Muito se fala da pizza ou da sfogliatella, mas um dos grandes orgulhos do napolitano resta solitário no fundo de uma xícara branca. Por essência, o napolitano é um orgulhoso em pelo menos dois sentidos que a palavra possa ter: o do prazer por um feito próprio e também o da soberba. Ele é orgulhoso demais do que sua gente faz e orgulhoso demais para admitir que o outro possa fazer algo melhor que si. Isso vale para muita coisa, mas é um fato na cozinha e, em especial, quando o assunto é café.
A bebida é uma unanimidade na região e o ato de bebê-la acompanha uma porção de significados, que vou tentar explorar neste texto. Um destes significados, já adianto, tem um pouco a ver com a hospitalidade napolitana – que abordei neste texto de maio passado. Apesar de falar de uma cultura que abrange uma região com mais de 3 milhões de habitantes, basta a história de um napolitano, meu amigo Alessandro Masulli, para entender a importância do café em Nápoles.
Um café em Nápoles
Masulli foi criado em uma família intimamente ligada ao café. Seu avô, em 1927, abriu um bar que se estabeleceria como a maior pasticceria de sua cidade, Somma Vesuviana. “Ele nunca era visto nas festas”, me contou Alessandro sobre as páscoas e natais que o avô passava atrás do balcão. Renúncia explicada pela necessidade de um “barista de verdade” estar sempre ali, disponível, presente, como uma entidade da cidade/bairro.
O café entra cedo na vida do napolitano, “quando a gente começa a ir à escola sozinhos e ir ao bar escondido”. Aos 12 anos ouviu do avô: “quer ser homem? Toma aqui um café e um cigarro”. Masulli me explica que o cigarro complementa a base da experiência do café napolitano. “É um anti stress, é uma pausa no seu dia para dividir com os amigos, algo que se faz antes ou depois de uma refeição.”
O napolitano toma, num só dia, mais de cinco xícaras – podendo tranquilamente chegar às dez. Começa cedo pela manhã e não há hora para se tomar a última, a noite cai e os cafés seguem com clientes no balcão. Topar com um/a amigo/a na rua é desculpa suficiente para a pausa e o convite. E uma vez feito o convite, você pode até protestar sobre quem pagará a conta, mas eu aposto que seu/ua amigo/a napolitano/a não permitirá que você mexa no seu bolso. Isso faz parte da experiência.
Hoje Alessandro Masulli tem ele mesmo sua própria cafeteria, o Masulli Bistrot Café, na cidade de Marigliano, também na província de Nápoles. Ele reforça que, “como a pizza, o café napolitano está em todo o mundo, na América, no Brasil, na Alemanha. Mas é só em Nápoles que é possível experimentar a versão verdadeira, o caffè bello dolce”. Fica então o convite aos leitores.
O café de Nápoles
Em Nápoles, o café é (extremamente) curto. Aquela xícara de espresso a que estamos acostumados no Brasil talvez comporte duas doses da versão napolitana. A bebida é concentrada ao máximo, lançada à xícara num fio tão fino que quase se rompe em gotas. De tão espesso o líquido, demora alguns segundos até que o punhado de açúcar mergulhe por completo na bebida. Açúcar, regra geral, posto em abundância – mas ninguém irá lhe maldizer se, assim como eu, você pedir um caffè amaro (sem açúcar).
A cartilha do café napolitano não para por aí. Um copo de água gaseificada (frizzante), para limpar o paladar, acompanha o café. Ele será servido em uma xícara tão quente quanto a própria bebida – as taças vazias repousam em cima da cafeteira, esquentando com o vapor da máquina, ou mergulhadas em água quase fervente. O primeiro toque do lábio à porcelana é cauteloso, mas fazê-lo prepara a boca para o café quente, que é tomado num gole só.
Diferentemente de outros feitos culinários napolitanos, em que há disputas sobre quem faz o original ou quem faz o melhor, a escolha do seu café favorito é algo um tanto quanto pessoal e vai muito além do preparo da bebida. Portanto, durante sua visita a Nápoles, explore as cafeterias até encontrar a sua. Um café napolitano não sai por mais de € 1 – e tradicionalmente convém deixar ao barista uma moedinha, de € 0,10 ou € 0,20.
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