MEXICO USA PORTUGAL BRASIL

Parece até ostentação, mas após quase 2 anos sem voar para fora do país, neste mês de novembro estivemos em 4 países diferentes (sem contar as conexões).

Apesar do imenso esforço das cias. aéreas para cumprir e fazer cumprir os protocolos de saúde e as diferentes restrições de diferentes governos para a entrada de viajantes em seus territórios, o fato é que voar está ficando muito chato.

E não adianta me recriminarem por afirmar isso, mas justamente por eu ser empresário do setor de viagens e turismo, preocupa-me enormemente a experiência do viajante, seja a turismo ou corporativo.

Por conta da pandemia, apenas para realizar esses voos, tivemos que fazer 4 testes de Covid e apresentar o resultado (juntamente com o certificado de vacinação), no checkin das cias. aéreas (Copa, AA e Azul) e de todos os hotéis em que hospedamos (Meliã Paradisus, Quinta São Bernardo, The Yeatman e Dom Pedro) e, dependendo do país, também em restaurantes e outros estabelecimentos comerciais.

Também tivemos que preencher 4 formulários de auto-declaração do óbvio para entrar em cada país, e ainda tivemos que levar impresso a MP que prorrogou em 1 ano a validade da CNH no Brasil e argumentar muito para convencer as locadoras (Hertz e Europcar) a permitirem a retirada dos carros alugados.

Sem falar no total de 44 horas de voo usando a fatídica (necessária, mas desconfortável) máscara, “cobrindo o nariz e a boca”, mantra sempre lembrado pelas comissárias.

Apesar de tudo isso, não deixaremos de voar, mas, francamente, fico imaginando quantas pessoas estão pensando 2 ou 3 vezes antes de tomar a decisão de entrar em um avião, impactando significativamente os nossos negócios.

E, sim, isso me preocupa muito…

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ULTRACREPIDANISMO

Quando me formei na faculdade de engenharia, a especialização em algum tema era meio caminho andado para ser bem sucedido na carreira, porque o mercado de trabalho, àquela época, buscava especialistas, profissionais que se dedicavam a fazer bem um determinado ofício, fosse qual fosse.

Com o tempo, ser especialista deixou de ser uma vantagem competitiva, o generalista passou a ser o perfil profissional mais valorizado, buscava-se quem entendesse de tudo um pouco, mesmo que, em muitos casos, sem a profundidade que os especialistas atuavam (e ainda atuam).

Hoje em dia o que vemos são generalistas especializados em absolutamente tudo e, diferentemente de épocas anteriores, essas pessoas não buscam ser valorizadas pelas empresas, mas pelos seus seguidores.

Sim, porque o importante não é mais ter uma experiência aderente a empregadores, mas ter um perfil e postagens e atitude aderentes aos seguidores que, aos milhares ou aos milhões, tornaram-se o novo empregador desses novos profissionais, influenciadores digitais, celebridades virtuais, que surgem também aos milhares e milhões nas redes sociais.

“Para manter meu público interessado e crescente, preciso abordar outros assuntos além do meu tema principal”, defendem quase todos os influenciadores digitais, explicando o motivo pelo qual têm que conhecer de tudo um pouco, ou “de tudo um muito”, como acreditam os profissionais, aqueles que transformaram a internet em seu ofício, estudiosos e pesquisadores que são, de todos os assuntos que compartilham.

Chamamos este fenômeno de ultracrepidanismo, ou “o hábito de expressar opiniões ou dar conselhos em assuntos para além do conhecimento do próprio”, conforme descreve a Wikipedia.

Típico de jornalistas e políticos, que sempre tiveram dificuldade em admitir que não conhecem determinado assunto, o ultracrepidanismo tomou uma outra dimensão com as redes sociais, onde todos se julgam um pouco jornalistas, gerando conteúdo, seja através de imagens, notícias, frases ou pensamentos (quase nunca inéditos ou originais) e atuam com um pouco ou muita preocupação política (meu conteúdo deve ter aprovação da maior quantidade possível de seguidores).

