Lisboa na companhia de Fernando Pessoa

O panorama da Lisboa de Fernando Pessoa, uma “multicolorida massa de casas”

É razoável pensar que as dicas dadas por um morador da cidade para a qual você está viajando sejam extremamente valiosas. E se tais indicações forem passadas por um dos maiores escritores da língua portuguesa? Nada mal, certo?! É o que Fernando Pessoa fez, lá pelo meio da década de 20, em um guia turístico para Lisboa.

Acredito que a maioria que aqui me lê já tenha buscado informações externas sobre um destino, seja em um guia oficial, desses comprados em livrarias, seja na própria internet. É indiscutível que opções de rotas e prioridades do que visitar são uma mão na roda quando lhe faltam tempo e/ou conhecimento acerca de um local.

Quando escreveu o tal guia – publicado no Brasil, em edição bilíngue (português/inglês), pela Companhia das Letras sob o título de Lisboa: O que o turista deve ver -, Fernando Pessoa queria valorizar Portugal, colocando na vitrine internacional a amada pátria.

A versão da Companhia das Letras do guia de Pessoa

Sua proposta era apresentar ao mundo sua cidade, Lisboa, como o destino incrível que de fato é, equiparando-a a locais que à época já possuíam uma presença mais frequente no imaginário do viajante – em um período que o Turismo, como conhecemos, ainda não era uma realidade.

Para apresentar a capital portuguesa, o autor de Mensagem e Livro do Desassossego propôs então uma rota por regiões importantes da cidade, em itinerário a bordo de um carro fictício. Uma leitura fácil, longe dos rebuscamentos característicos de sua prosa e poesia, é a marca do guia.

Sim, há lá horários de funcionamento e valores de admissão em atrações como a Biblioteca Nacional e o Museu Nacional de Arte Contemporânea, tal qual os guias turísticos convencionais. Mas Pessoa dá seu toque ao conversar com o leitor como se estivesse ao pé de seu ouvido enquanto é feita a visita pela Lisboa de 1925, ano em que provavelmente a obra foi escrita.

“Convidaremos agora o turista a vir connosco. Servir-lhe-emos de cicerone e percorreremos com ele a capital, mostrando-lhe os monumentos, os jardins, os edifícios mais notáveis, os museus – tudo o que for de algum modo digno de ser visto nesta maravilhosa Lisboa”, diz nas primeiras páginas.

O plano de Lisboa no início do século 20 (Reprodução/The Map House)

Antes, logo no primeiro parágrafo, o escritor descreve a cidade: “Sobre sete colinas, que são outros tantos pontos de observação de onde se podem desfrutar magníficos panoramas, espalha-se a vasta, irregular e multicolorida massa de casas que constitui Lisboa.”

Com a obra em mãos, a jornada se torna um misto de viagem no tempo, por uma Lisboa de 90 anos atrás, e o aprendizado por um guia muito bem feito e “atual” – especialmente quando se trata de atrações abertas ao público até os dias de hoje, como a Torre de Belém ou o Castelo de São Jorge.

Ao fundo, a estátua de Marquês de Pombal, que ainda não estava pronta quando o guia foi escrito

Por outro lado, a distância temporal nos permite episódios interessantes. Pego como exemplo a importante Praça Marquês de Pombal, com a icônica estátua do nobre diplomata, que ainda estava em construção quando Pessoa escreveu o guia.

“Foi este o local escolhido para erigir o monumento ao grande estadista português […]. De acordo com o projecto, representará o grande estadista, no seu pedestal de glória contemplando a sua formidável obra”, descreve, baseando-se apenas em projeções.

Em outro momento, Fernando Pessoa faz ressalvas para problemas que tardariam quase um século para serem resolvidos. Ao tratar do Museu dos Coches (em sua localização original, no Picadeiro Real), o autor pontua que “alguns dos veículos estão guardados e só serão expostos quando for criado espaço para eles com a construção de novas galerias”. Tal espaço surgiu somente em 2015, com a inauguração do novo edifício, assinado pelo premiado arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha.

Torre de Belém e sua longa fila de turistas

Pessoa sonhava em ver seu Portugal retomando as glórias de eras passadas e acreditou que o reconhecimento internacional, por meio do Turismo, era peça-chave desse processo. Escreveu o cartão de visitas para uma Lisboa “desconhecida”, morada de 435 mil pessoas.

