Mimo, um jeito brasileiro de fazer música na Europa

Público em peso para o show do Baiana System no Mimo Festival 2018

Originalmente pernambucano, orgulhoso olindense por nascimento, o Mimo Festival ganhou o Brasil desde sua estreia, há 15 anos. Batucou também por Recife, João Pessoa, Ouro Preto, Tiradentes, Paraty e Rio de Janeiro antes de desembarcar em terras portuguesas, em 2016.

Escolheu como sede a extremamente aconchegante Amarante, a nordeste do Porto. Sua terceira edição aconteceu neste final de semana e com um line up incrível (e, importante, gratuito), foi impossível dizer não para essa viagem de apenas 45 minutos de ônibus (Rodonorte, € 8 por trecho).

Rio Tâmega visto da área em que parte do público acampou

Amarante por si só já é um baita destino turístico, principalmente pelo centro histórico, pelas construções medievais, pelas igrejas barrocas e pelo Mosteiro de São Gonçalo, que tem uma igreja em que a visita é tida como obrigatória. A calma que a cidade transpassa, refletida nas águas do rio Tâmega e no ritmo interiorano do amarantino também valem o destaque.

É neste cenário em que se encontra o Mimo e seus três dias de intensa programação, com apresentações musicais toda noite e dias compostos por tantas outras atividades, como uma mostra de cinema (com 13 filmes nesta edição), fórum de ideias, poesia, oficinas, workshops e exposições.

Como muitos fazem, acampar na própria cidade de Amarante foi a minha escolha. O Parque de Campismo de Penedo da Rainha é o único camping local (€ 10 por dia) e tem uma estrutura exemplar, com restaurante, bons banheiros e chuveiros, além de acesso direto a uma área remota do rio Tâmega. O único porém é a caminhada de 30 minutos para o palco do Mimo, o que pode ser estafante ao final dos shows, lá pelas 3h da madrugada.

No camping de Penedo da Rainha, acesso direto ao rio

Muita gente também acampa em áreas abertas da cidade, às margens do Tâmega e mais próximos do centro. Para os dias do festival as autoridades locais fazem vista grossa e permitem a estada. Apesar da falta de estrutura que o camping proporcionaria, o lugar privilegiado e o clima de segurança que a pacata Amarante oferece validam essa possibilidade de alojamento. Hotéis, hostels e o bate e volta desde o Porto são outras opções.

Apesar de totalmente gratuito, o Mimo possui estrutura que não perde em nada para os grandes e caros festivais da alta temporada. Isso é sentido na grande oferta gastronômica, com food trucks de todos os tipos, nos banheiros quase sempre sem fila e num sistema de som respeitável.

Como minha presença em Amarante foi especificamente voltada à música, é também de música que falo neste texto. O cartaz do festival prioriza artistas que cantam em língua portuguesa, com representantes em 2018 de Brasil, Portugal e Moçambique, mas não exclui participantes de outros locais, como China, Mauritânia, Israel e Estados Unidos, por exemplo.

Dona Onete, rainha

O Brasil foi destaque na primeira noite do festival, com as apresentações marcantes da entidade paraense Dona Onete e seu delicioso carimbó, seguida pelo frenético batuque eletrônico do Baiana System. Compartilharam o palco neste dia, mantendo alto o nível das exibições, os moçambicanos do Timbila Muzimba e os portugueses do Dead Combo.

No dia seguinte, passaram pelo Mimo os brasileiros Almério e Otto, além do veterano e favorito dos portugueses Rui Veloso. Quem encheu os meus olhos, no entanto, com a proposta de mescla entre rock, pop e a música tradicional de seu país, a Mauritânia, foi Noura Mint Seymali.

O encerramento do festival foi em grande estilo. Havia muita expectativa sobre o concerto do bósnio (ou iugoslavo, como prefere se definir) Goran Bregović. O músico confirmou o porquê da excitação em torno de seu nome e fez um show que, de fato, mexeu com os presentes. Música pulsante, instrumentos em sintonia e vocais riquíssimos fizeram da apresentação uma das minhas favoritas de todo o festival – acabando com a deliciosa versão de Bregović da aclamada Bella Ciao.

Pôr do sol em Amarante

O Festival Mimo volta no ano que vem e já possui datas confirmadas. Ao longo do ano a programação será divulgada, mas é certo que em 26, 27 e 28 de julho de 2019 boa música estará mais uma vez tocando em Amarante. Para dar um gostinho do que foram esses três dias de shows, dá uma olhada no vídeo oficial do Mimo 2018.

