O dia da mentira e nossas heranças francesas


O dia da mentira nasceu quando Charles IX decidiu alterar a data da mudança do ano cristão. 

De fato o papa Gregório XII já havia mudado a data dois anos antes, mas somente em 1564 o Rei Charles IX determinou que o ano cristão começasse no dia 1 de Janeiro ao invés de 1 de abril na França.

O acontecimento teve como conseqüência a mudança do dia de troca de presentes que marcava a passagem para o ano novo.

Naquela época os presentes então oferecidos eram geralmente alimentos. Como o dia 1 de abril marca o fim da Quaresma – período durante o qual o consumo de carne é proibido para os cristãos – o peixe era o presente mais comum.

Alguns franceses resistiram à mudança de data realizada por Charles IX e continuaram a seguir o calendário antigo, pelo qual o ano se iniciava dia 1 de abril. Gozadores passaram então a ridiculariza-los, enviando presentes extravagantes como falsos peixes ou convites para festas inexistentes. Na França este dia é chamado de Poisson d’avril, ou Peixe de abril. Em 200 anos o costume de fazer piadas mentirosas criou raízes na França e se espalhou pelo mundo.

No Brasil, o primeiro de abril começou a ser difundido em Minas Gerais, pelo o jornal A Mentira lançado no 1º de abril de 1828, com a notícia do falecimento de Dom Pedro, desmentida no dia seguinte. A Mentira saiu pela última vez a 14 de setembro de 1849, convocando todos os credores para um acerto de contas no dia 1º de abril do ano seguinte, dando como referência um local inexistente.

Incrível, não é mesmo?                                             

Mas o dia da mentira não é a única coisa que herdamos da França. O texto de Lorena Dillon, editado para o Ano da França no Rio de Janeiro e abaixo transcrito, nos lembra de alguma delas:

O Carnaval: A festa foi trazida pelos franceses. No século XI já existiam as festividades antes da quarta feira de cinzas, data do início da quaresma na religião católica.  Os franceses foram quem deram elegância e brilho ao carnaval, o luxo aos bailes de máscaras que saíram dos salões da nobreza para as ruas de Paris, atravessou os mares e chegou às Américas.

A elite carioca adota o baile de máscaras na segunda da metade do século XIX.

As primeiras notícias sobre o uso da serpentina surgem em 1893, um ano depois do confete. A idéia da serpentina surge com a brincadeira das telegrafistas francesas, que lançavam, umas sobre as outras, as fitas de papel azulado usadas nos telégrafos da época.

A Quadrilha: Surge com força no final do século XVIII uma contradance que agradou tanto o imperador Napoleão Bonaparte, que ele fez dela peça obrigatória dos grandes bailes de sua corte imperial. Com um toque teatral, a dança representa uma festa de casamento contada através das evoluções da coreografia, daí a existência do narrador que comenta a ação e dita os comandos em francês para a evolução da dança.

 No Brasil, a quadrilha vira moda nos salões do século XIX. Aqui ocorre a fusão cultural e a quadrilha que deriva da polca, ganha ritmos do maxixe e depois do baião. Foi mantida com narrativa francesa a representação de um casamento, embora de forma debochada, além de termos inserido elementos na narrativa como o padre e o pai da noiva.

Música: A importante influência francesa na cultura brasileira tem na música um dos seus exemplos mais marcantes. A música erudita o compositor francês Claude Debussy  provoca uma revolução com sua nova divisão rítmica. O maestro Heitor Villa Lobos fora um dos seus seguidores, que por sua vez influenciou Dorival Caymmi e Tom Jobim.

 A influência francesa de Debussy está em “o mar”, composição de Dorival Caymmi, que resgata o cancioneiro popular e abre portas para a liberdade harmônica da música popular brasileira.

 A música dos “chansonieres” franceses ( cantadores de canções) introduziu a música de fossa, ou mais conhecida como “ dor de cotovelo”. No Brasil a cantora que melhor representou este estilo musical foi Maysa Matarazzo. Muitas intérpretes brasileiras como Ângela Ro Ro e Alcione já cantaram a música francesa mais famosa no Brasil, Ne me quitte pas de Jaques Brel. A versão francesa mais conhecida é na voz de Edith Piaf.

Um dos cantores franceses mais populares da França é Charles Aznavour, que se apresentou no Brasil pela primeira vez em 1959, em apresentação no Teatro Copacabana. O cantor, em sua turnê de despedida em Abril de 2008, declarou seu amor ao Brasil e retornou ao país em Setembro para fazer mais sete shows.

Teatro: A França influenciou mundialmente o teatro e um dos templos irradiadores é a Comédie-Française, fundada por decreto de Luís XIV, em 1680. O nascente teatro brasileiro tem forte influência francesa, com encenações de peças que faziam sucesso em Paris. A comédia Moliere, pseudônimo de Jean Baptiste Poquelin, influenciou escritores brasileiros como Martins Pena e Artur Azevedo. A atriz francesa Henrriete Morineau participou do movimento de profissionalização do teatro brasileiro e teve papel fundamental para consolidação do teatro no país.

Vaudeville, chamado Alcazar Lírico, na rua da Vala, atual Uruguaiana, deu origem ao teatro de revista. Eram espetáculos apresentados em francês e português e tinha uma diversidade de números apresentados em uma só noite. É nesta época que entra em cena o Can Can.

Finalmente, neste dia da mentira, descobri que somos mais franceses do que imaginávamos!

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Silvia Helena

Após breves passagens pela Faculdade Metodista de São Bernardo e Belas Artes de São Paulo, aos 18 anos fui estudar no Canadá, onde vivi durante 23 anos. Lá me formei em História da Arte pela Universidade de Montréal, estudei turismo no Collège Lasalle de Montréal e no Institut de Tourisme et Hôtellerie du Québec. Comecei minha carreira na área trabalhando em Cuba. Durante os anos vividos no Canadá, entre outras coisas, fui guia de circuitos pela costa leste e abri minha primeira agência de receptivo para brasileiros. Há 18 anos um vento forte bateu nas velas da minha vida me conduzindo até França. Atualmente escrevo de Paris, onde vivo e trabalho dirigindo a empresa de receptivo, LA BELLE VIE.

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