Agravado pelo poder do conhecimento que o Google emprestou a todos os seres humanos que se interessem em fazer uma pesquisa mais detalhada sobre qualquer assunto, o ultracrepidanismo vem crescendo numa velocidade avassaladora, gerando uma horda de leigos especialistas em física quântica, doenças psicossomáticas, geometria analítica, nutrologia, pesquisa do cancer, viagens espaciais, psicologia comportamental, veículos autônomos, política e economia mundial, fé e preferência religiosa, inteligência artificial, gestão financeira e de investimentos e, mais recentemente, epidemiologia, entre muitos outros assuntos.

ultracrepidário (neologismo advindo do conceito original) ou ultracrepidante (como alguns acham mais bonito) conhece tudo isso e muito mais, pois julga (e parece esta certo) que todo o conhecimento da humanidade está ao alcance dos dedos, dele e de seus seguidores, sendo fundamental portanto, sua análise oportuna (timing), sua curadoria segmentada (público) e sua capacidade de encantar e fidelizar seus seguidores (talento).

O fenômeno não se limita às redes sociais, o ultracrepidanismo está e sempre esteve presente nas rodas de amigos, nas reuniões familiares, nos bares e botequins, nos clubes, associações e condomínios, em qualquer ambiente com várias pessoas será possível identificar um legítimo representante deste comportamento.

Não há aqui propriamente uma crítica, mas um alerta para que se selecione bem onde obter conhecimento (ou consumir conteúdo), filtrar opiniões e exercitar a pesquisa, a análise e a formulação de visões próprias sobre qualquer assunto, afinal, todos podemos conhecer um pouco de tudo, e a internet, de uma forma geral, e as redes sociais, em especial, nos proporcionam essa possibilidade infinita a um custo virtualmente zero.

O segredo continua, como se diz há milhares de anos, na capacidade do indivíduo de separar o joio do trigo…

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GRANDES EMPRESAS E A PRESSÃO SOBRE O TIME

Tenho me debruçado sobre um tema muito presente na vida corporativa, mas que passa despercebido porque “estamos muito ocupados” para pensar nisso ou mesmo buscar uma solução.

Alguns dirão tratar-se de “perrengue chique”, daqueles problemas típicos de quem está bem de vida, tem um bom emprego e ganha bem…

Mas o fato é que está cada dia mais difícil encontrar o desejado equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional, sendo que muitos acreditam mesmo que já não há esta separação, sendo portanto desnecessário (ou mesmo impossível) tentar equilibrar numa balança os dois lados de uma mesma moeda.

Defendem que a vida pessoal e profissional tendem a ser, hoje, uma coisa só, e é aí que reside o problema, verdadeira tragédia humana contemporânea.

Vabo Júnior escreveu sobre este tema, que também me aflige, com muita propriedade, no ano passado e o texto permanece atual e, tudo indica, permanecerá merecedor de profundas reflexões por muitos anos ainda:

Empresas Unicórnio são uma fábrica de burnout: precisamos falar sobre esse elefante na sala

Texto de autoria de Luís Vabo Jr, publicado originalmente no Blog do Vabo em https://blogdovabo.com/2020/01/08/empresas-unicornio-sao-uma-fabrica-de-burnout-precisamos-falar-sobre-esse-elefante-na-sala/amp/

O que chamamos de “sucesso”?

Nosso mundo ágil, dinâmico e inquieto exige constantes adaptações e serve como combustível para inovações nos mais diversos setores.

Porém, no mercado de trabalho, esse cenário, ao invés de promover melhores condições, transformar nossa relação com o trabalho e usar o fruto de nosso esforço para nos favorecer, pelo contrário, parece estar tendo o efeito oposto.

Estresse, depressão e ansiedade tomam conta das empresas. E, nas Startups e Scaleups Unicórnios, que despontam como “o futuro dos negócios”, os índices de burnout – o esgotamento mental devido ao trabalho – só crescem.

Precisamos falar sobre esse elefante na sala, antes de que seja tarde demais.

O que são Empresas Unicórnio?

Empresas Unicórnio são startups que conseguiram ser avaliadas em 1 bilhão de dólares  – um feito tão raro que justifica sua associação a esta criatura mítica.

O termo foi cunhado pela investidora-anjo Aileen Lee, m 2013, no artigo Welcome To The Unicorn Club: Learning From Billion-Dollar Startups.

À época, poucas empresas recebiam o título – uma realidade que, felizmente, por um lado, vem mudando gradativamente de lá pra cá.

Por outro, Empresas Unicórnio não são magníficas como a criatura que lhes dá nome. Na verdade, as Scaleups, ao passo que se tornam Unicórnios, podem se tornar fábricas de burnout!

Por quê? Vem que eu te explico desde o começo:

O que são Scaleups?

Se você não está familiarizado com o conceito de Scaleup, vamos começar desde o começo. Mas se você já sabe o que são Scaleups, pode passar para o próximo tópico!

