho que confessar que me arrisquei ao levar dois adolescentes para o meio do nada. Mas, para a minha surpresa, ouvi do Allan (17), que essa havia sido a viagem mais transformadora de sua vida! E de Rafael, que gostaria de voltar durante as férias escolares!

Benefícios do contato da Natureza para pessoas Autistas

De uma forma bastante resumida, podemos elencar pelo menos 6 benefícios que uma experiência imersiva à natureza, proporciona à pessoa autista:

  1. Estímulo sensorial controlado: A natureza oferece uma variedade de estímulos sensoriais que podem ser mais previsíveis em comparação aos ambientes urbanos e fechados, dando mais conforto e equilíbrio ao autista;
  2. Redução do estresse e ansiedade: A atmosfera tranquila, os sons suaves da natureza e a beleza serena do ambiente, acalmam e relaxam;
  3. Estímulo ao processamento cognitivo e atenção: a natureza oferece uma variedade de estímulos visuais, sonoros e táteis. Isso pode ajudar na concentração, observação e interação com o ambiente natural, promovendo o aprendizado e a exploração;
  4. Estímulo à comunicação e interação social: Passeios ao ar livre, atividades em grupo e experiências compartilhadas na natureza, podem facilitar a comunicação verbal e não verbal. Com isso, promovem interação social de forma mais confortável e natural;
  5. Estímulo à exploração sensorial e interesse pelo que o cerca: A natureza é um mundo muito rico, com texturas, aromas, cores e sons. Isso pode despertar o interesse e curiosidade da pessoa autista, encorajando-o a explorar o ambiente e se envolver com a natureza de maneiras únicas;
  6. Oportunidade de aprendizado e desenvolvimento de habilidades: Atividades ao ar livre, estimulam habilidades motoras e de resolução de problemas, orientação espacial e compreensão do ambiente que o cerca. Além de aprendizado a cerca da biodiversidade, ecologia e sustentabilidade.

Vivências pantaneiras na Pousada Xaraés

Chegamos na pousada, como dito anteriormente de barco. No comando, Alex, funcionário da fazenda, responsável por uma série de tarefas que compõe à rotina do lugar. Localmente, recebe o nome de peão. De baixa estatura, trajado literalmente como peão, Alex carregava seu chapéu na cabeça, facão e amolador na cintura de sua calça jeans. Inicialmente, de pouca fala, Alex chamava nossa atenção para animais que cruzavam o nosso caminho e algumas espécies de plantas e árvores locais.

Ao chegarmos na Pousada, descemos em um píer e fomos recebidos por Sandra, proprietária da fazenda que deixou Maringá-PR para realizar o sonho de viver no Pantanal e Marcelo, conhecido de Sandra também do Paraná, que mudou-se com a esposa para administrar a Pousada, distante 340km da capital Campo Grande. Consequentemente, um presente para nós! Nos integramos rapidamente ao local, aos funcionários e á rotina.

Arquivo pessoal: Regsitros de Alex, Rafael e Allan durante a imersão no Pantanal Sul

Apesar de nossos filhos mal terem tido contato próximo com vacas e cavalos, em pouco tempo, os dois estavam á vontade nos estábulos, alimentando-os. Estes mesmos meninos, acostumados com computador, celular e video-game, entraram mata acompanhados de Alex, que se tornou nosso guia e referência para eles, e lá foram colher plantas para criar pastos artificias, nas áreas secas, para que os animais pudessem se alimentar. Os adolescentes, que sentam-se diariamente em carros com janelas fechadas e ar condicionado ligado, estavam ali, cavalgando cada um em “seu” cavalo, nas áreas pantaneiras secas e alagadas.

Tudo acontecia de forma genuína e orgânica. Ora, visualizava Rafael em meio as vacas, ora brincando de pega-pega com as cabras. Em outros momentos, lá estava ele, conversando com as Araras ou abraçado á um porco Cateto (nome popular que se dá ao Caititu).

Arquivo Pessoal: Registros de Rafael interagindo com animais na Pousada Xaraés, Pantanal Sul, MS

Rafael literalmente estava realizado. Feliz, interagia com tudo e todos. Estava curioso, com sede de aprender e viver novas experiências. Foi incluído por todos, em especial, por Alex, que se mostrou extremamente paciente e parceiro do Rafa, ajudando-o nas realizações daquilo que o interessava, guiando-o quando necessário e respeitando-o seus momentos de regulação.

Ali, vi nossos filhos remarem uma canoa ao pôr-do-Sol. Observei-os criando conexões com a natureza. Testemunhei 2 jovens acordarem sozinhos antes das 6 da manhã, para ajudar na alimentação dos animais da fazenda. Conheci uma nova versão, disposta á cortar, carregar e sentar por cima da palha em trajeto de barco, sem frescura, sem preguiça, simplesmente, como parte daquele ecossistema.

dicas de viagem com autistas

Viajar com uma pessoa autista pode trazer desafios únicos, mas também pode ser uma oportunidade incrível de vivenciar o mundo de uma forma diferente e enriquecedora. É claro que é importante compreender as necessidades e características individuais da pessoa autista para tornar a jornada mais tranquila e prazerosa para todos.

Primeiramente, é essencial ter em mente que cada indivíduo é único e que o autista, por estar em um espectro, também não tem padrões. Por isso, antes da viagem, é fundamental conversar com a pessoa autista. Em casa, sempre falamos das possibilidades e ouvimos suas preferências. E entendemos que nem sempre o “não” dito naquele momento, será “não” durante a viagem também, assim, vice-versa.

Informar àqueles que irão nos receber, também é de extrema importância. Autismo não tem cara e ninguém é obrigado a saber ou entender do assunto, como nós.

Por fim, destinos como o Pantanal, podem ser uma experiência bastante positiva para a família que viaja com autista. A natureza, oferece um ambiente acolhedor, rico e terapêutico que contribui para o bem-estar, de pessoas típicas e atípicas. Em resumo, é uma excelente opção como turismo inclusivo.

Por conseguinte, o Pantanal Sul Matogrossense é uma verdadeira joia do Brasil. Suas belezas naturais, sua fauna exuberante, suas águas cristalinas e seus pores do sol deslumbrantes tornam esse lugar único no mundo. É um destino imperdível para quem busca se encantar com a natureza em sua forma mais selvagem e preservada. Uma visita ao Pantanal é uma experiência transformadora, capaz de despertar um profundo senso de admiração e respeito pela riqueza natural que o nosso planeta tem a oferecer.

Para mais informações, visite www.visitms.com.br , nosso apoiador principal nessa aventura!