Se o texto ainda não te convenceu, eu escrevo aqui sobre o quão rico de atividades como o Mimo são os verões na Europa. Não deixe de dar uma olhada em posts passados e acompanhe a jornada do Viajante 3.0 pela blogosfera da PANROTAS e também pela conta no Instagram.

O mapa da confeitaria portuguesa (parte II)

[clique no mapa para ampliar a imagem]
Como escrevi no post passado, a confeitaria conventual é um dos grandes símbolos da cultura portuguesa. Em qualquer tasca, bar ou restaurante que você for, independente da região em que esteja, certamente terá lá alguma receita envolvendo não muito mais do que açúcar e gemas de ovos.

A variação de doces portugueses é imensa e, como a ideia era produzir um mapa dessas criações, ficaria um tanto quanto difícil visualizá-las no enxuto território de Portugal. Ao todo, escolhi 12 receitas que têm ligação a um local específico, espalhados de Norte ao Sul do país.

Na Parte I do post, falei sobre os seis primeiros doces desta lista: Tigelada (da cidade de Abrantes), Pastel de Natal (Lisboa), Ovos Moles (Aveiro), Clarinha de Fão (Esposende), Pastel de Feijão (Torres Vedras) e Brisa do Lis (Leiria). Nesta Parte II, completo com a descrição de outras seis iguarias, tão gostosas ou mais do que as já citadas anteriormente.

Também não custa nada explicar novamente um pouquinho da confeitaria conventual portuguesa. “Conventual” porque, oras, muitos dos doces nasceram nas centenas de conventos e mosteiros da catolicíssima Portugal. E gema de ovos como base das receitas por conta do uso das claras como engomador dos hábitos religiosos. Para não desperdiçar as gemas que sobravam, a cozinha foi o destino.

Pão de Ló (Alfeizerão)

Pão de Ló é coisa séria em Portugal, mesmo. Existe até a Confraria Gastronómica do Pão de Ló Tradicional. São diversas as variações do bolo e uma das mais famosas é a de Alfeizerão, cidade situada em Alcobaça. A receita, como rege a Confraria, se resume a farinha, açúcar e ovos. No de Alfeizerão, a cozedura específica do bolo garante um interior espesso e cremoso.

Travesseiro de Sintra (Sintra)

Sintra foi por muito tempo destino de veraneio da corte e da aristocracia portuguesa. Não é porque tinham na cidade um lugar para dormir que foi dado ao doce o nome de Travesseiro. Obra de uma tradicional confeitaria local, a Piriquita, é o formato de almofada que batiza o bolinho. Segredos da receita são mantidos na família até hoje – é sabido, pelo menos, que ela envolve massa de pastel, doce de ovos e um “toque amendoado”.

Queijada de Évora (Évora)

Apesar do nome dar crédito a Évora, a mais tradicional das Queijadas é na verdade um símbolo da região do Alentejo como um todo – da qual Évora se destaca como maior cidade. Foi lá que ganhou fama nacional a Queijada, pequena torta feita com ovos, açúcar, leite e queijo. Seguindo a tradição, para ser considerado uma verdadeira Queijada de Évora, o queijo utilizado deve ser fresco e de ovelha.

Sardinhas Doces de Trancoso (Trancoso)

Distante mais de 100 km do litoral, uma das iguarias mais famosas da pequena Trancoso é ironicamente a sardinha. Nascido no Convento de Santa Clara, o doce é uma raridade portuguesa apenas pelo fato de levar na receita, além do usual açúcar e gema de ovo, o chocolate. O recheio ainda é acompanhado de canela e amêndoa, que garantem um amargor que é, juntamente do formato de sardinha, a assinatura da obra.

Rebuçados de Ovos (Portalegre)

Achou que era bala de coco? Achou errado…Os Rebuçados de Portalegre, cidade do Alto Alentejo, são o exemplo perfeito da confeitaria conventual: açúcar e gemas, nada mais. Três dias de manuseio dos ingredientes em tacho de cobre resultam nesta bolinha dourada com miolo úmido. Os Rebuçados são finalizados com uma fina e quebradiça camada de açúcar caramelizado e, por fim, embalados em papel de seda.

Dom Rodrigo (Lagos)

O fio de ovos turbinado com canela e amêndoas não é criação de algum Dom Rodrigo da história portuguesa. Na verdade, quem desenvolveu a receita foram as freiras carmelitas de Lagos em homenagem a Don Rodrigo, fidalgo que auxiliou no socorro de vítimas do grande terremoto de Lisboa (1755). O doce ganhou a região e é tradicionalmente apresentado envolto em papel metálico de diferentes cores.

Se perdeu a primeira parte do mapa da confeitaria conventual portuguesa, clique aqui. Também vale dar uma olhada nas últimas postagens e seguir o Viajante 3.0 pelo Instagram.