Mais de 90 anos depois, a capital portuguesa e suas ruelas se espremem diante de hordas de turistas de todas as partes do mundo. Maior, hoje com 3 milhões de habitantes, Lisboa entrou de vez na vitrine estrangeira, como sonhava Pessoa.

Se a realidade agradaria a imaginação do poeta, é difícil saber. Resta aos mortais que estiverem de passagem por Lisboa aproveitar o que a cidade tem a oferecer. E, se possível, na companhia atemporal das páginas escritas por Fernando Pessoa.

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Road trips: opções e custos de viagens saindo do Porto

No mapa, os destinos sugeridos para road trips desde o Porto (Reprodução/Google Maps)

Apesar das grandes distâncias entre destinos, a viagem rodoviária pelo Brasil é praticamente um patrimônio da nossa cultura nacional – sendo até mesmo explorada comercialmente, com marcas se afirmando apaixonadas por carro “como todo brasileiro”. Para quem tem este costume, a realidade europeia soa como ideal: estradas estruturadas, distâncias curtas e custos relativamente mais baixos.

Se são necessárias mais do que 5 horas para chegar ao Rio de Janeiro desde São Paulo, o mesmo tempo na Europa é o suficiente para que fronteiras fiquem para trás e novas línguas e culturas se façam presentes. Já que estou alocado no norte de Portugal, neste post pretendo mostrar algumas possibilidades de viagens de carro ao redor do Porto, onde moro.

Dividi as viagens por tempo de estrada. A quilometragem pode variar dependendo das rodovias disponíveis, mas em geral cada opção está a 1, 3 ou 5 horas de direção – sempre tendo o Porto como ponto inicial.

A charmosa Aveiro, a apenas uma hora do Porto

Bate e volta

Apenas 60 minutos separam o Porto de três cidades incríveis – e que eu recomendo fortemente a visita: Braga, Guimarães e Aveiro. Esta última está ao Sul do nosso ponto de início (77 km) e é tida como a “Veneza lusitana” por conta de seus canais (“rias”). Construções em Art Nouveau completam o charme de Aveiro. Segundo o Via Michelin, o custo da viagem (combustível + pedágios) é € 12.

Guimarães fica a Nordeste do Porto (52 km), uma rota feita em menos de uma hora completa (€ 8 pelo Via Michelin). O vimaranense se orgulha em dizer que “Aqui nasceu Portugal”, já que a cidade era o centro da região de Porto Cale no século 9. Não dá pra deixar de fora da visita o toucinho do céu, bolo à base de ovos e açúcar típico da região.

Ao Norte do Porto (55 km), e muito próximo de Guimarães, está Braga (€ 9 pelo Via Michelin). A cidade de origem romana reflete as marcas de uma história bimilenar, principalmente nos estilos de suas dezenas de igrejas. Construída no século 12, a Sé de Braga é a catedral mais antiga de Portugal (“mais velho que a Sé de Braga”, aliás, é um dito popular em Portugal).

O Padrão dos Descobrimentos, beirando o Tejo em Lisboa

Pra ficar por uns dias

Duas sugestões bem diferentes entre si estão a cerca de 3 horas de direção do Porto: Santiago de Compostela e Lisboa. Não preciso de muito para convencer alguém a visitar a capital portuguesa, vibrante e histórica de uma forma balanceada. Algo que sempre me salta aos olhos é o fato de Lisboa ter sido uma inspiração tão evidente para muitas cidades brasileiras, suficiente para criar uma familiaridade automática entre nós. Cerca de 300 km que podem ser feitos em pouco mais de 3 horas de estrada (a um custo de € 49, segundo o Via Michelin).

O grande motivo para que tantos visitem Santiago de Compostela são as peregrinações dos Caminhos de Santiago, de origem cristã medieval. Religião à parte, a cidade é um destino culturalmente muito rico, englobando aspectos espanhóis e, principalmente, galícios – além de ser uma excelente oportunidade para se provar tapas. A 230 km ao Norte do Porto, a rota é feita de carro em cerca de 3 horas (e a € 40 pelo Via Michelin).

A Plaza Mayor de Salamanca, considerada uma das mais belas da Espanha

Longa estrada

Há quem não se importe com longos períodos de estrada. Para o padrão europeu, cinco horas de direção é uma quantidade razoável. Em Portugal, por exemplo, é o suficiente para praticamente cruzar o país de ponta a ponta.

