Undertourism e o Brasil

Boi Garantido, do Festival Folclórico de Parintins, no Amazonas (MinC/LiadePaula)

Enquanto o Turismo no Brasil ainda engatinha para atrair viajantes internacionais, destinos consagrados ao redor do mundo sofrem com o Overtourism. Barcelona e Veneza são exemplos de locais em que a própria população decidiu usar sua voz contra a exagerada exploração do potencial turístico das cidades. A percepção de que o Turismo em excesso degrada é hoje aceita em diversos segmentos da indústria de viagens, mas é uma realidade que, por ora, aflige talvez apenas uma centena de destinos.

Ao mesmo tempo em que há quem torça o nariz para hordas de turistas, há aqueles lugares que dariam tudo para entrar nas vitrines de grandes mercados emissores – e é aí que entra a realidade brasileira. Ganha força no debate internacional a importância de analisar novos destinos sob a ótica do Undertourism. O termo é novo, mas deve ser repetido cada vez mais nos próximos anos.

Indicado pela Skift como uma das grandes tendências do Turismo em 2019, o Undertourism é um movimento duplo em que, de um lado, há cidades querendo se posicionar como destinos alternativos ao congestionado e estafante turismo dos grandes centros, e, na outra ponta, um mercado cada vez maior de viajantes que valorizam a tranquilidade e a autenticidade de um local que ainda não foi atacado pelo modus operandi da indústria turística tradicional.

Sob o olhar internacional, o Brasil é um grande pólo de Undertourism a ser explorado. Exceto alguns destinos que já possuem uma marca própria no imaginário estrangeiro, há toda uma extensa lista de locais que se encaixam no que deseja essa demanda reprimida. Aliás, a começar pelo próprio mercado doméstico, ainda muito pouco desenvolvido considerando todo o potencial do País.

O viajante que é tocado pelo Undertourism quer mais do que ser somente um pioneiro dentro do seu círculo social. O ímpeto inicial vai além de encontrar o próximo “destino-hit” e se concentra mais na qualidade do Turismo promovido. Numa visão mais romantizada, a busca tende a focar na autenticidade do contato com a comunidade local e na experiência de consumir produtos e serviços da região visitada. A ideia é criar laços com um destino e, ao fim, deixá-lo como foi encontrado na chegada.

Apesar de ser uma tendência crescente, alcançar esse viajante em potencial não é um trabalho meramente orgânico. Discurso batido no País em que o curto prazo é regra, há de se investir hoje para colher os frutos num futuro não imediato. Desenvolver o Turismo onde ele inexiste (ou quase inexiste), vai além do Marketing. A promoção e divulgação de um destino é peça-chave, não há como negar, mas não é a única. Abrir caminho para o desenvolvimento de novos mercados turísticos envolve investimento em infraestrutura, preservação cultural e projeção da economia local. Um trabalho de base que, se realizado a contento, poderá encontrar seu público tanto dentro quanto fora do Brasil.

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Não seja um turista inconveniente

A frequentemente assediada estátua do trabalhador em Bratislava, Eslováquia

Eu nasci e cresci em São Paulo, uma cidade que não vive necessariamente do Turismo, passei uma temporada em Dublin, que também não é dos destinos europeus mais badalados, mas foram nesses meses aqui no Porto que eu tive contato mais próximo com um local que vive intensamente a indústria de viagens. Neste verão o Porto foi tomado por turistas de um jeito que os locais nunca haviam visto. Os números mais tarde vão dizer se recordes foram batidos, mas a sensação é de que, de fato, a cidade estava mais cheia do que nunca.

Ótimo para a economia e para aqueles que vivem do Turismo, nem tão bom assim para quem vive alheio a essa universo. Pela primeira vez como morador de uma cidade-destino, eu tive que driblar turistas quando eu queria apenas chegar ao mercado; vi ruas amanhecerem sujas diante das noitadas dos estrangeiros; fui paciente para entender que, mesmo longe de casa, as pessoas carregam seus hábitos locais.

Pode soar extremamente prepotente para alguém que mal se instalou numa cidade cheia de turistas, mas resolvi pontuar aqui alguns hábitos comuns que acredito serem facilmente contornáveis – já que eu realmente acredito que há mais falta de atenção do que falta de educação, propriamente.

Com meu pai, sendo inconveniente na hora da folga do rapaz

Cultura
Instintivamente achamos que todos os lugares funcionam tal qual sua própria cidade. Aqui se atravessa a rua na faixa? O semáforo é respeitado? Tem fila para entrar no ônibus? Parece óbvio, mas em cada lugar as coisas são de um jeito. Um dos meus exercícios prediletos quando sou turista é a observação. Paro, olho, analiso, pergunto e, por falta de termo melhor, copio os locais – mesmo (ou principalmente) nas coisas mais simples. Ganha a cidade, já que a compreensão diminui a possibilidade de atritos, e ganha o turista, que tem a chance de experimentar uma forma de viver que não seria tão óbvia em um primeiro momento.

