A minha passagem pela Antártica

A Antártica foi o meu destino mais recente antes que o mundo ocidental fosse sacudido pelo surto do covid-19. Certamente foi uma ironia acompanhar desde o continente mais isolado deste planeta as notícias de que era preciso se isolar. A bordo do Le Soléal, da armadora francesa Ponant, eu pude testemunhar como é a vida sem a presença humana: os sons, os cheiros e os cenários de um mundo intocado pelo homem.

A viagem ocorreu em fevereiro passado, na saída que fechava a temporada antártica de 2019/2020. A reportagem sobre o cruzeiro foi capa da edição 1.413 da Revista PANROTAS e, no Portal PANROTAS, também assinei uma série de crônicas. Divididos em oito partes, os textos abordam a minha experiência pessoal durante essa que foi uma das jornadas mais incríveis que eu já vivenciei.

Coloco abaixo um trecho de cada um desses relatos e o link para os textos completos:

Antártica a bordo da Ponant (parte 1)

Enumere os seus cinco destinos dos sonhos. Vá lá, pense nas dez cidades que você gostaria de visitar nos próximos anos. Eu tenho a minha lista e, de tão fora da realidade, pisar os pés na Antártica nunca esteve neste rol. Não por falta de interesse, mas por ignorância, por não ter ideia de que era possível conhecer o continente de gelo sem ser cientista ou militar.

Os primeiros passos na Antártica (parte 2)

As primeiras 36 horas de mar eram passado, havíamos vencido o temido Drake e, pouco a pouco, nos aproximávamos de algo totalmente genérico: a Península Antártica. Porque a Antártica é algo bem genérico, não é? Até então o continente para mim era um pedaço enorme de terra coberto de gelo, morada de animais diversos e frequentado por pesquisadores de um punhado de países.

A Antártica do meu imaginário e a Antártica real (parte 3)

O nosso imaginário tem um poder enorme sobre nós. Eu nunca havia me deparado com um iceberg, mas, se me pedissem uma descrição, eu não teria dificuldades em desenhar a minha versão de um imenso e flutuante bloco de gelo. Essa ideia chega a beirar a prepotência ao pensar em retrospecto. Eu achava que sabia o que era um iceberg (tolo). Eu também achava que o branco era um só (tolo novamente).

Uma baleia cruzou o meu caminho (parte 4)

É dado como fato que quem está a bordo de um cruzeiro expedicionário para a Antártica é um amante da natureza e da vida selvagem. Se não amante, um aficionado. Se não aficionado, pelo menos alguém um quê interessado no assunto. Quem não liga para isso, definitivamente não deveria estar ali. A bordo do Le Soléal, da Ponant, eu me deparava com pessoas de lugares diversos, com caminhadas diferentes e, em comum, um mesmo entusiasmo em relatar as experiências que haviam ocorrido nos dias anteriores.

O quão grande é uma geleira? (parte 5)

A cada dia que passava ficávamos mais experientes nas expedições. Todas as camadas de roupas já tinham seu lugar dentro da cabine, botas e parkas pendiam em cabides do lado de fora, eu não saía sem passar protetor labial e bloqueador solar. A rotina de preparo tornara-se algo mais natural, os 20 minutos do primeiro dia agora já eram cinco.

A presença humana na Antártica (parte 6)

A natureza em seu estado mais puro. Essa é uma maneira simples de resumir com o que o passageiro de um cruzeiro expedicionário irá se deparar durante sua estada na Antártica. Invariavelmente uma viagem por lá será desenhada em torno da rica fauna local e das N formas e texturas do gelo – ambos extremamente complexos e que demandam suporte para melhor compreendê-los. Ainda assim, a presença humana na região tem sua parcela de atenção.

Assim começa o dia de um expedicionário na Ponant (parte 7)

David Marionneau-Châtel anunciara ao jantar que a manhã seguinte seria intensa. A programação indicava que as atividades começariam cedo, mas o capitão do Le Soléal sugeria um despertar antecipado. No sistema de som ele repetia Lemaire Channel isso, Lemaire Channel aquilo. Ele navega a região há dez anos e tem a seu dispor tecnologia suficiente para prever um céu perfeito. Ele cravava que valia o esforço, porque eu não confiaria?

Geleiras também falam (parte 8)

Quando eu iniciei este diário de bordo da expedição antártica que fiz com a Ponant, eu descrevi a jornada como uma experiência que havia mexido com todos os meus sentidos. Não era força de expressão, eu estava sendo literal. Além de visão, tato, olfato e paladar, a minha audição também estava sendo constantemente testada.

Não deixe de dar uma olhada nos últimos posts e acompanhe a jornada do Viajante 3.0 pela blogosfera da PANROTAS e também pela conta no Instagram.