Fazendo isso desde o Porto, no caso, chega-se a belíssima Faro, no extremo Sul de Portugal. Os 550 km que separam as cidades podem ser realizados em 5 horas e meia (a um custo de € 88). É a cidade mais importante do Algarve, região que é conhecida pelas altas temperaturas e por ter as melhores praias de Portugal. Seu passado mouro é outro atrativo, refletido na arquitetura de Vila Adentro de Faro.

Cruzando a fronteira mais uma vez rumo à vizinha Espanha, são muitas as possibilidades de parada. A que cito aqui é Salamanca por ser um exemplar do que há de mais tradicional na cultura espanhola – sua Plaza Mayor, por exemplo, é uma das mais belas (e culturalmente ativas) do país. Em geral a viagem para Salamanca dura menos do que as 5 horas desta “categoria”, só que, saindo do Porto, a sugestão é fazer o percurso cruzando o Vale do Douro – o que lhe custa uma hora a mais de estrada, mas também rende paisagens de tirar o fôlego. Pelo Via Michelin, o custo do trajeto é de € 39.

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Quando a viagem foge dos seus planos

Espectadores de uma procissão que, por conta da chuva, não aconteceu

Viagens são compostas por detalhes tão mínimos que sonhar com férias perfeitas, sem uma pedrinha no caminho que seja, beira o absurdo. Transporte, alimentação, hospedagem, segurança, saúde, clima… são tantas as variáveis que é quase certo que algum errinho vai rolar em um mês num lugar completamente novo pra você.

A questão aqui é saber dançar conforme a música, conseguir minimizar prejuízos e, principalmente, não deixar os problemas atrapalharem o resto da viagem.

Isso rolou comigo na semana passada. Este post era pra ser um relato da procissão Ecce Homo, que anualmente acontece em Braga nas quintas-feiras que antecedem a Páscoa.

A caminhada se dá no meio da noite e percorre as vias que ligam importantes igrejas da cidade. Dentre os participantes, trajados como romanos do século 1, se destacam os emblemáticos farricocos, penitentes que desfilam com suas longas vestes negras (complementadas por um capuz que deixa pouco mais que olhos à mostra).

Farricocos com seus fogaréus em mãos, na procissão de 2017 (Flickr/Luis Ascenso)

Este era o cenário que não vi. A previsão meteorológica já havia me alertado para a chuva constante durante todo o dia. Ainda assim resolvi ir, tomei o comboio no Porto (estação Campanhã) e 1 hora e € 6,90 (ida + volta) depois eu estava em Braga.

De fato a meteorologia estava certa (dessa vez). Com algumas horas livres antes do início da procissão, marcado para as 21h30, enfrentei a chuva por vezes torrencial para visitar a Sé de Braga (catedral mais antiga de Portugal, construída no século 12) e o Santuário de Bom Jesus do Monte.

Comunidade local participa das encenações durante a Semana Santa

Já próximo do horário, me aproximei da igreja da Misericórdia, de onde partiria a procissão, e aguardei. A movimentação era grande, as pessoas fantasiadas chegavam, os espectadores ultrapassavam as centenas, claramente esse era uma dia importante para a comunidade local.

O horário estipulado já era passado, as informações eram escassas e uma espécie de debandada se desenhava – sem que a procissão tivesse existido. Cancelada pela chuva foi a resposta de policiais, decretando o fim da minha visita a Braga.

Como moro em Portugal, mais especificamente a 60 minutos de trem da cidade, fica muito fácil falar em “contornar obstáculos”. Eu simplesmente tomei um trem mais cedo e logo já estava em casa.

Em uma viagem de férias, com um cronograma apertado, eventos assim podem ser o detalhe a fazer você odiar um lugar que, em outras circunstâncias, amaria. Acreditem, essas coisas acontecem – e não são o fim do mundo.

Após o cancelamento da procissão, participantes deixam o entorno da igreja

Por mais que a gente queira, é impossível ter controle sobre absolutamente tudo que vai acontecer durante uma viagem. Obviamente que não devemos aceitar quando um serviço prometido não é devidamente oferecido (seja no voo, no hotel ou no restaurante), mas quando este não é o caso, se martirizar é o pior cenário.

Ainda restam dias de férias e destinos a visitar? Então deixa pra trás o que foi ruim e curta o que lhe resta. Quem sabe um desses episódios negativos não viram motivo de risada no futuro?

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