Resistência e empreendedorismo. Essas foram as duas palavras que vieram à minha mente ao final da visita à Reserva da Jaqueira, uma das atrações da chamada Costa do Descobrimento – região que abrange destinos como Porto Seguro, Arraial d’Ajuda, Trancoso e Caraíva.
O acesso à Reserva fica no caminho entre Porto e Santa Cruz Cabrália, e é sinalizado com placas. Seguindo pela orla, basta virar na estradinha de terra e dirigir por alguns poucos minutos para chegar na “portaria”.
Quem nos recebeu foi Nitynawã, uma das lideranças da aldeia e uma enciclopédia viva sobre a História da tribo Pataxó em Porto Seguro. Da portaria, o passeio segue a pé por uma trilha no meio da Mata Atlântica – há uma subida, mas nada muito íngreme – até que finalmente a aldeia surgiu diante de nós. As casas são de taipa, com cobertura de palha, e a atmosfera tenta reproduzir ao máximo o estilo de vida de um típico povoado indígena brasileiro.
A visita começa com uma senhora aula de História, nas palavras da própria Nitynawã. Sentamos ao redor de uma estátua – mais tarde, ainda assistiríamos ali a celebração de um dos rituais da tribo – e ela nos contou um breve resumo da saga dos pataxós no Extremo Sul da Bahia, destacando fatos importantes como a criação do Parque Nacional do Monte Pascoal, em 1943, até o famigerado ‘Fogo de 51’, um dos mais significativos episódios da luta pelos direitos dos povos indígenas no País.
Para quem não está familiarizado, o Fogo de 1951 foi um conflito armado causado pelo interesse de expropriação das terras dos indígenas. A aldeia foi invadida por policiais – que incendiaram as palhoças, violentaram mulheres e mataram integrantes da tribo –, e os sobreviventes se dispersaram pela região.
De certo modo, a Reserva da Jaqueira deriva dessa “mini-diáspora” dos pataxós. Três irmãs – Nitynawã, Jandaya e Nayara –, após uma vasta experiência nômade, decidiram fincar raízes no local em meados dos anos 90, ao perceberem a ameaça real de desmatamento da área. E já que precisavam de recursos para o sustento da tribo e preservação do lugar, as três optaram por abrir a aldeia para o Turismo.
Como inovação parece sempre assustar o complicado sistema burocrático brasileiro, não preciso mencionar que as irmãs pataxó encontraram resistência junto a órgãos governamentais, que temiam que a abertura de uma aldeia para visita de turistas pudesse prejudicar o objetivo real da demarcação de terras indígenas – a manutenção da cultura e do modo de vida dos integrantes da tribo. E como se não bastasse isso, tampouco eram bem vistas por lideranças de povoados vizinhos, que não admitiam que três mulheres gerissem uma aldeia.
Pois elas se uniram, enfrentaram tudo isso, e hoje têm um dos mais interessantes cases de sucesso da região. A ideia de abrir comercialmente a aldeia para o Turismo acabou dando mais do que certo. Além de trazer recursos, permitiu visibilidade aos costumes do povo pataxó e o fortalecimento da identidade da tribo. Hoje a Reserva recebe grupos de turistas todos os dias (exceto aos domingos), oferecendo uma estrutura de passeio diferenciado em meio ao boom da exploração turística de Porto Seguro.
Atualmente existem quase quarenta aldeias pataxós situadas no Extremo Sul da Bahia. Entre os hábitos ainda preservados até hoje, estão as chamadas “provas” de casamento: para mostrar à aldeia que ele já é capaz de ser chefe de uma família, por exemplo, o jovem precisa ir à mata, caçar um animal e trazer até o povoado, provando que poderá sustentar a própria casa. A língua oficial é o patxohã, e apesar de quase todos já falarem português fluente, aqui e ali ainda se ouve bastante o idioma da tribo: “Awery” é obrigado. “Jacy” é a Lua. “Kijeme” é casa.
– Mas como assim, casa de índio não era “oca”?
Nada disso, “oca” é uma palavra de origem tupi-guarani, que também significa casa, e acabou sendo incorporada ao português para se referir de modo genérico a uma habitação indígena – mas há inúmeras outras palavras equivalentes nas línguas das demais etnias.
O passeio guiado visita ainda a horta, a escola e a casa do Pajé, além de levar o grupo por uma trilha repleta de armadilhas, com explicação e demonstração prática do funcionamento de cada uma. Ao final, os turistas podem participar de um ritual de música e dança, além de saborear um peixe assado na palha da patioba.
E, como é de praxe, óbvio que também tem uma tenda de artesanato para levar uma lembrancinha pra casa.
Obs.: e aceita cartão, viu?!
Na era do Turismo de Experiência, a visita à Reserva da Jaqueira é um sopro de renovação de energia para quem passa a viagem no ritmo das barracas de Axé Music de Porto Seguro. Pode ser um produto feito e pensado para receber excursões, mas isso não tira o mérito do projeto idealizado há quase 20 anos pelas irmãs pataxó.
Programa de índio, sim. Mas no melhor dos sentidos.
INFORMAÇÕES ÚTEIS
Reserva Pataxó da Jaqueira
Acesso pela BR-367 (Estrada Porto Seguro – Santa Cruz Cabrália)
Funcionamento: de segunda a sábado, com visitas pela manhã e pela tarde. Limite de 70 pessoas por turno.
Ingresso: R$40 por pessoa
Estive visitando a aldeia agora em setembro(2016) e gostei muito.
Visitei a aldeia em setembro agora ,foi o melhor passeio que fiz na Bahia. Um banho de história, de cultura,de civilidade e hospitalidade. Nossos irmãos patoxó são extremamente amáveis, educadissimos,gentis,cultos,enfim ,são a história viva do Brasil!!!
Também achei esse passeio um dos melhores em Porto Seguro! Abraços!
Somente é possível visita através de excursão?
Experiência incrível, imperdível, meus filhos e eu amamos!
A visita pode ser feita individualmente.