A visita a Auschwitz, campo de concentração nazista da 2ª Guerra Mundial

A visita a Auschwitz, na Polônia, é um dos exemplos do Turismo como ferramenta para a preservação da memória

Esta semana marcou o 75º aniversário da libertação de Auschwitz-Birkenau. Outrora campo de concentração e extermínio nazista, o complexo hospeda hoje um museu-memorial dos mais sensíveis e perturbadores a se visitar. “Relembrar a história para que ela nunca mais se repita” é o mantra ali pregado com necessária frequência. Faço aqui minha parte, lembrando uma visita feita há alguns anos e homenageando as pessoas que de alguma forma tiveram suas vidas alteradas ou interrompidas pelos eventos que foram promovidos naquele local.

A estrutura de um campo de concentração não poderia ser mais ostensiva

Em meio a II Guerra Mundial, os campos de concentração foram locais designados pelos alemães para receber qualquer um que o regime de Adolf Hitler julgasse seu inimigo. Eram ao todo cerca de 40 complexos. Para Auschwitz foram levados, num primeiro momento, presos políticos, depois aqueles que os nazistas determinavam que deveriam estar à margem da sociedade: ciganos, homossexuais, deficientes, judeus…

Apesar de ser impossível quantificar o número de pessoas assassinadas no local (e por, pessoalmente, não querer arredondar um valor que trata de vidas e histórias apagadas), fico com a estimativa de que as mortes superaram 1 milhão de indivíduos. Seja em experimentos médicos, de fome ou frio, espancamentos, fuzilamentos ou por meio de câmaras de gás.

Os escombros de uma das câmaras de gás de Auschwitz-Birkenau, explodidas pelos próprios nazistas antes da derrota na guerra

Esta é a história que lemos nos livros e vemos nos filmes. Estar no local onde isso tudo ocorreu, no entanto, foi um acréscimo de camadas de sofrimento e pesar as quais eu não estava pronto para experienciar. Visitei o campo em fevereiro, em meio ao inverno polonês, e foi impossível não relacionar o frio que eu sentia, mesmo debaixo de grossos casacos, com o que os prisioneiros enfrentavam. Tolo e fútil, mas era o único fragmento de realidade que eu conseguia usar para tentar traçar um paralelo com eles.

Flores adornam o paredão de fuzilamento de Auschwitz I

Porque o restante do passeio não abre brechas para que aquele sofrimento seja de forma alguma comparado. Há uma constante impressão de que o aspecto controlador e sádico do campo ainda permanece vivo, seja pela ostensividade de torres, grades e arames farpados que rodeiam toda a área, seja pelas imagens que inevitavelmente criamos em nossas cabeças ao ouvir e ler relatos. O tour dura pouco mais de 3 horas e passa por Auschwitz I e Auschwitz II-Birkenau – passando por estruturas administrativas e barracões (onde há uma exposição com pertences pessoais das vítimas coletados após a liberação do campo), além da estação de trem e os escombros das câmaras de gás.

A visita guiada não é obrigatória, mas eu definitivamente recomendo ela. É pelos profissionais que entendemos melhor sobre o funcionamento do campo e são eles quem nos guiam pelo amplo espaço, dando lógica à rota que fazemos ao longo do passeio – ao mesmo tempo que dando liberdade para focarmos em detalhes que julguemos importantes.

Auschwitz I foi criado em um complexo já existente desde o pós-1ª Guerra

Em retrospecto, relembrando essa visita, não consigo evitar um ponto que é muito caro a mim quando viajo. Turismo tem um milhão de facetas possíveis, e é claro que a diversão e o descanso estão entre esses pontos. Mas, para mim, viajar é a mais clara oportunidade de abrirmos janelas para o desconhecido, nos confrontarmos com o desconfortável e, acima de tudo, aprendermos algo novo.

Lidar com um tema delicado e pesado como o holocausto pode não estar no plano de férias de todos. No entanto, se assim como eu você se interessa por história e experiências que lhe dão novas perspectivas sobre nossos atos, por favor não hesitem em visitar Auschwitz. Abaixo dou algumas dicas sobre como fiz para chegar lá.

Auschwitz II-Birkenau nasceu para receber o crescente número de prisoneiros que semanalmente chegavam às instalações

A visita

A entrada para os complexos de Auschwitz I e II é gratuita em determinadas épocas do ano (veja quando no site oficial), mas reforço que, para uma experiência mais rica, é imprescindível que a visita seja feita em um tour guiado. Atualmente não há passeios realizados em português, mas há grande oferta de horários em inglês e espanhol – o tour guiado custa 70 złoty (por volta de R$ 75). Faça reservas e compre os bilhetes previamente pelo site oficial do museu.

Outra questão importante é como chegar até Auschwitz, já que o complexo fica em uma zona pouco urbanizada e distante 50 quilômetros de Cracóvia. Apesar de encontrar uma porção de passeios fechados com entradas, guias e traslado entre Cracóvia e Oświęcim incluídos, eu optei por pegar um dos ônibus que saem da MDA Station (próximo da estação central de trens de Cracóvia) e que deixa a poucos minutos caminhando da entrada do complexo. A passagem de ida e volta custa aproximadamente 30 złoty (R$ 32) e a viagem dura pouco mais de 1 hora. É possível se fazer entender em inglês, portanto não hesitem em questionar o motorista do ônibus sobre pontos e horários de partida para a viagem de retorno.