Se há um tempo só se falava de Startups nas rodadas de investimento e em ambientes propensos à inovação no mercado de trabalho, agora a bola da vez são as Scaleups. Inclusive, a transição foi tanta que parecem sinônimos.

Porém, Startups e Scaleups não são termos intercambiáveis; na verdade, eles descrevem duas fases distintas do crescimento de uma empresa:

O que é uma Startup?

A Startup é uma empresa em seus estágios iniciais que tem, como objetivo, desenvolver ou aprimorar um modelo de negócio, preferencialmente escalável e repetível, permeada por algum tipo de inovação.

O que é uma Scaleup?

A Scaleup pode ser definida como uma empresa que já validou seu produto no mercado e provou que o modelo de negócios da sua matriz é sustentável, podendo ser escalado. Tornar-se uma Scaleup é o “passo seguinte” das Startups. O foco aqui é no crescimento.

Exemplos de Scaleups brasileiras: Nubank, Stone, 99, iFood/Movile, Quinto Andar, Creditas.

5 diferenças entre Startups e Scaleups

Como estão em momentos de negócio distintos, Startups e Scaleups têm suas particularidades. Afinal, como você deve imaginar, os desafios de gerenciamento, liderança e logística durante cada fase são bem diferentes.

A seguir, elenquei alguns deles:

1. Validação de produto ou modelo de negócios

A diferença mais óbvia entre Startups e Scaleups é o estágio de desenvolvimento do produto ou modelo de negócio: nas Scaleups, os pontos de validação já foram aperfeiçoadas, enquanto as Startups ainda estão entendendo aspectos como segmentação de clientes, CAC e alocação de recursos.

Em outras palavras, as Scaleups sabem que se colocarem R$X  no negócio, receberão R$ Y em troca. Esse nível de clareza permite investimentos com confiança para fazer o que já estão fazendo em uma escala ainda maior. Por outro lado, as startups ainda podem não ter certeza de que tipo de retorno obterão de seus esforços.

2. Funções do time

Durante os estágios iniciais do crescimento de uma empresa, não é incomum que os membros da equipe assumam várias funções. A maioria das empresas contrata pessoas com um conjunto de habilidades específicas para uma função específica, mas também espera que essas pessoas assumam outros desafios à medida que ele forem surgindo.

Você precisa desse perfil “faz um pouco de tudo” para desenvolver estratégias, sistemas e processos desde o início.

À medida que as Startups vão se expandindo, é importante restringir as funções da equipe. Se isso significa transformar sua equipe de vendas e marketing em dois departamentos separados ou contratar especialistas para cada função nesses departamentos, assim será. As Scaleups se concentram no aprimoramento e especialização, em busca de crescimento.

3. Aversão ao risco

Quanto maior a empresa, maior a sua aversão ao risco. Você tem uma pequena base de clientes, um produto ainda não-validado e tração zero? Então você realmente não tem muito a perder quando confrontado com a perspectiva de buscar uma ideia nova e incomum.

Nos primeiros dias, o sucesso da empresa dependia de sua capacidade de operar rapidamente em resposta aos comentários, dados e insights coletados ao longo do caminho.

Por outro lado, nas Scaleups, os investidores, clientes e membros da equipe agora esperam aumentos de escala para multiplicar os resultados rapidamente. Quanto mais dinheiro você ganha, mais cuidadoso você tem que ter quando se trata de experimentar novos caminhos.

Podemos começar a observar o início do Dilema do Inovador, descrito pelo Prof. Clayton Christensen.

4. Sistemas e processos

Por natureza, as Startups geralmente têm sistemas muito flexíveis. O processo usado por alguém para elaborar uma campanha de marketing por e-mail, atualizar um aplicativo ou responder a e-mails de clientes está constantemente mudando.

Nesse cenário, os membros de um time geralmente têm liberdade de experimentar vários processos até descobrir o que funciona melhor para eles. Eventualmente, eles são convidados a documentar esse processo em um sistema que pode ser facilmente replicado.

Mas à medida que as Startups evoluem para Scaleups, os sistemas organizados se tornam imperativos para manter o controle de qualidade e concluir os projetos no prazo.

5. Hierarquia de gestão

A liderança necessária para uma empresa em estágio inicial é totalmente diferente daquela necessária para uma empresa que está escalando seu modelo de negócios. Basicamente, quanto mais pessoas você contratar, mais pessoas precisará gerenciar, certo?