O mapa da confeitaria portuguesa (parte I)

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Outro dia surgiu na minha linha do tempo no Facebook um mapa da Itália que localizava regiões por suas massas típicas e não pelas cidades (creio que era uma criação do projeto Taste Atlas). Tinha lá o pesto no lugar de Ligúria, agnolotti em Piemonte, carbonara no Lazio e por aí vai. Fiquei com vontade de fazer parecido e surgiu a ideia do mapa dos doces portugueses.

A confeitaria conventual, como é chamada, é um dos símbolos da cultura portuguesa e é traduzida na prática por uma diversidade incrível de doces, com tamanhos, formatos e, principalmente, nomes dos mais criativos. Em geral, muito açúcar e gema de ovos são os protagonistas das receitas – algumas com mais de quatro séculos de vida.

Aquela abocanhada

“Conventual” porque, oras, muitos dos doces nasceram nas centenas de conventos e mosteiros da catolicíssima Portugal. E gema de ovos como base das receitas por conta do uso das claras como engomador dos hábitos religiosos. Para não desperdiçar as gemas que sobravam, a cozinha foi o destino.

Todos os cantos de Portugal possuem seus doces tradicionais e, acreditem, a lista de variações chega às centenas. Como não seria muito prático pontuar cada uma delas no mapa, eu escolhi opções de regiões variadas. No mapa ao lado, é possível ter uma ideia de quão espalhada por Portugal é a confeitaria conventual. Abaixo eu falo um pouco sobre cada uma dessas delícias (aqui, os primeiros seis doces. Aguardem a Parte II).

Tigelada de Abrantes (Abrantes)

Açúcar, leite, farinha, ovos, raspas de limão e canela. O preparado da junção dos ingredientes batidos vai a tigelas de barro vermelhas pré-aquecidas em altas temperaturas – daí o nome Tigelada. Criada no Convento da Graça, em Abrantes, a receita do doce foi transmitida pelas freiras a uma passadeira que lá trabalhava. No boca a boca a Tigelada se popularizou e é uma das principais iguarias da região de Ribatejo.

Pastel de Nata (Lisboa)

Apesar de ser hoje uma entidade nacional, encontrada em qualquer lugar de Portugal, foi em Lisboa que o Pastel de Nata verdadeiramente nasceu. Na capital o pastel carrega sua origem no nome, o bairro de Belém. Com passado ligado ao Mosteiro dos Jerónimos, a fábrica em Lisboa produz (em receita mais do que secreta), desde 1837, o quitute de massa folhada e creme com gema de ovos e nata.

Ovos Moles de Aveiro (Aveiro)

Um nome de doce não poderia ser mais literal. Ovos, muitos, em gemas misturadas com açúcar formam o creme espesso e mole. A massa de um amarelo forte foi criada nos conventos de Aveiro e ganhou na cidade diversas aplicações – de crepe a licor. Mas a forma mais tradicional de consumir a iguaria é envolta em finas hóstias moldadas em temática marinha (conchas, peixes, búzios, etc).

Clarinha de Fão (Esposende)

A pequena vila de Fão tem pouco mais de 3 mil habitantes, localizada ao Norte de Portugal, no concelho de Esposende. Talvez passasse despercebida pela região não fosse a beleza da praia de Ofir e, principalmente, pela confecção das Clarinhas de Fão. O doce, que só é encontrado em confeitarias de Fão ou cidades vizinhas, se resume a um pastel em formato do rissol português, em massa fina e estaladiça, com recheio cremoso de chila (abóbora).

Pastel de Feijão (Torres Vedras)

Pois é, a criatividade portuguesa vai longe quando o assunto é confeitaria: este é sim um doce feito do nosso conhecido grão. No século 19, em Torres Vedras, município localizado no Distrito de Lisboa, saía das mãos de D. Joaquina Rodrigues a receita para o pastel recheado de amêndoa e feijão branco cozido. O doce foi explorado comercialmente por herdeiros e virou tradição, sendo hoje fabricado por cerca de 30 produtores locais.

Brisa do Lis (Leiria)

Os brasileiros mais desatentos dirão que se trata de um quindim. Diferentemente da nossa iguaria, que leva coco ralado, a Brisa do Lis tem, além de açúcar e ovo (obviamente), amêndoas. A história dá que a Brisa surgiu no convento de Santana. A localização da origem da receita só foi confirmada pelo nome do doce, em referência ao rio Lis, que corta a cidade de Leiria.

Fiquem ligados no blog para acompanhar a Parte II deste mapa da confeitaria conventual portuguesa. Também vale dar uma olhada nas últimas postagens e seguir o Viajante 3.0 pelo Instagram.