Uma visita ao Estádio de Braga (e a memórias passadas)

Portugal e Tunísia jogam, em Braga, amistoso antes da Copa

Era 2004 e o Renato adolescente da época, fascinado por futebol como o Renato de hoje, assistia aos jogos da Eurocopa que, naquela edição, era realizada em Portugal. Para o torneio de seleções mais importante dos europeus (depois, é claro, da Copa do Mundo), novos estádios foram construídos e um em particular me chamou a atenção.

Nem sei dizer em qual das partidas eu me deparei com o Estádio Municipal de Braga pela primeira vez, mas ele era completamente diferente de tudo o que eu já havia visto. A parede rochosa que limita o campo em uma de suas pontas dava à arena um ar mundano, pra não dizer amador.

Em um primeiro momento, pela tevê, parecia que arquibancadas haviam sido levantadas em um campo qualquer, de bairro, como os que eu via em São Paulo – “só que eles estão jogando uma partida de Eurocopa!”, falava a minha cabeça confusa. Acho que foi exatamente essa sensação de proximidade, de enxergar aquilo como uma “várzea profissional europeia”, que me fez gostar tanto daquele estádio.

Eu pensava em como seria legal um dia assistir a um jogo lá. Meio que desejando algo que, quando paramos para raciocinar, não é assim tão prático. Daquelas coisas que nos tiram uma risada do rosto ao percebermos que estamos pensando em algo um tanto quanto esdrúxulo. Até porque, naquela época, o que raios eu sabia de Braga? (Aliás, por muito tempo, a cidade foi para mim “aquela do estádio nas rochas”).

De outro ângulo, a pedreira que apelida o estádio (Twitter/@selecaoportugal)

Quando me mudei para o Porto, que é a apenas uma hora de trem de Braga, estava na minha lista de obrigações uma visita à Pedreira, como é conhecido o estádio. Neste ponto eu já sabia que o projeto era do Eduardo Souto de Moura, premiadíssimo arquiteto português, e que a manutenção da parede de rochas era parte de uma estética que visa promover a interação entre o natural e o artificial.

Eis que a preparação da seleção portuguesa para a Copa do Mundo de 2018 parou em Braga. Um dos amistosos programados antes do torneio, contra a Tunísia, foi realizado nesta segunda-feira e, enfim, eu pude entrar e ver um jogo naquele “estádio lindo e estranho”. Presenciar uma partida nele foi tão bom quanto eu imaginava – ou mais, já que eu não fazia ideia de alguns detalhes, como o incrível pôr do sol que se vê na ponta oposta à do rochedo.

Não vai ter relato do jogo aqui no texto: a) porque Portugal só empatou com a Tunísia (2×2) e a partida não foi um primor técnico; b) porque, além do estádio, eu também queria ver Cristiano Ronaldo em campo e, vitorioso na Champions no último sábado, ele tava de folga; c) porque o blog é meu.

A “surpresa” ao sol se por em Braga

O motivo por eu ter escrito essas linhas é que, ontem, na saída do estádio, eu me peguei pensando que uma viagem não se restringe apenas a um deslocamento físico. Gosto da ideia de que há mais nas entrelinhas, que viajar é a possibilidade de acessar pensamentos e memórias antigas, como que em uma visita a um imaginário que já não mais existe – ou, melhor, um imaginário que ganhou formas mais precisas por agora ser acompanhado da experiência real de estar e viver o local um dia desejado.

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Milaneses e a cidade de Milão

O verde é constante em Milão, principalmente em áreas residenciais

Não foi uma escolha minha o roteiro ser dessa maneira, mas essa recente visita à Itália me proporcionou um itinerário interessante. Desembarquei do Seabourn Ovation em Veneza, uma cidade estritamente turística, e rumei para Milão, de onde meu voo de volta sairia e na qual o Turismo é apenas uma das facetas da cidade.

Esse paralelo entre os dois locais foi instantâneo. Primeiro porque a experiência inicial em Veneza foi um tanto quanto caótica. Segundo porque cheguei em Milão no fim da tarde de um domingo, em um ambiente completamente familiar.

O hotel em que fiquei era próximo da estação Wagner de metrô, em uma área residencial por essência. Sim, havia muitos estabelecimentos comerciais pelas principais avenidas no entorno da Piazza Piemonte, mas era pelos milaneses que os bares e restaurantes estavam tomados.

Famílias inteiras, mesas cheias com amigos, uns dates, a população local aproveitava o pôr do sol tardio e o clima favorável para curtir o dia à sua maneira. Logo descobri que se tratava do l’aperitivo a Milano.

A corridinha matinal aos pés do Duomo

O ato de se reunir para um drinque e beliscar algumas delícias antes da refeição é algo tradicional da cidade. O aperitivo é religioso em Milão e usualmente acontece após o expediente – mas, como presenciei, não se desperdiça uma tarde gostosa de domingo.