Embora a gestão de uma equipe de 10 pessoas seja possível para alguns co-fundadores, supervisionar uma equipe de 30 pessoas pode ser bastante complicado.

À medida que os departamentos se tornam maiores, há mais espaço para erros ao passar projetos de uma função para a seguinte. Se não conseguir gerenciar esses novos desafios corretamente, você poderá ter problemas.

Agora que você já entendeu como as Scaleups se diferenciam das Startups, apresentando desafios ainda maiores e mais complexos, fica mais fácil entender por que o burnout se tornou tão comum nessas empresas.

Vamos aprender um pouco mais sobre as causas dessa síndrome e pensar um pouco sobre o que provocou a “cultura do esgotamento mental”?

A “CULTURA DO BURNOUT”

Os millennials podem até ser conhecidos como a “geração do burnout”, mas a exaustão no trabalho é história antiga.

Por outro lado, embora o burnout não seja novidade, hoje há mais pesquisas por trás do fenômeno – e mais sugestões para evitá-lo.

O desafio do equilíbrio entre vida profissional e pessoal decorre da ética do trabalho milenar que implica que “sempre devemos estar funcionando”, isto é, “fazendo algo que seja útil”.

Essa crença de viver para trabalhar se tornou realidade para muitos trabalhadores hoje – incluindo aqueles que não são millennials.

Por que parecemos mais esgotados hoje?

Devido à necessidade de estarem digitalmente conectados 24 horas por dia, sete dias por semana, e pela ansiedade em relação às perspectivas de desemprego, falta de aposentadoria, mudanças nos modelos de trabalho e à obrigação, muito comum, de equilibrar faculdade e trabalho, o esgotamento está atingindo os trabalhadores mais jovens mais cedo – e com ainda mais impacto.

Embora as gerações passadas tenham sofrido com burnout, pesquisas mostram que a geração dos millennials de fato sente a pressão mais dramaticamente, com um extrato de 84% dessa geração sofrendo desgaste no emprego atual, em comparação com 77% de todos os entrevistados.

Além disso, quase metade dos millennials dizem que deixaram um emprego especificamente porque se sentiram esgotados, em comparação com 42% de todos os entrevistados.

Mas o burnout não apenas afeta carreiras profissionais: ele também pode ser impiedoso para as relações pessoais e para a saúde.

Entre os funcionários que estão frequentemente ou sempre esgotados, 63% têm mais chances de passar um dia doente e 23% têm mais chances de visitar o pronto-socorro. Os problemas psicológicos e físicos de colaboradores esgotados custam entre US $ 125 bilhões e US$ 190 bilhões por ano em gastos com saúde nos Estados Unidos, por exemplo.

Não é de surpreender que esses mesmos colaboradores também tenham duas vezes mais chances de concordar fortemente que as demandas de seu trabalho interferem na vida familiar. Tampouco é à toa que o burnout foi, este ano, oficialmente classificado como uma síndrome pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

No Brasil, são quase 20 milhões de trabalhadores que sofrem com o novo “mal do tempo”.

Em pesquisa conduzida pela USP e divulgada pela ÉPOCA, observou-se que os sintomas do burnout são semelhantes aos da depressão, estresse e ansiedade. O que o diferencia desses transtornos é que, no caso do burnout, embora as áreas cerebrais afetadas sejam as mesmas, a causa é, especificamente, devida ao trabalho.

Além disso, a pesquisa constatou que um em cada cinco trabalhadores brasileiros sofre de burnout. Quando se leva em consideração também os que tiveram ao menos algum dos sinais, mas não “queima total”, fica-se diante de um quadro que atinge metade da força de trabalho do país, de acordo com a matéria.

Como as Scaleups têm contribuído para fomentar o burnout? 

Bom, o modelo de trabalho associado a empresas com esse perfil é propenso a esgotar seus trabalhadores.

A conclusão da pesquisa conduzida pela USP alerta que “a rotina profissional piorou de tal maneira nos últimos anos — impulsionada por avanços da tecnologia, mudanças na sociedade e no mercado de trabalho e novas dinâmicas empresariais —, que acabou por abalar a saúde mental das pessoas.”

SCALEUPS SÃO FÁBRICAS DE BURNOUT: O ELEFANTE NA SALA E POR QUE NINGUÉM FALA SOBRE ELE

Pressão.

Se pudéssemos resumir o trabalho em boa parte das Startups e Scaleups em uma palavra, acredito que muitos escolheriam essa.