Não deixe de dar uma olhada nos últimos posts e acompanhe a jornada do Viajante 3.0 pela blogosfera da PANROTAS e também pela conta no Instagram.

Uma vida em torno do café napolitano

Uma das características mais marcantes do café napolitano é a sua espessura

Muito se fala da pizza ou da sfogliatella, mas um dos grandes orgulhos do napolitano resta solitário no fundo de uma xícara branca. Por essência, o napolitano é um orgulhoso em pelo menos dois sentidos que a palavra possa ter: o do prazer por um feito próprio e também o da soberba. Ele é orgulhoso demais do que sua gente faz e orgulhoso demais para admitir que o outro possa fazer algo melhor que si. Isso vale para muita coisa, mas é um fato na cozinha e, em especial, quando o assunto é café.

A bebida é uma unanimidade na região e o ato de bebê-la acompanha uma porção de significados, que vou tentar explorar neste texto. Um destes significados, já adianto, tem um pouco a ver com a hospitalidade napolitana – que abordei neste texto de maio passado. Apesar de falar de uma cultura que abrange uma região com mais de 3 milhões de habitantes, basta a história de um napolitano, meu amigo Alessandro Masulli, para entender a importância do café em Nápoles.

Alessandro e o café, desde muito cedo

Um café em Nápoles

Masulli foi criado em uma família intimamente ligada ao café. Seu avô, em 1927, abriu um bar que se estabeleceria como a maior pasticceria de sua cidade, Somma Vesuviana. “Ele nunca era visto nas festas”, me contou Alessandro sobre as páscoas e natais que o avô passava atrás do balcão. Renúncia explicada pela necessidade de um “barista de verdade” estar sempre ali, disponível, presente, como uma entidade da cidade/bairro.

O café entra cedo na vida do napolitano, “quando a gente começa a ir à escola sozinhos e ir ao bar escondido”. Aos 12 anos ouviu do avô: “quer ser homem? Toma aqui um café e um cigarro”. Masulli me explica que o cigarro complementa a base da experiência do café napolitano. “É um anti stress, é uma pausa no seu dia para dividir com os amigos, algo que se faz antes ou depois de uma refeição.”

O napolitano toma, num só dia, mais de cinco xícaras – podendo tranquilamente chegar às dez. Começa cedo pela manhã e não há hora para se tomar a última, a noite cai e os cafés seguem com clientes no balcão. Topar com um/a amigo/a na rua é desculpa suficiente para a pausa e o convite. E uma vez feito o convite, você pode até protestar sobre quem pagará a conta, mas eu aposto que seu/ua amigo/a napolitano/a não permitirá que você mexa no seu bolso. Isso faz parte da experiência.

Hoje Alessandro Masulli tem ele mesmo sua própria cafeteria, o Masulli Bistrot Café, na cidade de Marigliano, também na província de Nápoles. Ele reforça que, “como a pizza, o café napolitano está em todo o mundo, na América, no Brasil, na Alemanha. Mas é só em Nápoles que é possível experimentar a versão verdadeira, o caffè bello dolce”. Fica então o convite aos leitores.

Acompanhado de água gaseificada, a maneira tradicional de servir cafés em Nápoles

O café de Nápoles

Em Nápoles, o café é (extremamente) curto. Aquela xícara de espresso a que estamos acostumados no Brasil talvez comporte duas doses da versão napolitana. A bebida é concentrada ao máximo, lançada à xícara num fio tão fino que quase se rompe em gotas. De tão espesso o líquido, demora alguns segundos até que o punhado de açúcar mergulhe por completo na bebida. Açúcar, regra geral, posto em abundância – mas ninguém irá lhe maldizer se, assim como eu, você pedir um caffè amaro (sem açúcar).

A cartilha do café napolitano não para por aí. Um copo de água gaseificada (frizzante), para limpar o paladar, acompanha o café. Ele será servido em uma xícara tão quente quanto a própria bebida – as taças vazias repousam em cima da cafeteira, esquentando com o vapor da máquina, ou mergulhadas em água quase fervente. O primeiro toque do lábio à porcelana é cauteloso, mas fazê-lo prepara a boca para o café quente, que é tomado num gole só.

Diferentemente de outros feitos culinários napolitanos, em que há disputas sobre quem faz o original ou quem faz o melhor, a escolha do seu café favorito é algo um tanto quanto pessoal e vai muito além do preparo da bebida. Portanto, durante sua visita a Nápoles, explore as cafeterias até encontrar a sua. Um café napolitano não sai por mais de € 1 – e tradicionalmente convém deixar ao barista uma moedinha, de € 0,10 ou € 0,20.

Alessandro Masulli no balcão de seu café, em Marigliano (NA)

Não deixe de dar uma olhada nos últimos posts e acompanhe a jornada do Viajante 3.0 pela blogosfera da PANROTAS e também pela conta no Instagram.