Nos locais mais tradicionais (e menos pomposos), paga-se um valor um pouco maior pela bebida (paguei € 10), mas que te dá direito a um pratinho e uma visita ao buffet de petiscos. A ideia não é se empanturrar de comida e perder o jantar. A própria origem do termo, que em latim significa “que abre e excita o apetite”, deixa isso claro.

Na manhã seguinte, os milaneses novamente me mostravam como usufruem sua cidade. Saí do hotel bem cedo para visitar a Piazza Duomo, talvez o ponto mais turístico de Milão, para tirar algumas fotos.

É de se imaginar que áreas que concentram tantas pessoas, principalmente turistas, sejam evitadas pelos moradores locais – até porque eles sabem rotas alternativas para evitá-las. No início da manhã, no entanto, isso não se faz necessário.

Galleria Vittorio Emanuele em uma silenciosa manhã

A imponente fachada da Catedral e o arco de entrada da Galleria Vittorio Emanuele lá estavam, acho que até maiores pelo vazio e silêncio da praça. Mas quem também estava eram pessoas comuns, iniciando seus dias, talvez a caminho do trabalho, ou em suas corridas matinais, alguns até mesmo atravessando a galeria vazia.

Segunda cidade mais populosa da Itália, com mais de 1,3 milhão de habitantes, Milão é conhecida por ser a terra da moda e do design, além de concentrar o mercado financeiro italiano. Ou seja, apesar de ser uma indústria importante, Turismo não é sua prioridade.

Nessa minha primeira visita, pude acabar com alguns preconceitos em relação a Milão. Fiquei fascinado por sua vida cotidiana, pela quantidade de verde nas ruas e, principalmente, por enxergar como o milanês curte sua própria cidade.

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A Veneza que não é feita para turistas

A vista de Veneza e o Canal Grande na chegada pelo mar

Eu cheguei duas vezes em Veneza. No fim de tarde de uma sexta-feira, o Seabourn Ovation se aproximava da cidade que, em todo o seu esplendor, nos aguardava para dar essa primeira e encantadora recepção. A segunda chegada ocorreu no dia seguinte (e foi um tanto quanto assustadora).

Ainda no porto, ao desembarcar do navio, eu e outros hóspedes entramos num desses barcos de, sei lá, 50 passageiros, para um tour ao redor das ilhas de Veneza – passeio disponibilizado pela Seabourn em nossa despedida. Novamente, lá estava Veneza ao longe, muito formosa, com suas belas construções e um céu azul incrível.

Eu não havia nem pisado na cidade e já estava a considerando pacas gostando do que via. Eis que o tour acabou e o barco desembarcou os passageiros em plena Piazza San Marco. Se você não está familiarizado com Veneza, a praça que hospeda a Basílica de San Marco é um dos pontos de maior concentração de turistas na Europa.

A calma manhã de domingo na fondamenta Misericordia

No espaço de minutos eu tinha trombado com muita gente, topado com carrinhos de bebê, desviado de paus de selfie, dito uma porção de “não” para comerciantes e presenciado um atendimento médico na fila para entrar no Palazzo Ducale. Aquilo era um caos e confesso que fiquei assustado.

Muita gente havia sugerido que eu me perdesse pelas ruelas de Veneza, que essa era a graça do passeio pela cidade. De fato a estratégia era boa, as multidões tinham sumido e a calmaria estava, por vezes, presente. Ainda assim, eu me sentia em um “parque temático” à beira dos grandes pontos de interesse.

Para a minha sorte eu teria dois dias em Veneza e, assim, eu pude organizar melhor o meu roteiro a fim de evitar a bagunça da véspera. Foram duas as soluções para conhecer a ilha principal de outra maneira: acordar cedo e evitar o centro.

Ainda não eram 9 horas do domingo e a cidade tinha outra atmosfera. Decidi passar minha manhã na sestieri de Cannaregio, perambulando por áreas como o Antigo Gueto (morada dos judeus entre os séculos 16 e 18) e descobrindo passagens minúsculas nas travessas da fondamenta Misericordia.

Os pequenos celebram a comunhão na igreja de Madonna dell’Orto

Essencialmente eram bairros residenciais, refúgios dos pouquíssimos venezianos que ainda moram na ilha principal. Era distante da aglomeração o suficiente para que a vida existisse, para que o treino de remo acontecesse, para que primeiras eucaristias fossem celebradas. Lá eu presenciei de relance o que pode ser a vida em Veneza e isso, pra mim, valeu a visita.

Acho necessário, por fim, fazer um adendo. Não posso ignorar o fato de que eu era um turista, assim como qualquer outro, que invadia esse espaço mais “privado” da cidade. Mas eu realmente acredito que, com respeito e bom senso, é possível o convívio mútuo entre cidadãos e visitantes – sem que aqueles tenham de mudar sua forma de viver por conta destes.

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