A pressão ocorre tanto nos estágios iniciais de uma empresa quanto no momento em que ela começa a crescer vertiginosamente. Em parte, isso deve por quase nunca haver dados confiáveis suficientes nos quais os empreendedores possam basear uma decisão crítica, de modo que, conseqüentemente, eles são forçados a agir de acordo com a intuição na maior parte do tempo.

E o grande número, bem como a rapidez, das decisões necessárias em um dia comum podem estressar ou esgotar os até mesmo os fundadores mais experientes e entusiasmados. Afinal, você nunca se sente seguro de que está, de fato, fazendo o melhor para todos.

É por isso que a maior parte das Startups, ainda que tenham seu produto ou modelo validado, não consegue atingir o primeiro estágio de expansão. Num cenário como esse, existem expectativas de todos os lados sobre como levar o negócio de 0 a 500 milhões de reais – e muitos CEOs precisam abandonar o barco no meio do caminho por conta do burnout.

E ainda que as Scaleups sejam, por definição,um indicativo de sucesso, a pressão, por outro lado, só aumenta. A transição de uma Startup para uma Scaleup nunca é feita sem impactos significativos sobre os processos da empresa, seus colaboradores, seus executivos, seus fundadores…

Estes precisam cuidar para conter a tensão de modo a não deixá-la vazar para os colaboradores; por outro lado, os colaboradores precisam se adaptar a um modelo de negócio mais ágil sem sucumbir à pressão.

Ou seja, além de enfrentar uma série de obstáculos para se construir um negócio que faça sentido, o maior desafio interno das Scaleups é superar o ar de “heroísmo” associados às Startups que passam para a fase dois – “uma empresa que venceu as adversidades do mundo dos negócios” – para encarar um modelo mais metódico, e menos romântico, de crescimento.

A incapacidade de adotar processos coletivos e sistemáticos para substituir o heroísmo individual – por exemplo, continuando a entregar projetos únicos, repletos de identidade, quando seus clientes imploram por soluções padronizadas e repetíveis – causa um estresse incalculável em todos, impactando clientes, parceiros, executivos e, claro, a equipe.

É abalar profundamente uma estrutura que já não era muito segura.

Em resposta à pressão e à necessidade de adaptar colaboradores a esse novo ritmo, muitos adotam uma abordagem perigosa que equipara quantidade de esforço e trabalho a sucesso. Em outras palavras, “quanto mais você trabalhar, mais sucesso teremos”.

Já os executivos, fundadores e membros do conselho normalmente têm dificuldade em se desligar do trabalho, acostumando-se a viver sob constante pressão – o que, invariavelmente, faz com que ela seja espalhada por outras áreas da vida.

Seria irrealista, porém, dizer que é possível empreender sem pressão, ou que é possível mudar esse cenário com algumas modificações simples. Muito mais do que uma questão de modelo de negócios, é uma questão cultural e psicológica.

Não é, portanto, que as Scaleups sejam o berço de um fenômeno com graves consequências para nosso bem-estar. Mas elas são ambientes que costumam potencializá-los – e não podemos ignorar isso.

Burnout não é sinônimo de sucesso

Pesquisadores da USP definem psicodinâmica do trabalho como “uma área do conhecimento que se desenvolve há cerca de 40 anos, expandindo os discursos anteriores da psicopatologia e colocando-os sob uma perspectiva de emancipação. Através de estudos nessa área, comprovou-se que o trabalho nunca é neutro: ou ele leva o indivíduo a um processo de alienação ou a processos emancipadores, onde se pode crescer mais como profissional e como sujeito dentro de um determinado coletivo”.

Quando falamos de burnout, essa linha é especialmente tênue.

Isso porque o trabalho parece ter evoluído de uma necessidade para um meio de identidade, criando-se uma cobrança para serem “bem-sucedidas” que vai muito além de aspectos meramente econômicos.

Mas, afinal, como definir, exatamente, o sucesso? Estamos nos concentrando demais na evidência material de sucesso e não na maneira como nos sentimos quando fazemos algo e nos sentimos bem-sucedidos?

Faça um teste. O que vem à sua cabeça quando você ouve ou lê a palavra SUCESSO? E o que vem à sua cabeça quando você ouve ou lê a palavra FELICIDADE?

Embora níveis mais baixos de renda possam impactar os níveis de felicidade, os níveis mais altos de renda não estão necessariamente associados a pessoas mais felizes.