Cotidiano
Turista é um ser meio perdido por excelência e disso não vou reclamar jamais, faz parte do negócio. Tem vezes que é preciso mesmo parar a caminhada para checar o mapa ou uma sinalização, mas não custa nada dar uma olhada ao seu redor antes de fazer isso. Não é raro ver gente parando ao pé de escadas rolantes, na porta do metrô/trem ou na beira de uma via, atrapalhando um fluxo de pessoas que têm n outros motivos para estar ali.

Serviços
Suas férias são sagradas, claro que são. Quem lhe serve, seja em um hotel, restaurante ou atração, trabalha justamente para que este seja um momento livre de preocupações. Mesmo assim, má experiências acontecem, humanos são passíveis de erro. Dito isso, acredito que descontar frustrações em funcionários é uma forma muito injusta de lidar com seus problemas. Exija o retorno por um serviço que contratou, evidentemente, mas seja razoável quando suas expectativas não forem alcançadas.

Inconveniente em Sintra, Portugal

Conservação
Por mais que viva do Turismo, um destino também é a casa de quem ali mora. Às vezes tenho a impressão de que alguns (poucos) turistas enxergam essas cidades de forma descartável. Que elas estão lá para seu próprio usufruto, independentemente dos moradores ou dos que venham a visitar no futuro. Para mim parece razoável esperar que convidados cuidem da casa do anfitrião tão bem (ou melhor) quanto cuidam da sua própria casa.

Apesar de incomodar, certamente esses pontos não são os piores reflexos do Turismo em massa em uma sociedade. É extensa e muito mais profunda a discussão sobre o Overtourism (Turismo em excesso) e a sua consequência direta, a Turismofobia. Para quem quer ler mais sobre o tema, a amiga e repórter da Panrotas, Karina Cedeño, publicou recentemente uma série de reportagens analisando o fenômeno. Nela, a repórter traça um panorama geral do Turismo em grande escala, abordando a discussão sob o olhar de grandes destinos, da indústria de cruzeiros, de órgãos governamentais e dos profissionais do mercado.

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O Porto no radar do Turismo e no mapa da United

Portão de embarque em Newark

Não são muitos os fatores capazes de evidenciar quando que um destino de fato entrou no mainstream do Turismo. Aumento no número de visitantes ano a ano, projetos de novos hotéis e interesse de companhias aéreas internacionais certamente encabeçam essa lista. Queridinho dos últimos anos na Europa, o Porto, em Portugal, tem se consolidado no mercado atraindo turistas cada vez de mais longe. Uma prova de que a cidade de fato entrou no radar do viajante internacional é a crescente oferta de voos de e para o Porto.

Atualmente o aeroporto Francisco Sá Carneiro tem ligação direta com mais de 70 cidades. O ano de 2017 terminou com recorde histórico de passageiros transportados, segundo a ANA, administradora do equipamento. No ano, 10,7 milhões de viajantes passaram pelos seus terminais, o equivalente a um aumento de 15% em relação a 2016.

Mapa da rota EWR/OPO

A tendência segue em 2018. No primeiro trimestre, o aeroporto recebeu 2,3 milhões de passageiros, aumento de 12% se comparado ao mesmo período do ano passado. Números que atraem gigantes como a norte-americana United Airlines, que iniciou em maio uma operação diária entre Porto e Nova York (Newark). Restrito à alta temporada, a rota visa encorpar a já volumosa presença de turistas norte-americanos na cidade. O voo tem oito horas de duração e é realizado a bordo de um Boeing 757-200, com capacidade de transportar 169 passageiros.

Como alguém que vive no Porto, eu posso dizer que ações como estas têm o poder de elevar o destino a um novo patamar, sobretudo em se tratando de um hub tão importante como Newark, em um mercado tão interessante como o norte-americano. Por um lado mais pessoal, esse voo não poderia ter vindo em melhor hora.

Estive recentemente nos Estados Unidos. Fui a Denver, no Colorado, para a cobertura da IPW 2018 (acompanhe na próxima edição da Revista PANROTAS). Meu voo de ida, que parava em Newark antes de chegar em Denver, saía de Lisboa e me exigiu uma desconfortável e longa viagem de trem regional pela madrugada.

United voa para o Porto a bordo do Boeing 757 (Flickr/Eric Salard)

Ao ficar sabendo dessa nova operação para o Porto, consegui com a United que mudassem meu voo (obrigado, Jacqueline Conrado e equipe!) e pude ver em ação a nova rota – especialmente, pude experimentar o conforto de chegar no seu exato destino e ainda antes do programado.

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