Felicidade é um conceito complexo que é influenciado por muitas variáveis. O World Happiness Report (2019)analisou o PIB per capita, a expectativa de vida, o apoio social, a liberdade de escolha, a generosidade e as percepções de corrupção e ponderou essas variáveis em relação aos níveis de felicidade de cada país.

Enquanto os Estados Unidos, China e Japão são os três principais PIBs do mundo, isso não equivale necessariamente ao quociente de felicidade da população. De fato, nenhum deles está no Top 10 e os Estados Unidos mal entram no Top 20 (#19), com a China (#93) e o Japão (#58) ficando lá embaixo quando o assunto é felicidade.

Pudera: o modelo chinês 9-9-6 (trabalho de 9h da manhã às 9h da noite, 6 dias por semana) é desumano. Nesta matéria do El País, a jornalista Macarena Vidal Liy pinta um cenário que parece saído direto de uma distopia.

Por exemplo, como relata um dos entrevistados para o artigo:

“Eu tinha de ficar sempre no escritório trabalhando até tarde e, é claro, sem pagamento extra. Nos fins de semana o chefe podia ligar para você, se houvesse alguma emergência, e você tinha de ir. Se você ia embora cedo, mesmo que não tivesse nada para fazer, isso era mal visto: achavam que você não estava trabalhando duro o suficiente”

Soa familiar? Pois é.

O Vale do Silício andou recebendo as mesmas críticas.

Isso ocorre porque ainda alimentamos a ilusão de que felicidade é sinônimo de sucesso e sucesso é sinônimo de bens e luxo. E o burnout reflete essa busca insaciável pela felicidade através do sucesso e pelo sucesso através do trabalho incessante.

Eu acredito que haja, sim, relação entre trabalho, sucesso e felicidade. Mas não nestes termos.

Você não é mais bem-sucedido porque vive cansado. O seu burnout não é indicativo de que você “seu deu bem na vida”. É impossível sermos felizes estando esgotados e não tendo tempo sequer para parar e refletirmos a respeito de nossa felicidade. Esse é um mito propagado por modelos de negócios que se beneficiam da vulnerabilidade  social, psicológica e econômica dos trabalhadores.

Força de vontade e ambição não devem se manifestar como 12, 14, 16, 20 horas de trabalho diárias. Força de vontade e ambição devem se manifestar como DESEJO e VOCAÇÃO; como AMOR pelo que se faz e consciência de que você faz o que faz porque você tem um PROPÓSITO. Porque tem algo muito maior que move você – e não porque você se sente cobrado – pelo seu chefe ou pela sociedade ou até mesmo por você mesmo –  a “ter sucesso”.

Aí sim, quando fazemos algo com propósito, e nos realizamos através desse propósito, podemos associar sucesso a felicidade.

Como evitar o burnout? 10 dicas práticas

  1. Faça meditação
  2. Faça terapia
  3. Procure um psicólogo
  4. Alimente-se de forma balanceada
  5. Esteja presente
  6. Pratique exercícios físicos
  7. Faça pausas de descompressão
  8. Respire
  9. Durma pelo menos 7h por dia
  10. Faça exercícios de inteligência emocional

CONCLUSÃO

Se você se sentir esgotado – passando, tendo passado ou à beira de um burnout – eu sugiro que você olhe para o seu trabalho – e para a sua carreira – como se você estivesse a 10.000 metros de altura de si mesmo.

Seu caminho atual te satisfaz? Você sente que trabalha muito mais do que deveria? Você sente que tem condições de buscar uma alternativa melhor? Quando foi a última vez que você se sentiu realizado no trabalho? Você se sente em paz quando deixa o trabalho? Você consegue estabelecer limites entre o trabalho e a vida pessoal?

Não é fácil implementar as mudanças necessárias para evitar a proliferação de crenças e modelos de trabalho nocivos, mas um bom primeiro passo e termos consciência de quais limites precisamos impor.

O nível de burnout em Scaleups não pode ser encarado como “ossos do ofício”. Abrir mão da saúde mental não deve ser encarado como um “sacrifício”.

Que a felicidade seja sempre nosso maior indicativo de sucesso. Só assim poderemos, de fato, usar nosso trabalho a favor de um mundo melhor 🙂

Dá uma olhada no Burnout Index: https://burnoutindex.org/

Texto de autoria de Luís Vabo Jr, publicado originalmente no Blog do Vabo em https://blogdovabo.com/2020/01/08/empresas-unicornio-sao-uma-fabrica-de-burnout-precisamos-falar-sobre-esse-elefante-na-sala/amp/